Estrelas como o Sol ou um pouco mais maciças terminam as suas vidas como gigantes vermelhas luminosas e instáveis. Ao longo de milhares de anos, expulsam as suas camadas exteriores de hidrogénio — enriquecidas com hélio, carbono, nitrogénio e oxigénio, provenientes de sucessivos episódios de fusão nuclear — para o espaço que as circunda, criando um casulo denso de gás e poeira. Para trás fica o núcleo maciço, denso e tremendamente quente da estrela original: uma anã branca. A radiação ultravioleta intensa e o vento estelar proveniente da sua superfície provoca a fluorescência do gás que a circunda dando origem a uma nebulosa planetária.
Segundo a teoria da nucleossíntese estelar, uma anã branca típica é constituída por átomos de carbono e de oxigénio densamente compactados rodeados por um fino “verniz” de hélio. O carbono e o oxigénio formam-se no núcleo das gigantes vermelhas por fusão de núcleos de hélio. Em geral, não há apenas uma forma de criar carbono e oxigénio a partir de núcleos de hélio. As reacções de fusão têm uma série de variantes que contribuem com diferentes pesos na formação dos produtos finais. A configuração exacta destas variantes determina as fracções relativas de carbono e de oxigénio que ficam no núcleo quando a fusão do hélio termina.
Mas quão certos estamos da validade da teoria? Inferir a composição interna destas estrelas a partir de observações é complicado. No entanto, conhecer esta informação é importante não só para validar os modelos actuais da evolução e nucleossíntese estelar mas também para melhor compreender as supernovas do tipo Ia (pois resultam da explosão termonuclear de anãs brancas). Foi com base em distâncias obtidas usando supernovas de tipo Ia como “velas padrão” que foi possível descobrir, no final do século XX, que a expansão do Universo está a acelerar, um efeito que parece devido a uma propriedade intrínseca do espaço ainda muito mal compreendida.
É neste contexto que foi publicado, no passado dia 8 de Janeiro na revista Nature, um artigo em que os autores descrevem como utilizaram dados adquiridos com o telescópio Kepler para inferir a composição da anã branca J192904.6+44470, situada a cerca de 1400 anos-luz na direcção da constelação do Cisne. O telescópio foi desenhado para medir variações ínfimas de luminosidade em estrelas, permitindo-lhe assim detectar planetas quando estes passavam em frente delas, eventos designados por trânsitos. A mesma precisão permite também ao telescópio detectar pequenas variações de brilho na superfície da anã branca que resultam de pequenos “sismos” no seu interior. Afortunadamente, a amplitude e periodicidade destes sismos dependem fortemente da estrutura e composição interna da anã branca.
Os autores compararam as observações com os resultados de simulações com estruturas e composições internas diferentes para a anã branca. As simulações que melhor se ajustam aos dados do Kepler implicam que a estrela seja constituída quase exclusivamente por oxigénio (78% da massa) e carbono (quase 22% da massa) ao que acresce uma percentagem ínfima de hélio. A região mais interior da anã branca tem uma fracção de oxigénio e um raio maiores do que os previstos pela teoria da nucleossíntese estelar, em 15 e 40%, respectivamente. Este desacordo, reforçado por observações de outras 4 anãs brancas, poderá ser devido a alguma subtileza desconhecida nas variantes das reacções de fusão do hélio em carbono e oxigénio ou por factores mais dinâmicos, e.g., a forma como os combustíveis nucleares se misturam dentro da estrela durante a sua evolução.
Este resultado sugere que há buracos no nosso conhecimento da física das anãs brancas e, por extensão, das supernovas de tipo Ia, com um potencial impacto importante em cosmologia. Os astrónomos sabem já há uma década que as supernovas de tipo Ia não são todas exactamente iguais. Apesar disso, foi possível identificar empiricamente correlações, e.g., entre a forma das curvas de luz e a luminosidade, que permitem o seu uso continuado como “velas padrão”. O trabalho de Giammichele e co-autores poderá explicar, por exemplo, porque é que essas correlações existem e funcionam na prática.
Referência: N. Giammichele et al. A large oxygen-dominated core from the seismic cartography of a pulsating white dwarf. Nature. January 8, 2018.
Últimos comentários