A imagem seguinte, obtida pelo autor usando um dos instrumentos do Virtual Telescope, mostra um recanto da constelação dos Cães de Caça centrado na galáxia activa NGC 4151, uma das mais próximas desta classe. O brilho intenso do núcleo, que ofusca quase por completo o resto da galáxia, é absolutamente notável e esconde um dos objectos mais energéticos conhecidos — um buraco negro super-maciço com 37 milhões de massas solares. Na imagem é visível também a magnífica espiral barrada NGC 4156, também ela com um núcleo activo. Esta galáxia não parece estar associada com a NGC 4151, aparecendo junto desta devido a um alinhamento fortuito. A sua distância, estimada pelo efeito de Doppler provocado pela expansão do Universo no seu espectro, é estimada em perto de 300 milhões de anos-luz. PGC 38811, de aspecto amorfo e visível um pouco mais acima e ao centro, parece estar à mesma distância. De entre os vários outros objectos visíveis na imagem, destaco ainda dois quasares distantes — 2XMM J121001.7+392151 (z=2.95) e QSO B1207+39 (z=0.61) — ambos de magnitude 20, ou seja com um brilho 400 milhões de vezes inferior às estrelas mais débeis visíveis a olho nu. Só a combinação de um telescópio de grande abertura e uma câmara CCD muito sensível permitem a captura de luz tão antiga.
Nos anos 40, o astrónomo americano Carl Seyfert reparou que, entre outras galáxias, a NGC 4151 apresentava um núcleo com uma luminosidade extraordinária. O espectro da sua região nuclear, para além das habituais linhas de absorção devidas à luz combinada das estrelas aí existentes, exibia linhas de emissão associadas a átomos aos quais tinham sido arrancados vários electrões, revelando a presença de gás a temperaturas muito elevadas. As linhas eram também anormalmente largas, implicando que o gás se movia a grande velocidade. Nas décadas seguintes, os astrónomos descobriram que os núcleos activos de galáxias como a NGC 4151 (Active Galactic Nuclei ou AGN) emitiam uma enorme quantidade de raios ultravioleta e raios X, um sinal inequívoco da presença de um quasar.
Um quasar é composto por um buraco negro super-maciço e a sua região circundante, normalmente localizado no núcleo de uma galáxia. Quando um quasar está activo, o gás da galáxia (ou de outra galáxia durante uma colisão) é capturado pelo campo gravitacional do buraco negro e forma um disco de acreção em torno dele. O gás nesse disco orbita o buraco negro a alta velocidade e a fricção e o intenso campo electromagnético aquecem-no a temperaturas muito elevadas, ionizando-o e provocando a emissão de radiação muito energética como raios ultravioleta e raios X. Na periferia do disco existem nuvens de gás quente que dão origem às linhas de emissão observadas no espectro visível previamente descritas. Ainda mais para o exterior, o disco é rodeado de um toro de nuvens de gás e poeiras mais frias que emitem principalmente no infravermelho.
(Representação artística de um quasar.
Crédito: NASA/Goddard Space Flight Center & Wolfgang Steffen, UNAM.)
O aspecto característico da região nuclear da NGC 4151, quando observado em vários comprimentos de onda, levou os astrónomos a baptizarem-na de “Olho de Sauron”, uma alusão à personagem sinistra da obra “O Senhor dos Anéis” de J. R. R. Tolkien. Apesar da sua importância para a compreensão do fenómeno AGN, a distância da galáxia permanece incerta, com estimativas muito dispares, a maioria obtidas por métodos indirectos. A última destas, publicada em 2014, resulta da utilização de uma técnica muito interessante designada por “mapeamento por reverberação” (reverberation mapping) que vou tentar explicar de seguida.
Na região mais interior do disco de acreção ocorrem frequentemente erupções que libertam grande quantidade de raios ultravioleta e raios X. Isto deve-se ao fluxo turbulento do material no disco de acreção e à sua interacção com o campo electromagnético fortíssimo em torno do buraco negro. Estas erupções são detectadas por observatórios em órbita da Terra. A luz emitida viaja então em todas as direcções e parte dela atinge, algum tempo depois, as nuvens de gás e poeira que rodeiam o disco de acreção, aquecendo-as e fazendo-as brilhar ainda mais no infravermelho. Essas erupções no infravermelho podem ser detectadas a partir de telescópios na Terra. O desfasamento temporal entre a erupção ultravioleta e a correspondente reverberação no infravermelho permitem calcular a dimensão do disco de acreção (basta multiplicar a diferença de tempo pela velocidade da luz).
Por outro lado, os astrónomos podem utilizar um telescópio suficientemente grande para medir directamente (com uma imagem) o tamanho aparente do disco de acreção. Não é tarefa fácil. Neste caso foram utilizados os dois telescópios Keck com espelhos segmentados de 10 metros, no Hawaii, funcionando como um interferómetro por forma a obter uma resolução equivalente a um telescópio de 85 metros. O conhecimento do tamanho aparente e do tamanho real do disco permitiu aos astrónomos calcular de forma muito simples uma distância de 62 milhões anos-luz para a NGC 4151.
Referências: Sebastian F. Hoenig et al. 2014. A dust-parallax distance of 19 megaparsecs to the supermassive black hole in NGC 4151. Nature 515, 528–530.
Últimos comentários