Postais da Noite de 22 de Outubro

No fim da tarde de Domingo, 22 de Outubro, carreguei o equipamento e mantimentos no carro e pus-me a caminho do meu local de observação habitual. A noite prometia e não queria perder a oportunidade de registar alguns objectos interessantes na minha “wish list”. O céu estava com uma transparência cristalina depois de alguns dias de chuva e a atmosfera manteve-se estável durante a primeira parte da noite. Esteve frio, bastante frio, apesar das temperaturas anormalmente elevadas sentidas durante o dia.

O grupo de galáxias Arp 331 e a supernova AT2017hle na NGC 383.
Foto pelo autor.

O primeiro alvo que fotografei foi um grupo particularmente fotogénico de galáxias situado a cerca de 200 milhões de anos-luz, na direcção da constelação dos Peixes. Os membros mais brilhantes, que parecem dispostos ao longo de um “filamento” imaginário, são: NGC 379, NGC 380, NGC 382, NGC 383, NGC 384, NGC 385, NGC 386. Este grupo é também conhecido por Arp 331, devido à sua inclusão no Atlas of Peculiar Galaxies compilado pelo controverso astrónomo americano Halton Arp, na década de 60 do século XX.

A galáxia dominante, a gigante lenticular NGC 383, é visível mesmo à direita das linhas vermelhas. O ponto luminoso assinalado, de magnitude 17.2, é a supernova AT2017hle, descoberta no passado dia 18 de Outubro na periferia da galáxia. Trata-se de uma supernova de tipo Ia, resultante da explosão termonuclear de uma anã branca, mas de um sub-tipo peculiar menos luminoso denominado de Ia-91bg. Os astrónomos ainda não sabem o que torna estas supernovas menos luminosas do que um exemplar típico de Ia.

Na região central da NGC 383, fotografada pelo telescópio espacial Hubble (à esquerda), é visível o núcleo intenso brilhante rodeado de um “cachecol” de nuvens de poeira. À mesma imagem foi sobreposta a emissão de raios X (a roxo) observada pelo telescópio espacial Chandra (à direita). A região nuclear da galáxia está imersa numa nuvem de plasma muito quente que emite os raios X. A parte inicial de um dos jactos do quasar é visível na imagem em raios-X.
Crédito: NASA/Hubble/Chandra.

A NGC 383 é uma rádio-galáxia conhecida por 3C31 e contém um quasar na sua região nuclear. Imagens obtidas com o Hubble (no visível) e Chandra (em raios X) mostram nuvens de plasma a temperaturas de milhões de Kelvin envolvendo o núcleo e o início de um jacto com origem na sua região mais central. Em ondas de rádio, o jacto prolonga-se por centenas de milhares de anos-luz.

Os jactos de partículas relativísticas emitidos pelo quasar no centro da NGC 383. Os jactos estendem-se por centenas de milhares de anos-luz, formando plumas que se sobrepõem às outras galáxias do grupo.

A imagem seguinte mostra a galáxia espiral barrada NGC 266, também na constelação dos Peixes e situada aproximadamente à mesma distância de NGC 383. A Via Láctea é também uma espiral barrada mas a sua “barra” é menos pronunciada do que a desta galáxia e tem vários braços espirais. A NGC 266 pertence a um grupo de galáxias designadas por “Grand Design”, uma alusão à sua forma particularmente elegante e simétrica. É também uma galáxia activa de um tipo chamado LINER (Low-Ionization Nuclear Emission-line Region) mas bastante mais sossegada do que a NGC 383.

A galáxia NGC 266.
Foto pelo autor.

Em 2005, foi descoberta uma supernova nesta galáxia de um tipo relativamente raro designado por IIn. Os astrónomos suspeitavam que as progenitoras destas supernovas eram estrelas muito maciças e instáveis rodeadas de material por elas ejectado para o espaço ao longo de milhares de anos. A ideia é que, quando uma destas estrelas explodisse, a colisão das suas camadas exteriores com este material introduziria uma série de assinaturas peculiares observadas no espectro da supernova. A análise de imagens pré-descoberta, obtidas com o telescópio Hubble, e pós-descoberta, obtidas com um dos telescópios Keck, no Hawaii, permitiu identificar a estrela progenitora da SN2005gl, como foi designada. Tratava-se de uma estrela extremamente luminosa e maciça, confirmando o “palpite” inicial dos astrónomos.

A meio da noite, a estabilidade atmosférica — o “seeing” no jargão astronómico — piorou visivelmente. Correntes térmicas e ventos em diferentes camadas da atmosfera provocam alterações na trajectória da luz proveniente das estrelas e dificultam a observação de detalhes mais finos e débeis. Este efeito é notório na imagem seguinte da galáxia NGC 925. Situada na constelação do Triângulo, a cerca de 25 milhões de anos-luz, trata-se de uma galáxia espiral barrada com um brilho superficial muito baixo e que requer grandes exposições para obter um bom registo.

A galáxia NGC 925.
Foto pelo autor.

Ao contrário da NGC 266, a estrutura espiral da NGC 925 é muito mais subtil e desconexa contribuindo para um impacto visual bem mais modesto. Ainda assim, o facto de estar quase 10 vezes mais próxima permite ver várias maternidades estelares nos braços espirais que aparecem como pequenos grumos na sua superfície. As duas setas mostram ainda os rastos deixados por dois asteróides durante a exposição cumulativa de 2 horas, o 1998 FJ37 (junto aos braços espirais) e o 1997 AN1 (mais débil e afastado).

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