No dia 22 de Fevereiro, aproveitando os últimos dias de tréguas dados pela Lua, e tendo em conta as previsões de chuva para esta semana, dei um salto até à aldeia para satisfazer o vício. Levei comigo um telescópio newtoniano 152mm f/5, uma câmara CMOS monocromática ZWO ASI178MM e uma montagem Vixen GP-DX, para além da habitual parafernália de acessórios. Com esta configuração, e usando a câmara em modo “binning” 2×2, as imagens obtidas têm uma escala de 1.32 segundos de arco por pixel.
À chegada ao local de observação, deparei-me com um cenário que me trouxe recordações tristes dos incêndios do Verão passado — várias queimadas nas matas em redor envolviam a zona numa densa nuvem de fumo. Mais tarde, ao anoitecer, e quando tudo parecia finalmente voltar ao normal, a equipa de futebol local apareceu para um treino e tive de suportar os holofotes do pequeno complexo desportivo ligados durante 2 horas.
O contratempo não me impediu de fazer a calibração do equipamento, de tal forma que, por volta das 21h30m, altura em deixei de ser atingido por balázios fotónicos, pude começar quase de imediato a fazer imagens. A Lua, quase em quarto crescente, ainda chateava um pouco, mas a fome era tanta que nem preocupei com isso.
A noite estava serena, com uma leve brisa fria de Este. Trazia, como sempre, uma lista de objectos para fotografar — no caso, algumas supernovas e galáxias. A Primavera, que já se adivinha, não traz consigo apenas promessas de flores mas também de belas vistas das galáxias do Grande Enxame da Virgem e de vários outros grupos periféricos, situados a distâncias relativamente modestas (menos de 60 milhões de anos-luz).
A primeira imagem mostra a supernova mais brilhante actualmente visível no céu nocturno. A AT2018pv, como é designada, é uma supernova de tipo Ia no seu pico de brilho aparente com magnitude 12.7, visível portanto mesmo num telescópio relativamente modesto. Este tipo de supernova resulta da explosão termonuclear de uma anã branca e tipicamente brilha com a intensidade de 5 mil milhões de sóis. Situa-se na galáxia lenticular NGC 3941, a cerca de 40 milhões de anos-luz, na direcção da constelação da Ursa Maior.
A supernova seguinte foi a AT2018gj, na periferia da galáxia espiral barrada NGC 6217, situada a cerca de 70 milhões de anos-luz na constelação da Ursa Menor. Neste caso, trata-se de uma supernova de tipo II, resultante do colapso gravitacional do núcleo de uma estrela super-gigante vermelha maciça.
Segue-se uma velha amiga, a AT2018eaw, uma supernova de tipo II que apareceu em Maio do ano passado na “Galáxia do Fogo de Artifício” ou NGC 6946, na constelação de Cefeu. Como podem ver por estas outras imagens, a explosão diminuiu consideravelmente de brilho neste interlúdio, desde a magnitude 12.6 no pico de brilho até à magnitude 17 actual.
Finalmente, mais uma supernova de tipo Ia, desta feita na obscura galáxia UGC 4780, situada a cerca de 150 milhões de anos-luz na constelação do Caranguejo. Nesse dia a supernova tinha um brilho aparente de 14.7, três mil vezes menos brilhante do que as estrelas mais débeis visíveis a olho nu. Esta foi designada por AT2018oh.
Todas as imagens de supernovas foram obtidas combinando 30 exposições individuais de 1 minuto cada, num total de 30 minutos.
Também fiz algumas imagens de algumas das muitas galáxias bem posicionadas no céu quando a noite ia mais adiantada. Para estas imagens combinei 60 exposições individuais de 1 minuto, para um total de 60 minutos de exposição.
O primeiro alvo, na altura ainda com luar a atrapalhar, foi a galáxia M95, situada a 32 milhões de anos-luz na constelação do Leão. Trata-se de uma bela espiral barrada com os braços tão fechados que quase formam uma circunferência em torno da barra central. Os braços espirais são muito subtis e têm um brilho superficial pouco elevado, necessitando de uma exposição mais longa para fazer sobressair mais estrutura. Em 2012 apareceu nesta galáxia uma supernova de tipo II que é uma das poucas para as quais foi identificada a estrela progenitora, uma super-gigante vermelha, com a ajuda de imagens obtidas com o telescópio Hubble.
M100 é uma das minhas galáxias favoritas, situada junto à região central do Grande Enxame da Virgem, a cerca de 55 milhões de anos-luz. O aspecto dinâmico da galáxia é extraordinário. O brilho intenso da sua região nuclear deve-se a um “baby boom” estelar na base dos braços espirais, onde estes se ligam a uma minúscula mas maciça barra central. A imagem adquire um aspecto mais dramático devido à presença de várias galáxias satélites da M100 e à abundância de galáxias muito remotas.
NGC 2683 é uma bela galáxia espiral vista quase de perfil. O seu aspecto, quando observada por um telescópio modesto, valeu-lhe a alcunha de “Galáxia do Disco Voador”. O núcleo, de aparência quase estelar, é rodeado por braços espirais subtis entrelaçados com delicados filamentos de poeira. Situa-se a cerca de 25 milhões de anos-luz na direcção da discreta constelação do Lince.
A última galáxia que escolhi foi NGC 4559 na constelação da Cabeleira de Berenice — sim, existe uma constelação com este nome! Trata-se de uma galáxia espiral barrada notável pela abundância de maternidades estelares que adornam os seus braços, visíveis como pequenas manchas destacadas ao longo da sua extensão. A sua estrutura barrada e os braços espirais abertos, combinados com a inclinação relativamente à nossa linha de visão tornam-na particularmente atractiva, pelo menos aos olhos do autor. Dista de nós cerca de 25 milhões de anos-luz.
No fim da noite, antes de arrumar o equipamento, fui presenteado com um alinhamento de luminárias — Júpiter (em Balança), Antares (no Escorpião), Marte (no Ofíuco) e Saturno (no Sagitário) — com um belo contraste de cores, atravessando a Via Láctea.
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