As estrelas de uma galáxia formam-se a partir do colapso gravitacional de nuvens ultra-frias e escuras de gás e poeira. A percentagem de estrelas de uma determinada massa que se formam numa dessas nuvens, é dada por uma função designada por “Função de Massa Inicial” (Initial Mass Function ou IMF). Esta função depende de várias variáveis, sendo uma das principais a quantidade de elementos mais pesados do que o hidrogénio e o hélio — que os astrónomos chamam de “metais” — presentes no gás, um parâmetro designado por metalicidade.
As primeiras gerações de estrelas formaram-se a partir de gás quase exclusivamente constituído por hidrogénio e hélio (com vestígios de lítio), os únicos elementos sintetizados durante o Big Bang. A IMF para um gás com esta composição favorece fortemente a formação de estrelas de grande massa, com várias dezenas ou mesmo centenas de vezes a massa solar. No entanto, ao longo dos 13.7 mil milhões de anos que decorreram desde o Big Bang, sucessivas gerações de estrelas sintetizaram elementos pesados no seu interior. Estes elementos foram disseminados pelo meio interestelar quando as estrelas mais maciças explodiram em supernovas, levando ao aumento da metalicidade do gás interestelar e alterando profundamente a IMF primordial.
As teorias actuais sugerem que galáxias grandes e quimicamente evoluídas, como a Via Láctea ou a Galáxia de Andromeda, têm gás com metalicidade elevada, pelo que a percentagem de estrelas maciças aí formadas é muito pequena. O gás dopado com metais altera a IMF favorecendo a formação de estrelas de massa baixa ou intermédia. Não é por acaso que as anãs vermelhas, as estrelas menos maciças e menos luminosas, constituem 75% do total de estrelas da Via Láctea. Mas não foi sempre assim — na sua infância a Via Láctea viu nascer enormes estrelas com várias dezenas ou mesmo centenas de massas solares e luminosidades de milhões de sóis.
Por outro lado, mesmo no Universo actual, existem galáxias em que a formação estelar prosseguiu a um ritmo mais lento e, consequentemente, o gás interestelar, menos processado, tem baixa metalicidade. Isto é particularmente comum em galáxias anãs, objectos com apenas algumas centenas de milhões de estrelas e menos de 1% da massa da Via Láctea. As estrelas mais maciças que se formam nestas galáxias são, em média, mais maciças do que as suas congéneres na Via Láctea. É mesmo possível que, em casos limite, algumas destas galáxias contenham gás quase primordial, permitindo a formação de estrelas de características muito semelhantes às das primeiras gerações de estrelas do Universo.
As estrelas mais maciças vivem apenas alguns milhões de anos, antes de explodir em supernovas. Em algumas dessas supernovas os núcleos das estrelas colapsam e formam estrelas de neutrões ou buracos negros. A evolução individual das estrelas é complicada. Por exemplo, uma estrela maciça com o gás rico em metais, perde uma fracção significativa da sua massa ao longo da vida; os metais alteram radicalmente a forma como a radiação se propaga no interior da estrela e provocam instabilidades internas que levam a perdas de massa substanciais. O núcleo de uma estrela com estas características pode colapsar numa estrela de neutrões ou num buraco negro com poucas massas solares, apesar da sua enorme massa inicial. Uma estrela com baixa metalicidade, no entanto, perderia muito pouca massa ao longo da sua evolução e daria origem a um núcleo que colapsaria num buraco negro muito maciço. Paradoxalmente, esta linha de raciocínio implica que é em galáxias menos evoluídas, como as anãs, que serão mais comuns buracos negros muito maciços, com várias dezenas de massas solares. Galáxias como a Via Láctea, por outro lado, devem ter uma população de buracos negros com massas, em média, mais modestas, como aliás é observado nos inúmeros exemplos descobertos em sistemas binários, e.g., Cygnus X-1.
Foi com base nestas linhas gerais, devidamente formalizadas num modelo matemático, que uma equipa de 3 cientistas da Universidade da Califórnia em Irvine (UCI) realizou um conjunto de simulações que pretende estudar a formação de buracos negros, e a distribuição das suas massas, ao longo da evolução de galáxias com determinadas condições iniciais — e.g., massa total, quantidade de gás disponível para a formação de estrelas, ritmo de formação de estrelas. Os resultados são extraordinários pois prevêem que numa galáxia como a Via Láctea deverão existir cerca de 100 milhões de buracos negros. A maioria tem massas de apenas alguns sóis mas haverá também alguns, mais raros e mais antigos, que atingem até 50 massas solares. As simulações permitem obter uma espécie de IMF para buracos negros — uma fórmula que nos diz qual a percentagem de buracos negros com uma dada massa para uma galáxia com certas características.
É precisamente aqui que experiências como o LIGO (nos Estados Unidos), ao qual recentemente se juntou o VIRGO (na Europa), que permitem detectar as ondas gravitacionais resultantes da colisão de sistemas binários formados por estes buracos negros, podem ajudar. Os buracos negros detectados pelo LIGO até à data têm massas claramente superiores às dos previamente conhecidos, mas este efeito de selecção é espectável. De facto, a colisão de buracos negros mais maciços liberta mais energia sob a forma de ondas gravitacionais que são mais facilmente observadas pelo LIGO. No entanto, à medida que o duo LIGO+VIRGO aumenta a sua sensibilidade e mais e mais buracos negros forem detectados, os cientistas poderão reconstruir a distribuição real das massas dos buracos negros e compará-la com a obtida pelos cientistas da UCI, permitindo assim averiguar se os modelos actualmente aceites para a descrição da evolução das galáxias e das estrelas estão no bom caminho.
Referências
UCI celestial census indicates that black holes pervade the universe.
Oliver D. Elbert James S. Bullock Manoj Kaplinghat. Counting Black Holes: The Cosmic Stellar Remnant Population and Implications for LIGO. Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, 2 August, 2017.
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