Anti-matéria vai dar o seu primeiro passeio até à cidade!

O passeio está planeado, e a caixa para guardar o pic-nic também, mas como?

Um furgão meio carro meio casa meio o que se precisa para um passeio.
O conceito base é o mesmo mas a evolução gerou uma plataforma com um mercado próprio, sofisticado.

Imaginem o Sol reduzido ao tamanho duma cidade.

E estarão a fazer uma experiência que replica uma estrela de neutrões. Para isso vão precisar de um pouco de anti-matéria.

As estrelas de neutrões são astros extremamente densos, onde uma colher de chá pesa 100 milhões de toneladas de kg.

Nestas condições de gravitação extrema, os núcleos dos átomos têm propriedades degeneradas.

Os protões, que são partículas ultra estáveis, capturam electrões e formam neutrões.

Estes neutrões conseguem, até um limite específico, aguentar a estrela degenerada até que eles próprios colapsam arrastando toda a Física para os mistérios dum buraco negro.

Mas como conseguem eles aguentar uma estrela de neutrões?

O Físico Wolfgang Pauli emprestou-lhes uma formulação teórica que em muito os ajuda.

O princípio da exclusão impede que 2 neutrões (e todas as partículas da matéria) ocupem o mesmo espaço, e é esta propriedade do “chega para lá colega da matéria” que mantém o equilíbrio hridro-estático duma estrela de neutrões.

A Gravitação tenta esmagar a estrela sobre si própria e o “chega para lá,” consegue empurrar de novo a superfície dessa estrela para a… superfície.

Numa escala mais moderada, nas estrelas com a massa do núcleo do Sol e do tamanho da Península Ibérica, são os electrões que sustentam este equilíbrio.

Nas estrelas de neutrões, adivinharam, são os neutrões.

Lembrem-se que os neutrões têm cerca de 2 mil vezes a energia dum simpático e leve electrão.


Entra a anti-matéria numa furgoneta.

Usualmente vimos estas carrinhas a transportar mercadorias, passageiros e até famílias de férias nas plataformas meio carrinha meio carro.

São veículos úteis e já sofisticados, com mais de 30 anos de melhoramentos.

Mas eis que 1 destas carrinhas vai transportar anti-matéria dum laboratório para o outro no recinto (do tamanho duma cidade) do CERN.

Os anti-protões são muito instáveis, mas a tecnologia actual já os permite manter como que fossilizados numa armadilha magnética e eléctrica dentro duma câmara de vácuo ultra arrefecida que os desacelera logo que são produzidos.

Essa anti-produção foi conseguida ao esmagar-se um feixe de protões contra um alvo metálico.

Os anti-protões são uma forma única de se estudar os elementos radioactivos produzidos nas instalações experimentais de feixes de iões ISOLDE no CERN.
Créditos: Julien Marius Ordan/CERN

Aviões a jacto e borboletas.

É muito difícil ter-se conseguido isto, parece quase como apanhar aviões a jacto da esquadrilha de acrobacia com uma rede de borboletas.

Ora são esses feixes de “aviões a jacto” que se vão paralisar no vácuo, como se duma fotografia se tratasse.

Incrível!

Agora a furgoneta vai percorrer umas centenas de metros para transportar os anti-protões para o futuro  laboratório Puma , que é uma experiência que se irá realizar noutro quarteirão da cidade do CERN.


Uma estrela de neutrões em miniatura.

A garrafa de vácuo com cerca de mil milhões de anti-protões irá ser aberta enquanto se disparar pelo gargalo dentro uma forma muito rara de Lítio, o isótopo Lítio-11.

Na zona de colisão estará um detector para se sondar o comportamento dos neutrões deste Lítio raro ao se aniquilarem contra a anti-matéria.


Há aqui um gato escondido.

O gato é que o Lítio-11 tem um desequilíbrio no seu núcleo, tem mais neutrões do que protões, tem um saldo externo de neutrões.

Assim imita de forma até simples mas engraçada uma estrela de neutrões.

É que este superávit de neutrões forma um halo no núcleo destes raros elementos radioactivos, imitando a crosta duma estrela de neutrões!

Dado que a taxa de aniquilação dos anti-protões com os protões deste núcleo radioactivo de Lítio-11 é extremamente rápida, a capacidade de detecção destas colisões na crosta terá de estar à altura, perdão, à velocidade, dessa taxa.

Tão simplesmente para vermos alguma coisa.

Anti-matéria portátil.
Para poderem observar a estrutura da superfície dos núcleos atómicos, os Físicos injectam iões de isótopos raros numa garrafa com 70 cm de comprimento. É no gargalo que se aniquilarão com os anti-protões engarrafados na armadilha.
Esta garrafa é mantida a 4 ºC acima do zero absoluto, está muito muito fria.
Créditos primários do diagrama: Puma
Créditos secundários do diagrama: Nature

O facto de se ir engarrafar mil milhões de anti-protões, de tanta anti-matéria, de se ir manter esta nuvem ultra arrefecida estável durante muito tempo e de a ir depois usar numa experiência está nos limites, ou espera-se bem que não, para lá dos limites da tecnologia actual.

Desde logo, e se tudo correr bem como se espera, vão ser desenvolvidos sensores ultra-sofisticados de que a indústria precisa e anseia, para poder depois comercializar materiais que estão na calha laboratorial.


A Experiência.

Dadas as enormes dificuldades desta experiência, as tecnologias irão ser testadas, afinadas e calibradas nos próximos 4 anos, e aprazaram-se para 2022 os primeiros testes experimentais.


Anti-matéria portátil.

Em caso de sucesso, poderemos começar a compreender melhor os mecanismos ainda misteriosos das estrelas de neutrões, tanto o que se passa nos seus núcleos como o que se passa na sua crosta.

O edifício teórico disponível é ainda frágil, pouco compreendido, é como se os melhores cientistas do mundo tivessem visto pela primeira vez um bebé acabado de nascer.

Esse bebé é constituído por todos os elementos mais pesados do que o Ferro, por prata, ouro e tem propriedade físicas plutónicas!

Ou seja, entendemos ainda quase nada sobre como se formou o fio de prata, o relógio de ouro, ou se formaram os elementos radioactivos que usamos para gerar electricidade, e todos os dias nos cuidados de saúde.

Mas ainda assim estima-se que os núcleos destes elementos sejam ampliados por um Halo.


Uma sonda do Halo.

Sondagem dum Halo.
Os neutrões do isótopo raro de Lítio-11 deverão orbitar o bojo nuclear formando um halo que amplia a dimensão do núcleo.
Uma supra abundância de neutrões gera um halo no Lítio-11. As forças geradoras deste halo deverão ser as mesmas que, numa escala muito maior, permitem a uma estrela de neutrões ter uma crosta rica em neutrões.
Legenda cromática das partículas compostas:
Nuvem a azul: Halo ampliado
Bolas azuis: Neutrões
Bolas vermelhas: Protões
Créditos: Puma/Nature.

Objectivo ampliado da Experiência.

Inspirados pela ampliação do halo do núcleo, os cientistas do CERN pretendem que a garrafa-armadilha seja um dia tão estável e transportável como o furgão das férias familiares.

Isso permitirá que muitos cientistas possam aportar os seus conhecimentos, as suas diferentes abordagens e a sua imaginação para novos testes e muitas mais experiências.

Pretendem enriquecer o conhecimento colocando os meios ao dispor de todo o mundo.

Para um dia entendermos como se gerou o ouro que existe, em pequenas quantidades, em todos os bebés do mundo.

Isso é muito giro!

Chloé Louise Malbrunot, uma das cientistas principais da experiência Puma no CERN considera o projecto ” desafiador” e pensa “ser realizável,” mostrando uma determinação muito mais densa do que o ferro.

Panagiota Papakonstantinou, Físico nuclear do Institute for Basic Science in Daejeon, na Coreia do Sul, está entusiasmado com o projecto “porque pode ajudar-nos a atribuir significado científico às observações da Astrofísica.”

Chloé Louise remata para um futuro que “pensa que irá na realidade abrir  o campo (da Astrofísica).”

Um futuro de ouro, platina e de elementos pesados….

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