Quando temos um planeta a orbitar uma estrela, a uma distância não muito próxima, o seu movimento é puramente kepleriano, fazendo com que ele retorne sempre ao mesmo local decorrido exatamente o mesmo intervalo de tempo. No entanto, se adicionarmos exteriormente outro planeta ao sistema, o período do mais interior será perturbado, manifestando-se através de variações da sua duração, ou seja: uma vez regressa mais cedo ao ponto de partida orbital, na vez seguinte mais tarde e assim sucessivamente.
Num contexto em que o planeta atravessa o disco estelar na direção na nossa linha de visão, ocorre um fenómeno ao qual damos o nome de TTV ou variação do tempo de trânsito.
Animação mostrando diferentes tempos de trânsito (com 1 planeta e com 2 – TTV). Crédito: NASA/Kepler Mission.
Os TTV já foram observados em sistemas multiplanetários hierarquizados, ressonantes e em circumbinários. Seguidamente irei desenvolver um pouco estas três configurações.
Apesar dos TTV serem provocados essencialmente pela interação planeta-planeta, a introdução de um segundo corpo no sistema irá influenciar o movimento astrométrico da estrela bem como provocar o efeito associado ao tempo percorrido pela luz da estrela se estiver alinhada com o nosso plano (embora este seja desprezível). Esta dinâmica é válida para sistemas multiplanetários, planetas com luas e circumbinários.
(1*)
Os TTV são particularmente fortes nos sistemas em ressonância e o mais conhecido é o KOI-142 ou Kepler-88 (Mazeh et al, 2013) pela sua duração de 12h. Diz-se que 2 corpos celestes estão em ressonância se existir uma relação bem definida entre os seus períodos orbitais (por exemplo, o período de Júpiter é cerca de metade do de Saturno, o que equivale a dizer que a ressonância é de 2:1). O KOI-142 é um sistema ressonante, 2:1, constituído por:
- uma estrela semelhante ao Sol;
- um planeta interior com 0,027 massas de Júpiter, período de 10,95 dias, inclinação orbital 89°, descoberto em 2013 pelo método do trânsito; e
- um planeta exterior com 0,62 massas de Júpiter, período de 22,3 dias, que não transita à frente do disco solar perante a nossa direção (inclinação: 86°), foi previsto pelo método do TTV e mais tarde confirmado pela velocidade radial (Kr ~46 m/s).
A título ilustrativo, consideremos um Júpiter quente com um TTV de 12 minutos e uma ressonância de 2:1 (j=1), órbitas circulares e complanares. Qual a causa do TTV?
Uma das soluções será a existência de um planeta de massa semelhante à Terra; mas os TTV podem ser causados por outros objetos, por exemplo a existência de uma exolua ou até de exotroianos (asteroides agrupados em dois pontos de Lagrange, que se localizam 60° à frente e atrás do planeta, à semelhança dos que existem em Júpiter). Pode dar-se o caso deste exoplaneta (semelhante à Terra) não poder ser detetado pelo método do trânsito nem pela velocidade radial, podendo o TTV vir a mostrar-se extremamente útil na medida em que irá sugerir a existência de um segundo planeta (dependendo das relações de massa e tipo de ressonância).
(2*)
Um circumbinário consiste num planeta a orbitar em torno de duas estrelas. Um dos mais conhecidos é o Kepler 16b, planeta que foi rapidamente associado à ficção científica, mais precisamente ao local onde Luke Skywalker assistiu ao duplo nascer do Sol. Poderia ele estar em Kepler 16b?
As duas primeiras curvas de luz da figura são dos trânsitos estelares; as duas últimas são os planetários, sobre a estrela maior e depois sobre a menor. Numa análise mais pormenorizada, verificamos TTV referentes a:
- períodos de 230,2 dias alternados com 221,5 dias, ou seja, com TTV de 8,75 dias, em torno da estrela de maior massa (linha verde) e
- períodos de 213,7 dias alternados com 238,1 dias, ou seja, com TTV de 24,38 dias, em torno da estrela de menor massa (linha vermelha).
Respondendo à questão anterior, Luke Skywalker não poderia estar em Kepler 16b porque da análise da terceira curva de luz resulta uma profundidade de trânsito (~1,5%) semelhante a um planeta gasoso. De facto, Kepler 16b tem um terço da massa de Júpiter. Porém, não fica excluída a hipótese de Luke Skywalker estar numa exolua em torno de Kepler 16b.
- Saber mais: Plataforma Exoplanetologia.
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