Já sabemos como medir distâncias, tempos, massas, velocidades, pressões e temperaturas. Faço notar que a partir destas podem inferir como medir muitas outras, as quais, por isso, não irei detalhar (áreas, volumes, frequências, acelerações, forças, etc.).
Nesta terceira parte vou-me focar apenas na medição de cargas eléctricas. Começo, porém, por dar uma breve introdução sobre electrostática, de forma a que possamos compreender aquilo que estamos a medir.
Electrostática
Tudo à nossa volta é constituído pelos elementos da tabela periódica, isto é, por elementos químicos como o Hidrogénio, Carbono, Oxigénio, Azoto, etc. Como vimos noutros artigos, a um nível mais fundamental estes elementos são constituídos por protões e electrões, os quais têm respectivamente cargas positivas e negativas.
Ao nível macroscópico, os corpos tendem a possuir um igual número de cargas positivas e negativas, pelo que estas compensam-se mutuamente e assim os corpos dizem-se descarregados. Não obstante, existem vários métodos através dos quais é possível carregar um corpo, isto é, quebrar o equilíbrio de cargas no corpo. Um dos primeiros métodos com que as crianças se deparam na escola faz uso do efeito triboeléctrico: refiro-me à experiência de friccionar a tampa de uma caneta no cabelo e depois aproximar a tampa de pedacinhos de papel.
O que acontece é que ao friccionar-se a tampa no cabelo há uma transferência de carga entre a tampa e o cabelo, pelo que a tampa fica com carga positiva ou negativa e, por isso, ao ser aproximada dos pedacinhos de papel, a carga oposta destes é atraída e como tal os pedacinhos de papel são atraídos.
O efeito triboeléctrico é também muitas vezes o responsável pelos choques eléctricos que experienciamos no dia-a-dia. Posso exemplificar com a minha experiência pessoal: tenho uma cadeira de escritório cujo assento é de tecido. Do contacto e fricção entre a minha roupa e a cadeira dá-se uma transferência de carga para a minha roupa (e consequentemente para mim), pelo que se de seguida tocar numa superfície metálica apanho um choque. Para que esta experiência funcione preciso de estar isolado do chão: uns chinelos com sola de borracha são o suficiente para me isolar. Note-se que até posso fazer a experiência dos pedacinhos de papel, mas em vez de usar uma caneta, posso usar um dedo: os pedacinhos de papel são também atraídos pelo meu dedo! (Clarifico que nesta experiência análoga à anterior, o friccionar da tampa da caneta no cabelo corresponde ao levantar-me da cadeira.) O isolamento eléctrico é crucial para que isto aconteça, pois de outra forma a carga “foge” para o chão. Nesse caso, poderá perguntar porque é que a experiência da caneta funciona mesmo que quem esteja a agarrar a caneta não esteja isolado. Acontece que o plástico da caneta é um mau condutor eléctrico e, como tal, a acumulação de carga verificada no local da fricção não se transmite com facilidade ao resto da caneta e não consegue “fugir” através da pessoa que está a agarrar a caneta. Destas experiências também pode concluir que o próprio ar que nos envolve é um mau condutor eléctrico, pois caso contrário seria capaz de descarregar a caneta.
A explicação de cima sobre a experiência da tampa está de certa forma incompleta: os pedaços de papel estavam inicialmente neutros (descarregados), sendo assim, qual a razão para terem sido atraídos?
Sabemos que cargas opostas se atraem, enquanto que cargas iguais se repelem. O que acontece com corpos “descarregados”? A palavra “descarregado” parece indicar que o corpo não tem carga, mas, como explicitei antes, trata-se antes de um equilíbrio de cargas. Se as cargas tiverem a possibilidade de se mover no corpo, ao aproximar-se uma outra carga externa ao corpo, as cargas opostas no corpo são atraídas pela externa. A este fenómeno dá-se o nome de indução electrostática ou indução eléctrica. Podemos usar este fenómeno para carregar dois condutores com cargas simétricas:
Na imagem de cima, as esferas são dois condutores que inicialmente estavam descarregados e em contacto. Ao aproximar-se um objecto carregado (neste caso com carga positiva), a carga eléctrica negativa das esferas é atraída em direcção ao objecto externo. No lado oposto concentra-se um excesso de carga positiva (representado pelos +++). Mantendo a carga externa fixa, podemos então separar as duas esferas. A esfera do lado esquerdo fica carregada com carga negativa e a do lado direito com carga positiva. Note-se que o suporte das esferas tem que ser um isolador eléctrico, caso contrário a carga “escapava-se”. Uma vez separadas as esferas, as cargas já não têm hipótese de retornar às posições iniciais, pelo que as esferas mantém-se carregadas. As cargas são simétricas, pois a carga negativa que “falta” na esfera do lado direito corresponde à carga em excesso na esfera do lado esquerdo. Estou a deixar implícito um detalhe importante: os electrões movem-se, enquanto que os protões mantém-se nas suas posições iniciais. Assim, as esferas têm um igual número de protões, o que difere é apenas o número de electrões. O excesso de electrões numa esfera faz com que esta tenha uma dada carga negativa, enquanto que os electrões em falta na outra esfera proporcionam uma igual carga positiva. Como cargas iguais se repelem, isto implica que toda a carga se concentre à superfície das esferas, uma vez que esta é a configuração electrónica que permite às cargas estarem a uma maior distância entre si.
O que acontece se colocarmos uma destas esferas em contacto com uma outra esfera condutora (mas isolada e neutra)? A carga distribui-se pela superfície das duas esferas.
Medir cargas eléctricas
Existem muitas formas de medir carga eléctrica, mas aqui vou-me focar apenas numa. Tal como noutros instrumentos de medida que abordei na parte I e parte II deste artigo, também os instrumentos para medir a carga eléctrica (electrómetros) não medem a carga directamente, mas antes a consequência desta numa outra grandeza.
O electrómetro de folha de ouro (representado na foto de cima) foi um dos primeiros medidores de carga inventados ainda no século XVIII. Eis uma versão mais recente:
Para medir a carga de um objecto, basta colocá-lo em contacto com o disco metálico superior. Este disco está ligado a uma barra metálica, a qual tem na ponta inferior uma folha de ouro anexa. A barra metálica está segura no instrumento por um isolador (o componente preto abaixo do disco), de forma a que a carga não possa “fugir”. Assim, o disco, a barra e a folha de ouro ficam electricamente carregados quando em contacto com um objecto carregado. Como cargas iguais se repelem, a folha de ouro é repelida da barra. A deflexão entre a barra metálica e a folha de ouro é tanto maior quanto maior for a carga. Portanto, depois de calibrado, este instrumento é capaz de medir a carga eléctrica.
Na próxima e última parte irei abordar as medições de corrente e tensão eléctricas, bem como o campo magnético.
“Detesto electricidade estática. Detesto-a mesmo…”
Consegue identificar as duas razões pelas quais o efeito ilustrado não ocorre?
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[…] terceira parte falei de electrostática e da medição de carga eléctrica. Passo agora à carga em movimento, […]