No dia 20 de Dezembro, apesar de algum cansaço, aproveitei o bom tempo para fazer mais uns postais do céu. A maioria dos objectos que fotografei nessa noite constavam já da minha lista “para fazer” há algum tempo — Messier 81, NGC 2403 e Messier 97. Markarian 421, por outro lado, foi um alvo de oportunidade, depois de ter tido conhecimento, umas horas antes, que exibia uma actividade fora do normal.
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A galáxia Messier 81, na Ursa Maior, foi descoberta em 1774 pelo astrónomo Johann Bode (lê-se “bôda”) e incluída mais tarde no catálogo de Messier. A galáxia é a maior de um grupo situado a cerca de 11 milhões de anos-luz, um dos mais próximos do Grupo Local, e que inclui entre outras Messier 82, NGC 2976, NGC 3077, também na Ursa Maior, e NGC 2403, na Girafa. Messier 81 é uma belíssima espiral, com braços simétricos e uma região nuclear de brilho intenso. A galáxia está em plena interacção gravitacional com várias das suas vizinhas, sendo provavelmente responsável pela enorme confusão que reina em Messier 82, NGC 2976 e NGC 3077, mesmo ali ao lado. Uma outra galáxia do grupo pode ser vista na imagem como uma mancha subtil à direita de Messier 81. Trata-se da galáxia anã irregular Holmberg IX, casa de estrelas extraordinárias como um raríssimo sistema binário constituído por duas super-gigantes amarelas. Em 1993 foi descoberta uma supernova na Messier 81, que se tornou uma das mais brilhantes do século XX atingindo uma magnitude visual de 10.5. A estrela progenitora foi identificada como uma super-gigante amarela num sistema binário. O remanescente da supernova e a companheira da estrela progenitora são, ainda hoje, objecto de intenso estudo.
Messier 97, a famosa Nebulosa da Coruja, foi descoberta pelo astrónomo francês Pierre Méchain em 1781. Méchain foi um grande contribuidor para o catálogo de Messier com muitas descobertas da sua autoria. Situada à distância ainda algo incerta de 2500 anos-luz, a nebulosa brilha com a luz resultante da fluorescência de átomos de hidrogénio, hélio, nitrogénio, oxigénio e enxofre, entre outros, banhados pela luz ultravioleta da anã branca visível no seu centro. Esta estrela do tamanho da Terra tem a densidade extraordinária de 1 tonelada por centímetro cúbico e uma temperatura superficial de 120 mil Kelvin! Vários outros objectos menos conspícuos podem ser vistos nesta imagem, e.g., as galáxias MCG+09–19–014 e 2MFGC 8778 bem como os quasares J111504.4+550143 e J111317.7+550401. Aliás, em toda a imagem pode ver-se uma miríade de galáxias débeis e distantes.
Descoberta por William Herschel em 1788, NGC 2403 é outra das galáxias pertencentes ao grupo da Messier 81. Situada numa posição mais periférica, encontramo-la já na constelação da Girafa, contígua à Ursa Maior. A galáxia tem múltiplos braços espirais com uma estrutura subtil e parece uma versão mais pequena e débil da Messier 33, a galáxia do Triângulo. NGC 2403 é extraordinariamente rica em nebulosas de emissão, as faces visíveis de gigantescas maternidades estelares, que podem ser vistas ancoradas nos braços espirais. Um censo levado a cabo por astrónomos franceses em 1990 (J.-P. Sivan, A. J. Maucherat, H. Petit, G. Comte. “Optical HII Regions in NGC 2403”, A&A, 237, 1990) identificou 366 regiões de emissão, algumas das quais maiores do que a Nebulosa da Tarântula na Grande Nuvem de Magalhães, a maior do Grupo Local com mais de mil anos-luz de extensão.
Markarian 421, perto da estrela 51 da Ursa Maior, é um blazar, o núcleo de uma galáxia activa com os jactos relativísticos do buraco negro supermaciço no seu âmago alinhados com a nossa linha de visão. Situado a apenas 430 milhões de anos-luz, é um dos objectos mais próximos deste tipo e, por isso, um dos que tem maior brilho aparente. A sua magnitude varia, por vezes rapidamente, entre 11 e 16, uma diferença de 100 vezes na luminosidade. Este blazar é uma das fontes de raios gama mais brilhantes do céu, algo extraordinário se considerarmos a distância a que se encontra. É também uma das poucas fontes conhecidas que emite fotões gama com energias superiores a 1 TeV, a mesma ordem de grandeza das energias atingidas no Large Hadron Collider, no CERN. Neste campo de visão podemos ainda ver várias galáxias longínquas como PGC 33453 (associada com Markarian 421), UGC 6140, PGC 33437, PGC 33475 e LEDA 213780.
A noite cristalina e fria, a “banda sonora” campestre e o espectáculo da abóbada celeste proporcionam uma experiência maravilhosa e relaxante. O “timelapse” que se segue é uma tentativa imperfeita de perpetuar esses momentos. Uma câmara ZWO ASI 178MM, com uma lente de 2.5mm acoplada, montada num tripé fotográfico, capturou quase 700 imagens de 1 minuto ao longo da noite (um total de quase 6 GBytes). As imagens foram depois combinadas neste vídeo.
timelapse all-sky December 20th, 2017 from Luis Lopes on Vimeo.
O céu nocturno na noite de 20 de Dezembro de 2017. Vídeo pelo autor.
A câmara foi controlada por um minicomputador Raspberry 3 alimentado por uma bateria de 20 Ah, ambos conservados no interior de uma bolsa térmica (para preservar ao máximo a capacidade da bateria) na qual fiz um corte cirúrgico para passar o cabo USB que alimenta a câmara e permite as transferências de dados. No final da noite a bateria tinha ainda 1/3 da carga disponível, pelo que se trata de uma configuração portátil e autónoma em termos energéticos.
1 comentário
Muito legal.