Água: uma substância muito diferente.
A água líquida tem mais de 70 propriedades diferentes dos outros líquidos.
Normalmente consideramos a água líquida como uma substância desordenada com as suas moléculas reorganizando-se em escalas de tempo curtas conformando uma estrutura média.
Mas eis que os cientistas da Universidade de Estocolmo descobriram duas fases do líquido com grandes diferenças de estrutura e densidade.
Os resultados são baseados em estudos experimentais com recurso aos raios-X, e foram publicados nos Proceedings da Academia Nacional de Ciências (EUA).
A maioria das pessoas sabe que a água é essencial para a nossa existência no planeta Terra. O que é menos conhecido é que a água tem muitas propriedades estranhas ou anómalas e se comporta de forma muito diferente de todos os outros líquidos.
Alguns exemplos disso são o ponto de fusão, a densidade, a capacidade térmica e muitas outras propriedades, afinal existem mais de 70 propriedades da água que diferem da maioria dos líquidos. Estas propriedades anómalas da água são um pré-requisito para a vida tal como a conhecemos.
“A nova propriedade notável é que descobrimos que a água pode existir como dois líquidos diferentes a baixas temperaturas quando a cristalização do gelo é lenta”, disse Anders Nilsson, professor de Química e Física da Universidade de Estocolmo. O avanço na compreensão da água foi possível através duma combinação de estudos usando raios-X no Laboratório Nacional de Argonne, nos arredores de Chicago, onde as duas estruturas diferentes foram evidenciadas, e no Grande Laboratório de raios-X DESY em Hamburgo, onde esta dinâmica foi investigada e se demonstrou que as duas fases, de facto, eram fases líquidas. A água pode assim existir como dois líquidos diferentes.
“É muito emocionante poder usar raios-X para determinar as posições relativas entre as moléculas em momentos diferentes”, diz Fivos Perakis, pós-doutorado na Universidade de Estocolmo com antecedentes em espectroscopia óptica ultra-rápida. “Conseguimos, em específico, acompanhar a transformação da amostra a baixas temperaturas entre as duas fases e demonstrar que há difusão, como é típico nos líquidos.”
O gelo como o conhecemos não é o gelo mais abundante no Sistema Solar.
Quando pensamos no gelo, frequentemente pensamos numa fase cristalina ordenada que retiramos das couvettes do congelador do frigorífico, mas a forma mais comum de gelo no nosso sistema planetário é amorfa, ou seja é desordenada, e existem duas formas de gelo amorfo, uma com baixa e outra com alta densidade.
As duas formas podem interconverter-se e tem havido especulações que elas podem estar relacionadas a formas de água líquida de baixa e de alta densidade. Investigar experimentalmente esta hipótese tem sido um grande desafio que o grupo de Estocolmo já superou.
“Estudei gelos amorfos durante muito tempo com o objetivo de determinar se eles podem ser considerados um estado vítreo que representa um líquido congelado”, diz Katrin Amann-Winkel, pesquisadora em Física Química da Universidade de Estocolmo. “É um sonho tornado realidade seguir detalhadamente um estado de água vítrea transformar-se num líquido viscoso que quase imediatamente se transforma num líquido diferente, ainda mais viscoso, de densidade muito mais baixa”.
“A oportunidade de fazer novas descobertas na água é totalmente fascinante e uma grande inspiração para meus estudos no futuro”, diz Daniel Mariedahl, estudante de doutoramento em Física Química da Universidade de Estocolmo. “É particularmente excitante que a nova informação tenha sido fornecida por raios-X desde que o pioneiro da radiação de raios-X, Wilhelm Conrad Röntgen, o próprio, especulou que a água pode existir em duas formas diferentes e que a interação entre elas poderia dar origem a propriedades estranhas “.
“Os novos resultados suportam muito firmemente um cenário em que a água na temperatura ambiente não pode decidir em qual das duas formas deve optar, alta ou baixa densidade, o que resulta em flutuações locais entre as duas”, afirma Lars G.M. Pettersson, professor em Física Teórica da Química na Universidade de Estocolmo. “Em poucas palavras: a água não é um líquido complicado, mas dois líquidos simples com um relacionamento complicado”.
Esses novos resultados não só criam uma compreensão geral da água em diferentes temperaturas e pressões, mas também como a água é afectada por sais e por biomoléculas importantes para a vida. Além disso, o aumento da compreensão da água pode levar a novos conhecimentos sobre como purificar e dessalinizar a água no futuro. Este será um dos principais desafios para a humanidade devido às mudanças climáticas globais.
Fonte original da descoberta: https://phys.org/news/2017-06-liquids.html
Nota final: escolho uma música inspiradora sobre este mundo de água…
3 comentários
Ai, ai!
Se bem me lembro, com 7 anos de idade (há «apenas» 65 anitos) ensinavam-nos que sim, que a água era essencial à vida e que, além disso, era uma maravilha na sua simplicidade…
Como os avanços da investigação nos vão surpreendendo e desmentido conceitos mais ou menos imaginativos e muito pouco científicos…
Por comparação – eventualmente descabida – estou a lembrar-me das expressões ainda hoje tão correntes como o «nascer» e o «por»-do-sol.
Estarei errado ou é de «ilusões» desse tipo que continuam a sobreviver crenças religiosas cujo fundamentalismo tanto nos vem prejudicando?
Desculpem-me a «fuga ao tema» e o desabafo provavelmente «politicamente incorrecto».
“Estarei errado ou é de «ilusões» desse tipo que continuam a sobreviver crenças religiosas cujo fundamentalismo tanto nos vem prejudicando?”
Correto. As ilusões mitológicas mantém-se 🙁
Não só na religião… mas veja-se os casos de astrologia, homeopatia, etc… 🙁
Acho que esta publicação deve ser lida com um copo de água bem fresquinha, pelo menos foi assim que eu tive o prazer desta leitura 🙂
É engraçado pensarmos que essa água “fresca” é constituída de hidrogénio formado há 13,8 mil milhões de anos, ou seja, nada “fresca”, mas que nos satisfaz plenamente.
Abraço Manel.