Esvaziar uma pia… em que sentido gira a água?

Provavelmente, já todos nos deparámos com uma pia (lavatório) ou uma banheira cheios de água e, ao retirar a tampa do ralo, a água vai escoando a uma velocidade cada vez maior até formar um pequeno vortex junto ao ralo.

A ideia que se popularizou é que isso acontece sempre e que essa água vai girar sempre no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio (sentido anti-horário) no hemisfério norte e no sentido dos ponteiros de um relógio (sentido horário) no hemisfério sul. Sobre a linha imaginária do equador, que divide a terra em dois hemisférios (hemisfério norte e hemisfério sul), a água sai da pia sem girar.

Neste vídeo, aparentemente gravado na cidade de Quito, no Equador (no país Equador), e junto a uma linha encarnada pintada no pavimento e que materializa a linha imaginária do equador terrestre, é feita uma simples experiência onde se pretende ilustrar essa ideia popular.

Vejamos então o que nos é mostrado no vídeo:

Quem executa a experiência, começa por se colocar uns 2 metros a sul da linha do equador e despeja um balde de água dentro de um recipiente com um ralo na parte inferior. O ralo está tapado com uma tampa e há umas pequenas folhas para se visualizar a rotação da água ao escoar. A água vai saindo pelo ralo e vai aumentando a velocidade, girando no sentido horário.

Em seguida, a experiência é repetida, mas desta vez uns 2 metros para norte do equador. Desta vez, a água vai-se deslocando em círculos, cada vez mais rapidamente, mas rodando no sentido anti-horário.

Finalmente, coloca o recipiente sobre a linha do Equador e, quando se retira a tampa do ralo, a água sai pelo ralo sem movimento circular perceptível.

Agora, voltemos a ver a gravação e vejamos o que realmente acontece no vídeo:

Quem executa a experiência começa por se colocar uns 2 metros a sul da linha do equador e despeja o balde de água ligeiramente à esquerda do centro, o que provoca um muito ligeiro movimento circular. Retira a maioria das folhas, mas as poucas que ficam ainda permitem notar que a água está ainda em rotação no sentido horário. Em seguida abre o ralo, sem antes esperar que a água pare. A água vai saindo, a rotação vai aumentando, devido à conservação do momento angular, e conclui-se que a água ao escoar roda no sentido horário.

Depois, move-se uns 2 metros para norte do equador e faz o mesmo truque, mas desta vez despeja a água muito ligeiramente para a direita do centro do tanque. De novo a tampa do ralo é retirada com a água ainda em movimento e chega-se à conclusão óbvia. Óbvia, mas falseada.

Finalmente, o recipiente é colocado sobre a linha do equador. Mas, agora, há um cuidado muito maior. Espera-se até que a água pare e retira-se a tampa com muito cuidado para não induzir qualquer movimento à água… e, surpresa! A água escoa sem qualquer rotação visível.

Será que se tivesse tido esse cuidado nas outras duas descargas anteriores, não teria obtido um resultado igual? Ficamos sem saber porque não houve o cuidado de assegurar que as condições iniciais eram as mesmas nas três experiências, com excepção da localização, que seria a variável a explorar.

Então, e o efeito coriolis, que desvia as balas dos canhões e modela as correntes marítimas e as correntes atmosféricas, não faz com que a água gire no sentido anti-horário no hemisfério norte e no sentido contrário no hemisfério sul?
Sim e não.

Sim. O efeito coriolis existe e é perceptível em fenómenos que abrangem grandes distâncias e que se prolongam no tempo, por exemplo na dinâmica de grandes massas marítimas ou da atmosfera, ou em lançamentos de projécteis a longa distância.

Não. No esvaziamento de um lavatório ou uma banheira, a deslocação da água também será afectada pelo efeito coriolis mas, esse efeito é tão ínfimo, que acaba por ser largamente ultrapassado por outros factores que têm um impacto muito maior no comportamento da água ao escoar pelo ralo. A forma do recipiente, a posição do ralo, alguma rotação residual da água, resultante do enchimento do recipiente ou do seu manuseamento, são factores que ultrapassam, de longe, o pequeníssimo contributo do efeito coriolis. Para piorar a situação ilustrada no vídeo, o efeito coriolis é menor junto ao equador e vai aumentando à medida que nos aproximamos dos pólos. Uma deslocação de alguns metros para norte ou sul da linha imaginária do equador não tem qualquer efeito mensurável no esvaziamento de um recipiente.

No entanto, e como atesta o vídeo, esta ideia está tão enraizada e tem sido popularizada em programas de televisão, na literatura, etc., que compreendo que muitos leitores continuem a pensar que a água gira em sentidos diferentes nos dois hemisférios. Não espero que acreditem em mim, espero, isso sim, que façam a experiência e depois me dêem conta do resultado.

A experiência é muito fácil de fazer. Sigam os seguintes passos:

• 1º – Usem uma pia (lavatório) circular, de preferência semi-esférica e com o ralo centrado no fundo;
• 2º – Improvisem uma forma de retirar a tampa do ralo sem meter a mão na água (por exemplo amarrando um fio à tampa).
• 3º – Tapem o ralo e encham a pia.
• 4º – Deixem a água repousar o tempo suficiente para que a fricção com a pia leve a água a uma situação de repouso;
• 5º – Deitem pedacinhos de papel sobre a água (para visualizarem o movimento da água). Se eles se mantêm parados, passem ao ponto seguinte, caso contrário, leiam de novo o 4º passo.
• 6º – Retirem a tampa do ralo;
• 7º – Observem e registem o que observaram;
• 8º – Repitam a experiência algumas vezes, desde o passo 1º ao 6º;
• 9º –  Retirem as conclusões.

Foi o que eu fiz. Como tenho uma pia semi-esférica (metade de uma esfera) com o ralo centrado no fundo, fiz a experiência; repeti-a 10 vezes e obtive sempre o mesmo resultado. De referir que moro a 41º de latitude Norte.
Eis o que aconteceu das 10 vezes que repeti a experiência:

A minha conclusão: Se usarmos uma pia semi-esférica, com um ralo centrado e aguardarmos o tempo suficiente para que a água esteja em repouso, a descarga da água é tão rápida (cerca de 25s) que não permite que a acção do efeito coriolis seja perceptível.