Matéria Negra ilude cientistas outra vez

Na década de 30 do século XX, o astrónomo americano de origem suíça Fritz Zwicky descobriu que os movimentos das galáxias no interior de enxames só poderiam ser explicados se existisse uma enorme quantidade de matéria negra (o nome mais apropriado seria “invisível”) envolvendo-as. Quatro décadas mais tarde, a astrónoma americana Vera Rubin descobriu que as estrelas na periferia das galáxias orbitam os respectivos centros com velocidades demasiado elevadas, só possíveis de explicar se estas “sentissem” o puxão gravitacional de um halo enorme de matéria negra que se estenderia muito para lá dos limites visíveis da galáxia.

Tanto quanto se sabe, esta matéria negra interage com a matéria normal apenas através da força da gravidade. Sabe-se ainda que constitui cerca de 25% do conteúdo energético do Universo enquanto que a matéria normal, de que tudo o que observamos é feito, constitui apenas 5%. Ainda não se sabe de que é constituída. Os suspeitos “favoritos” dos cientistas são partículas elementares maciças designadas genericamente por Weakly Interacting Massive Particles (WIMP) ou partículas mais leves como os axiões, ambas postuladas por teorias que estendem o Modelo Standard e que teriam sido produzidas de forma copiosa nos primeiros instantes após o Big-Bang. Outros cientistas contestam esta visão e sugerem que a matéria negra não existe e que os fenómenos observados se devem ao facto de a gravidade se comportar de forma diferente a escalas de distância diferentes, uma teoria designada por Modified Newtonian Dynamics (MOND). Ambas as hipóteses têm pontos fortes e pontos fracos, não havendo actualmente consenso na comunidade científica.

A esfera celeste observada em raios gama pelo telescópio LAT do observatório espacial Fermi.
A estrutura de cor laranja que atravessa a esfera celeste da esquerda para a direita é o plano dos braços espirais da Via Láctea.
Crédito: NASA/Goddard Space Flight Center.

Mas a falta de consenso é precisamente o que motiva os cientistas a realizar observações que possam demonstrar ou falsificar alguma das hipóteses. Por exemplo, se a matéria negra for constituída por WIMPs a teoria diz-nos que estas partículas se devem concentrar mais em regiões de gravidade mais forte, nomeadamente nos centros galácticos. A esta densidade acrescida corresponde uma maior probabilidade de duas delas colidirem. Nesta situação, a teoria prevê que as partículas devem aniquilar-se mutuamente com emissão de raios gama. Ou seja, se a matéria negra é formada por WIMPs devemos observar um brilho difuso de raios gama proveniente das regiões centrais das galáxias.

Dois WIMPs (as partículas χ na parte esquerda do diagrama) colidem e aniquilam-se, dando origem a um chuveiro de partículas elementares e raios gama.
Se a matéria negra fosse composta por WIMPs, estes raios gama deveriam ser visíveis provenientes das regiões nucleares de galáxias.
Fonte: Goddard Space Flight Center / Fermi.

O Alpha Magnetic Spectrometer (AMS), a bordo da ISS, e o Large Area Telescope (LAT) do observatório espacial Fermi, têm vindo a monitorizar os raios gama provenientes da região nuclear da nossa galáxia, a Via Láctea. O resultado? Ambas as equipas detectaram um excesso de radiação (i.e., radiação cuja origem não pode ser atribuída a objectos conhecidos) proveniente dessa região da galáxia. Vários cientistas apontaram esta observação como uma evidência indirecta da existência de WIMPs.

Estudos recentes, no entanto, desafiam esta interpretação e apontam para uma grande população de pulsares como os responsáveis por este excesso de radiação. Os pulsares não são observáveis individualmente pelo AMS ou pelo LAT devido a limitações de sensibilidade e resolução; estão demasiado longe. No entanto, a radiação acumulada de todos eles é evidente nos dados.

A esta fotografia da região central da Via Láctea foi sobreposto um mapa da intensidade dos raios gama observados (mancha colorida no centro).
Estudos recentes sugerem que o excesso de radiação gama observado nos primeiros estudos na realidade não existe. A radiação parece ser proveniente de uma enorme população de pulsares impossíveis de observar individualmente.
Crédito: NASA Goddard, A. Mellinger/CMU, T. Linden/University of Chicago.

Um novo estudo pela “Fermi-LAT Collaboration”, um grupo de dezenas de cientistas que colaboram na análise dos dados provenientes do LAT, reforça esta ideia. A equipa descobriu que a radiação observada pelo telescópio não é perfeitamente uniforme mas contém pequenas regiões de maior intensidade, pequenas manchas mais brilhantes, consistentes com pulsares emissores de raios gama à distância do centro galáctico e para lá do limite de resolução do telescópio. A confirmar-se, esta observação é um revés importante para os defensores dos WIMPs. De facto, se a radiação fosse proveniente do decaimento destas partículas, a teoria previa que deveria ser perfeitamente uniforme, sem as irregularidades observadas.

Referências:Characterizing the population of pulsars in the Galactic bulge with the Fermi Large Area Telescope”, Fermi-LAT Collaboration.

4 comentários

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  1. Matéria negra é nada mais nada menos do que uma hipótese levantada para apoiar a existencia do universo a partir do Big Bang. Sem a matéria e energia escura, tal teoria perde seus fundamentos.

    1. Isso é absolutamente mentira.

      Leia mais sobre as evidências do Big Bang, ANTES de comentar com afirmações ignorantes.

    • Antonio F. P. Melhado on 04/05/2017 at 05:23
    • Responder

    Seriam restos rarefeitos e dispersos de gazes e poeira de infinitos Big- Bangs acontecidos, que no seu conjunto agem mutuamente como uma rede em teia, lembrando que teoricamente por definição; “Campos de força se estendem ao infinito” O ciclo de nascimento e morte da matéria se perpetua no infinito espaço/ tempo Todo fim é um recomeço assim como todo recomeço se acaba num fim…..

  2. O físico teórico Achim Rosch, da Universidade de Colônia, na Alemanha, calcula que os átomos abaixo do zero absoluto passam a flutuar em vez de serem puxados pela gravidade e que passa a se comportar de maneira semelhante à da energia escura.
    A pergunta é: qual é este comportamento? Seria repulsão gravitacional?

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