Depois de quase um mês de chuva intensa, e de declínio acentuado da minha sanidade mental, resolvi pregar uma partida ao São Pedro. Partindo do princípio que ele estaria distraído a lixar-nos a vida por cá, reservei uma hora de observação no VirtualTelescope, um projecto do astrofísico Gianluca Masi, localizado em Itália. À segunda tentativa, na noite da passada 4ª feira, lá foi possível fazer a aquisição das imagens que tinha em mente: um registo da supernova AT2018zd, na galáxia NGC 2146.
Situada a cerca de 50 milhões de anos-luz na direcção da constelação da Girafa (Camelopardalis), NGC 2146 é uma espiral barrada cuja estrutura foi fortemente distorcida pela interação gravitacional com uma outra galáxia que poderá mesmo ter sido canibalizada. Este episódio, para além destas cicatrizes na morfologia da galáxia, iniciou uma actividade frenética de formação de novas estrelas a partir das nuvens de hidrogénio molecular existentes na NGC 2146 — um fenómeno chamado “starburst”. Nos anos 80 do século XX, o observatório de infravermelhos IRAS descobriu que brilhava de forma intensa nestes comprimentos de onda — uma assinatura típica das galáxias que fazem “muitos bébés”. De facto, NGC 2146 é um dos exemplos mais próximos de um tipo de galáxia designado por LIRG (Luminous Infra-Red Galaxy) e é, por isso, intensamente estudada.
Neste tipo de galáxia, a abundância de estrelas jovens e maciças resulta invariavelmente em muitas supernovas e na emissão copiosa de raios cósmicos — partículas como protões ou núcleos de hélio, extremamente energéticas — que têm origem, pelo menos em parte, nas ondas de choque destas explosões estelares. Estudos recentes com o observatório FERMI, da NASA, confirmam que a galáxia é uma fonte de raios gama provenientes da interação entre partículas dos raios cósmicos.
A AT2018zd é uma supernova de tipo IIn, resultante do colapso gravitacional do núcleo de uma estrela maciça. O colapso do núcleo despoleta uma onda de choque que percorre e projecta para o espaço as camadas exteriores da estrela. Para além das típicas linhas de emissão dos elementos que compunham as várias camadas da estrela progenitora, dilatadas devido à enorme velocidade a que o gás está a ser projectado para o espaço, o seu espectro apresenta também um outro conjunto de linhas finas (daí o “n”, de “narrow” — estreito, em IIn) provenientes de gás interestelar que se encontra quase imóvel nas imediações da estrela. Em algumas supernovas deste tipo, esta característica espectral deve-se a gás expelido pela estrela progenitora algumas centenas ou milhares de anos antes da explosão. Ainda não é claro da informação disponível se é este o caso ou se, por outro lado, a progenitora se encontrava simplesmente numa região particularmente rica em gás.
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