Diz o provérbio que “as aparências iludem”. É assim também com algumas das perguntas que o Universo nos coloca: aparentemente ingénuas mas, quando examinadas em detalhe, complexas ou intratáveis.
Uma dessas perguntas — “Qual o limite máximo para a massa de uma estrela de neutrões?” — resistiu quase 80 anos, mas foi finalmente vencida.
O limite, calculado por uma equipa de cientistas alemã, é de 2.16 massas solares, com uns 7% de erro máximo.
Poucos dias depois da sua publicação, o resultado foi confirmado por outras duas equipas, nos Estados Unidos e Japão, usando aproximações diferentes ao problema.
As propriedades das estrelas de neutrões foram estudadas pela primeira vez por físicos teóricos como Lev Laudau, Richard Tolman, Robert Oppenheimer e George Volkoff, nos anos 30 do século passado. Já nessa altura se sabia que haveria um limite máximo para a sua massa. Estes objectos são suportados pela “pressão degenerada” dos neutrões e outras partículas subatómicas que os compõem. Estas partículas não gostam de “socializar” e nunca partilham o mesmo estado de energia. Numa estrela de neutrões, em que estão compactadas com uma densidade semelhante à de um núcleo atómico, o efeito traduz-se numa pressão que impede que as partículas se cheguem mais umas às outras (caso contrário teriam de partilhar o mesmo estado de energia). Esta pressão, no entanto, consegue estabilizar a estrela apenas até uma certa massa limite a partir da qual a força da gravidade se sobrepõe e provoca o colapso num buraco negro. Em 1939, Tolman, Oppenheimer e Volkoff determinaram um limite teórico entre 1.5 e 3 massas solares para a massa máxima de uma estrela de neutrões. A margem de erro dessa primeira estimativa era, compreensivelmente, considerável.
Alguns anos depois, em 1967, os primeiros exemplos de estrelas de neutrões (pulsares) foram observados por Jocelyn Bell e Antony Hewish. Desde então centenas destes objectos foram descobertos, alguns deles em sistemas binários o que permitiu a determinação da sua massa. Com o passar dos anos, os astrónomos foram construindo tabelas como a da figura anterior que mostra as massas estimadas (e as respectivas barras de erro) para estrelas de neutrões em diferentes sistemas cujos nomes aparecem no eixo das ordenadas. À excepção de um exemplo, com uma margem de erro considerável, todas as massas se concentram atrás de um aparente limite empírico de pouco mais de 2 massas solares.
As aproximações tradicionais ao problema da massa máxima esbarravam sistematicamente no desconhecimento da chamada “Equação de Estado”. Uma tal equação descreve em detalhe a estrutura da estrela e o estado da matéria no seu interior. Esta informação é relevante se queremos saber como é que a estrela reage ao forte campo gravitacional por ela gerado. Como não é possível replicar na Terra as condições que se pensa existirem no interior das estrelas de neutrões e as observações astronómicas só fornecem algumas pistas sobre o que se passa nesses ambientes extremos, os astrónomos não sabem exactamente qual é a equação de estado destes objectos. Nos últimos anos, no entanto, registaram-se avanços consideráveis na compreensão teórica das estrelas de neutrões que permitiram desacoplar a questão da massa máxima do conhecimento preciso da equação de estado.
Combinando estes desenvolvimentos com observações da primeira colisão entre estrelas de neutrões detectada em ondas gravitacionais (GW170817) e em ondas electromagnéticas (sGRB 170817A e kilonova AT2017gfo), uma equipa de cientistas alemã conseguiu calcular finalmente o limite máximo para a massa das estrelas de neutrões em 2.16 massas solares, com um erro residual de 7%, em perfeita sintonia com as observações astronómicas.
Poucos dias depois da sua publicação, o resultado foi confirmado por mais duas equipas, nos Estados Unidos e Japão, usando aproximações diferentes ao problema.
Observações futuras de mais colisões de estrelas de neutrões permitirão aos cientistas refinar este limite.
Referência: Luciano Rezzolla et al. Using Gravitational-wave Observations and Quasi-universal Relations to Constrain the Maximum Mass of Neutron Stars. The Astrophysical Journal (2018).
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