Uma equipa de astrónomos liderada por Arash Bahramian, da Universidade de Alberta, utilizou os telescópios espaciais Chandra e nuSTAR, da NASA, e o radiotelescópio Australia Telescope Compact Array (ATCA) para descobrir um sistema binário excepcional, composto por uma anã branca e um buraco negro que orbitam a uma distância inferior a 2.5 vezes a distância entre a Terra e a Lua! Designado por “47 Tuc X9” (doravante X9), o sistema situa-se no enxame globular 47 Tucanae (também conhecido por NGC 104), situado a 15 mil anos-luz na direcção da constelação do Tucano, no céu austral.
O sistema X9 foi descoberto no decurso de observações de enxames globulares com telescópios de raios X. Estes enxames de aspecto esférico ou elipsoidal (globulus — “pequena esfera”, do latim) podem conter centenas de milhares de estrelas e atingir os 100 anos-luz de diâmetro, sendo, por isso, extraordinariamente densos. As estrelas que os compõem contam-se entre as mais antigas da Via Láctea, com idades até os 12 mil milhões de anos. Um ambiente tão denso é propício à interacção gravitacional entre as estrelas com a consequente formação de sistemas binários e, por vezes, colisões.
Aquando da sua descoberta, tudo parecia indicar que X9 era um sistema com uma anã branca que capturava material de uma estrela normal. No entanto, em 2015, usando observações com um radiotelescópio uma equipa liderada por J. Miller-Jones, do International Centre for Radio Astronomy Research — Curtin University, sugeria um cenário diferente: um sistema formado por uma anã branca e um buraco negro que dela se “alimentava”. Os dados apontavam mesmo para um período orbital extremamente curto, cerca de 25 minutos!
Para validar (ou não) este cenário, a equipa de Bahramian fez observações com telescópios de raios X, o Chandra e o nuSTAR, da NASA, e com os radiotelescópios do ACTA. Os dados recolhidos confirmaram o cenário apontado pela equipa de Miller-Jones, permitiram refinar o período orbital para 28 minutos e mostraram ainda a presença de grandes quantidades de oxigénio no sistema — as anãs brancas são constituídas maioritariamente por oxigénio e carbono — , um sinal claro da existência de transferência de material entre as componentes.
Enxames globulares como o 47 Tucanae têm condições ideais para formar sistemas como o X9. A densidade estelar é tão elevada que a colisão entre estrelas ou a captura gravitacional mútua num sistema binário é muito mais provável do que na nossa região da galáxia, onde o povoamento é esparso. O buraco negro pode ter capturado uma das estrelas do enxame ficando em sua órbita. Quando a estrela se tornou uma gigante vermelha o buraco negro começou a capturar material das suas camadas exteriores, podendo mesmo ter ficado dentro da atmosfera da estrela, perdendo energia orbital devido à fricção com o gás e à emissão de ondas gravitacionais. A perda de energia orbital provoca uma aproximação gradual entre o buraco negro e a estrela. Finalmente, ao fim de centenas de milhares de anos, tudo o que resta da gigante vermelha é uma anã branca que, por essa altura, tem o buraco negro a orbitá-la muito próximo. No futuro, o buraco negro continuará a capturar material da anã branca e a aproximar-se cada vez mais devido à perda de energia orbital por emissão de ondas gravitacionais. A anã branca acabará por ser totalmente obliterada.
Um cenário alternativo apontado pela equipa de Miller-Jones, em que a componente mais maciça do sistema seria uma estrela de neutrões/pulsar, em vez de um buraco negro, foi também considerado pelos autores. De facto, muitos enxames globulares são ricos em pulsares, em especial de um tipo raro com períodos de alguns mili-segundos que habitam sistemas compactos como o X9. No entanto, o comportamento do X9 em raios X e em ondas de rádio é muito diferente do observado para este tipo de pulsares pelo que os autores desfavorecem esta hipótese, apesar de, nesta fase, não poderem descartá-la completamente.
Referências:
Arash Bahramian, Craig O. Heinke, Vlad Tudor, James C.A. Miller-Jones, Slavko Bogdanov, Thomas J. Maccarone, Christian Knigge,Gregory R. Sivakoff, Laura Chomiuk, Jay Strader, Javier A. Garcia, Timothy Kallman. “The ultracompact nature of the black hole candidate X-ray binary 47 Tuc X9”, arXiv.org
NASA/Chandra. “X9 in 47 Tucanae: Star Discovered in Closest Known Orbit Around Likely Black Hole”.
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