Estrelas nascidas em ventos de buracos negros supermassivos

O VLT do ESO encontra novo tipo de formação estelar.

Com o auxílio do Very Large Telescope do ESO foram descobertas estrelas a formar-se nos poderosos jactos de matéria lançados por buracos negros supermassivos, situados nos núcleos de galáxias.

Tratam-se das primeiras observações confirmadas de estrelas em formação neste tipo de ambiente extremo.

A descoberta tem muitas consequências para a compreensão da evolução e propriedades das galáxias.

Estes resultados foram publicados na revista Nature.

Impressão artística de estrelas nascidas em ventos de buracos negros supermassivos.
Impressão artística de uma galáxia a formar estrelas no seio dos poderosos jactos de matéria que são lançados a partir do buraco negro supermassivo situado no núcleo da galáxia.
Crédito: ESO / M. Kornmesser

Um grupo de astrónomos europeus liderado pelo Reino Unido utilizou os instrumentos MUSE e X-shooter montados no Very Large Telescope (VLT), no Observatório do Paranal do ESO no Chile, para estudar uma colisão a ocorrer entre duas galáxias, chamadas colectivamente IRAS F23128-5919, situadas a cerca de 600 milhões de anos-luz de distância da Terra. A equipa observou os ventos colossais de matéria — ou jactos — que têm origem perto do buraco negro supermassivo situado no coração da galáxia do par mais a sul e descobriu evidências claras de formação de estrelas a ocorrer nestes jactos.

(As estrelas formam-se nos jactos a taxas muito elevadas; os astrónomos pensam que são formadas estrelas correspondentes a um total de 30 vezes a massa do Sol por ano, o que equivale a mais de um quarto da formação estelar em todo este sistema de galáxias em fusão.)

Este tipo de jactos galácticos tem origem na enorme libertação de energia por parte dos centros activos e turbulentos das galáxias. Os buracos negros supermassivos “escondem-se” no coração da maioria das galáxias e ao “engolirem” matéria aquecem o gás circundante, lançando-o para fora da galáxia hospedeira sob a forma de ventos densos e poderosos.

(A expulsão do gás sob a forma de jactos galácticos dá origem a um meio pobre em gás no interior da galáxia, o que pode muito bem ser a razão pela qual algumas galáxias param de formar novas estrelas à medida que envelhecem. Embora estes jactos tenham muito provavelmente a sua origem em buracos negros supermassivos centrais, também é possível que estes ventos sejam alimentados por supernovas num núcleo com formação estelar explosiva, ou seja, que se encontra a formar estrelas de forma vigorosa.)

“Os astrónomos já suspeitavam desde há algum tempo que as condições no seio destes jactos fossem as certas para a ocorrência de formação estelar, no entanto ainda ninguém tinha observado o fenómeno a ocorrer, já que se trata de uma observação muito difícil,” disse o líder da equipa Roberto Maiolino da Universidade de Cambridge. “ Os nossos resultados são excitantes porque mostram sem ambiguidade que se estão a formar estrelas no interior destes jactos.”

A equipa resolveu estudar as estrelas que se encontram directamente nos jactos, assim como o gás que as rodeia. Os instrumentos espectroscópicos MUSE e X-shooter, ambos líderes mundiais, permitiram à equipa levar a cabo um estudo muito detalhado das propriedades da radiação emitida, de modo a identificar a sua fonte.

Sabe-se que a radiação emitida por estrelas jovens faz resplandecer de modo particular as nuvens de gás próximas. A extrema sensibilidade do X-shooter permitiu à equipa descartar outras causas possíveis para este brilho, incluindo choques no gás ou núcleos activos na galáxia.

A equipa detectou seguidamente, sem sombra de dúvidas e de forma directa, uma população estelar bebé nos jactos. Pensa-se que estas estrelas tenham uma idade inferior a algumas dezenas de milhões de anos e análises preliminares sugerem que estes objectos são mais quentes e brilhantes do que estrelas que se formam em meios menos extremos tais como os discos galácticos.

Como evidências adicionais, os astrónomos determinaram igualmente o movimento e a velocidade destas estrelas. A radiação emitida pela maioria das estrelas na região indica que estas se deslocam a altas velocidades afastando-se do centro da galáxia — o que faz sentido para objectos “apanhados” numa corrente de material que se desloca a alta velocidade.

A co-autora Helen Russell (Institute of Astronomy, Cambridge, RU), explica: “As estrelas que se formam no vento próximo do centro galáctico podem abrandar ou até começar a vir para trás, mas as estrelas que se formam mais longe apresentam menos desaceleração, podendo inclusivamente deslocar-se para fora da galáxia.”

Esta descoberta fornece-nos nova informação que ajudará à compreensão de vários fenómenos astrofísicos, nomeadamente:
– como é que certas galáxias obtêm as suas formas: As galáxias em espiral têm uma estrutura em disco óbvia, apresentando no centro um bojo distendido de estrelas e estando rodeadas por uma nuvem difusa de estrelas chamada halo. As galáxias elípticas são essencialmente compostas por estes elementos esferoidais. As estrelas formadas nos jactos e que são ejectadas do disco principal poderão dar origem a estas estruturas galácticas.
– como é que o meio intergaláctico se enriquece de elementos pesados: Como é que o espaço entre as galáxias — o meio intergaláctico — se enriquece em elementos pesados é uma questão que ainda permanece em aberto, no entanto as estrelas dos jactos poderão fornecer uma resposta. Se forem lançadas para fora da galáxia e seguidamente explodirem sob a forma de supernovas, os elementos pesados que contêm poderão ser libertados para o meio.
– e, inclusivamente, onde é que terá origem a inexplicável radiação cósmica de fundo infravermelha: A radiação cósmica de fundo infravermelha, semelhante à mais famosa radiação cósmica de fundo de microondas, trata-se de um brilho ténue na parte infravermelha do espectro que vem de todas as direções do espaço. No entanto, a sua origem nas bandas do infravermelho próximo nunca foi verificada de modo satisfatório. Uma população de estrelas de jacto lançadas para o espaço intergaláctico poderá contribuir para esta radiação.

Maiolino está entusiasmado com o futuro: “Se tivermos de facto formação estelar a ocorrer na maioria dos jactos galácticos, como algumas teorias prevêem, então poderemos ter um cenário completamente diferente de evolução galáctica.”

Fonte (transcrição): ESO

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