Em Janeiro de 2016 saiu a notícia de um potencial novo mundo nos confins do sistema solar.
Quem lesse as notícias em jornais, em blogs especulativos e nas redes sociais, parecia que já tinha sido descoberto um novo planeta.
No entanto, não era nada disso que os investigadores diziam.
Por todo o artigo científico, eles falavam de uma hipótese, que poderia ser ou não comprovada no futuro.
Eles também reconheciam que a hipótese deles era baseada em modelos e simulações por computador a partir de observações indiretas de perturbações orbitais em 6 de 13 objetos da Cintura de Kuiper.
Ou seja, era tudo muito frágil e especulativo, e por isso não merecia toda a atenção mediática que estava a ter.
Disso demos conta no nosso artigo sobre esse assunto, aqui.
Aconselhamos atenção, que as pessoas fossem cautelosas, porque isto era só uma hipótese.
Desde aí até agora, tal como também dissemos nesse artigo, várias equipas de investigadores têm estudado este assunto de modo a confirmar ou refutar a hipótese em questão, tal como sempre se faz em ciência.
Se virem pela web, notam que os mesmos websites, páginas e canais de vídeo sensacionalistas que noticiaram que existia o suposto planeta 9, continuam a dar notícias sobre ele, de estudos científicos que saem a favor da confirmação da hipótese.
Mas existe “o outro lado”: artigos científicos que refutam a hipótese inicial.
É o caso deste artigo.
O artigo original baseia-se nas supostas perturbações gravitacionais na órbita de 6 objetos da Cintura de Kuiper, em que essas órbitas passam muito juntas, quase como agrupadas, aglomeradas (clustering).
O problema é que estando estes objetos tão longe e tendo órbitas tão grandes, nós temos poucos pontos de observação, por isso a nossa construção dessas órbitas é muito especulativa, baseada somente em alguns pontos e especulando os milhares de outros pontos que não tivemos tempo ainda de observar (porque os planetas demoram milhares de anos nas suas órbitas).
Além disso, a deteção dos objetos e deteção de alguns pontos da sua órbita sofre de problemas triviais: pode estar mau tempo, a estação do ano em que foi observado não é a melhor, ser mais difícil observar objetos no plano da Via Láctea, etc. Ou seja, o estudo pode ter “preferências” para certas partes do céu em certas alturas do ano, o que obviamente faz com que não seja totalmente objetivo. Existem vários problemas que provocam incertezas nos resultados. Em face destas incertezas, a psicologia humana (e os cientistas são humanos) tende a “ver” (construir) padrões significativos onde eles podem não existir. Tal como construir agrupamentos (clustering) de órbitas apesar dos poucos dados disponíveis. Este viés/tendência (bias) a favor de uma narrativa positiva não foi considerada no artigo original.
Assim, o que este novo artigo parece demonstrar é que o aglomerado de órbitas é um falso positivo. Ou seja, não existe. Não existem tantas órbitas de objetos tão próximas umas das outras naquele local como se especulou.
Ou seja, as alegadas perturbações dessas órbitas também não existem. São falsos positivos, que deixam de existir se concebermos outras órbitas.
Pelo menos 4 das órbitas (das 6 do artigo original) não mostram quaisquer sinais de perturbações gravitacionais.
Em face do desaparecimento do clustering das órbitas naquele local do espaço, e consequentemente em face do desaparecimento da perturbação dessas mesmas órbitas, a hipótese do Planeta 9 deixa de existir.
Assim, o Planeta 9, baseado nas supostas evidências indiretas do artigo original, não deveria sequer ser considerado como hipótese. O modelo apresentado no artigo original foi refutado.
Isto não quer dizer que não exista um planeta 9, um planeta 10, e por aí adiante. Podem, obviamente, existir.
Mas se o planeta 9 existir, terá que ter evidências distintas das que foram apresentadas no artigo original.
O agrupamento (clustering) de órbitas daqueles 6 objetos considerados não existe.
As perturbações dessas órbitas também não.
Por isso, considerando só esses elementos, o planeta 9 não existe.
No entanto, existe um argumento para complicar ainda mais o problema: este novo estudo não prova que o viés (bias) do estudo inicial era positivo para a conclusão inicial. Parece que sim, mas não está provado. Ou seja, mesmo sem esse viés, podem existir perturbações nas órbitas de alguns objetos devidas à existência de um planeta 9.
Ou não.
Só futuros telescópios, mais avançados, e muitas mais observações/dados poderão resolver esta hipótese do Planeta 9.
Fontes: Nature, Artigo Científico, Artigo AstroPT
Observação final: este artigo foi escrito com a ajuda do Manuel Rosa Martins.
1 comentário
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Esta pressa meio histérica da imprensa e das plataformas sociais de comunicação em anunciar a existência e a descoberta do Planeta 9 só levou a confusão no público interessado em Astronomia.
Trata-se duma Hipótese e dum Candidato, tem fragilidades (até apontadas pelos autores da proposta) e está agora a ser submetida ao escrutínio de grupos independentes, como faz a Ciência no seu melhor, que até é o normal, sobretudo em Astrofísica (trajectórias, aglomerações) e as Ciências Planetárias (o sistema solar).
Mas uma falsa palavra – descoberta – fez uma explosão de cópia da cópia da cópia das asneiras que confundiu quase toda a gente.
Faz lembrar a história das alforrecas, mas esta foi asneira dos cientistas, detectada por ter sido revista por outros cientistas.
Há uns 10 anos, uma reputada Bióloga publicou um paper onde falava da >>>hipótese<<< destes organismos poderem proliferar com o aquecimento global.
Ora enquanto o aquecimento global é um facto, as alforrecas não invadiram o Planeta nem se tem notado um aumento significativo do seu número nos oceanos.
Mas o diz que disse transformou uma HIPÓTESE num facto e o próprios Biólogos partiam desse erro para sustentarem outros estudos. A asneira levou à asneira multiplicada.
Com o Planeta 9 passou-se o mesmo, enquanto até o Hipotético planeta anão ficou chamado de Planeta 10 o que seria sempre outra asneira.
Enfim, esperemos que este trabalho leve as pessoas a entenderem melhor como funciona a Ciência.
Foi o principal ponto de motivação para ter sido publicado.
Esse e o selo de STEM Education que temos na nossa Parceria. Educação é isto: é informar como na prática funciona a Astronomia, a hipótese, o seu escrutínio crítico e, por vezes, a descoberta.
Se o Planeta 9 existe ou não existe? Não se sabe! Ainda não se sabe hoje, dia 6 de Julho de 2017.
[…] Fontes: Phys.org , Artigo Científico, AstroPT, AstroPT […]