No início do século XVII, a Astronomia começou a dar os primeiros passos como ciência. A recente confirmação do Modelo Heliocêntrico, proposto por Nicolaus Copernicus, as primeiras observações com um telescópio, por Galileu Galilei, e a formulação matemática das leis que descrevem o movimento dos corpos celestes, por Johannes Kepler e Isaac Newton, provocaram uma mudança radical na visão ocidental do Universo. Uma consequência incontornável desta revolução científica foi a ideia, herética durante muitos séculos, de que as estrelas não seriam mais do que outros sóis, situados a grandes distâncias. Mas, sendo assim, a que distância se encontrariam esses corpos celestes? Esta questão tornou-se central para a Astronomia e constitui ainda hoje um desafio complexo para os astrónomos.
Não se trata de um capricho. Conhecer a distância de uma estrela permite deduzir muitas outras coisas sobre ela, nomeadamente, a luminosidade, o tamanho e, indirectamente, a massa. Por sua vez, estes parâmetros são essenciais para o estudo da evolução das estrelas e, em particular, para a compreensão de como são sintetizados, nos seus âmagos, os elementos que compõem o mundo que nos rodeia.
O método mais simples e directo para a medição da distância de uma estrela é designado de Método do Paralaxe. De forma muito resumida, trata-se apenas de medir um ângulo no céu — o ângulo de paralaxe — que depois é facilmente convertido na distância da estrela através de uma fórmula trivial. Baseia-se numa observação muito simples: um objecto próximo de nós parece mover-se relativamente a objectos mais distantes quando observado a partir de duas posições diferentes. Por exemplo, na Figura 1 o rapaz coloca o dedo polegar à distância de um braço estendido e observa-o alternadamente com cada olho (o outro olho deve estar fechado). Se fechar o olho esquerdo, observando com o direito, vê o dedo numa posição; se fechar o olho direito, observando com o esquerdo, o objecto parece mover-se relativamente aos quadros na parede. O deslocamento aparente é inversamente proporcional à distância, isto é, objectos mais próximos apresentam um deslocamento maior. Medindo o ângulo correspondente ao deslocamento aparente do objecto e sabendo a distância entre os dois olhos, podemos calcular facilmente a que distância se encontra o dedo.
Para as estrelas, o princípio é o mesmo mas com algumas adaptações (Figura 2). O dedo representa a estrela que queremos observar, os quadros na parede são estrelas mais distantes na mesma zona do céu e os nossos olhos são substituídos por um telescópio, que observa a estrela em dois pontos da órbita da Terra, separados por 6 meses. Desta forma a distância entre as observações é de 2 vezes a distância da Terra ao Sol, ou seja, cerca de 300 milhões de km. Quanto maior o deslocamento da estrela relativamente às estrelas mais distantes, mais próxima ela está. O ângulo correspondente a metade desse deslocamento (no céu as distâncias medem-se em ângulos) é designado de paralaxe. A precisão da distância obtida depende apenas da precisão com que o ângulo de paralaxe é medido, e aqui é que começam as dificuldades.
Com o advento do telescópio, vários astrónomos famosos dos séculos XVII e XVIII, nomeadamente Galileo Galilei, Robert Hooke, James Bradley e William Herschel, tentaram medir a distância de algumas estrelas que pareciam estar mais próximas do Sol, mas as suas tentativas foram um fracasso devido à dificuldade em medir ângulos tão pequenos. Isto significava que as estrelas estavam a distâncias enormes, muito para além do que os astrónomos da época poderiam antecipar. Finalmente, em 1838, o astrónomo alemão Friedrich Wilhelm Bessel conseguiu medir o ângulo de paralaxe para a estrela 61 da constelação do Cisne e calcular a sua distância em 10.4 anos-luz (o valor actualmente aceite é de 11.4 anos-luz). Quase de seguida, em 1839, o Astrónomo Real para a Escócia, Thomas Henderson, em missão na África do Sul, publicou o paralaxe para a estrela Alfa do Centauro, mostrando que se encontrava muito próxima do Sistema Solar, a apenas 3.3 anos-luz (o valor actualmente aceite é de 4.36 anos-luz). Ainda em 1839, o astrónomo alemão Friedrich von Struve calculou a distância à estrela Vega, uma das mais brilhantes do céu, em 26.1 anos-luz (o valor actualmente aceite é de 25.1 anos-luz). Seguiram-se determinações semelhantes para outras estrelas, mas as medições eram tão difíceis que no final do século XIX apenas se conheciam as distâncias de 60 estrelas.
O método do paralaxe continuou a ser utilizado durante o século XX mas, apesar dos avanços tecnológicos, as distâncias só podiam ser determinadas para estrelas até cerca de 300 anos-luz, e ainda assim com erros consideráveis. Para o leitor ter uma ideia, o paralaxe de uma estrela a esta distância é um ângulo 180 mil vezes mais pequeno do que o diâmetro aparente da Lua! Mais além, os paralaxes eram demasiado pequenos para poderem ser medidos em observatórios situados na superfície da Terra devido à turbulência atmosférica. Com o início da conquista do espaço, os astrónomos começaram a pensar seriamente num satélite dedicado para esta tarefa.
No final do século XX, mais precisamente em 1989, foi lançado o primeiro destes satélites, o Hipparcos. Apesar de vários problemas iniciais, incluindo um lançamento defeituoso que impediu que fosse colocado na órbita correcta, o Hipparcos realizou observações que deram origem a um catálogo com posições, brilho e paralaxes para cerca de 118 mil estrelas. Destas, cerca de 20 mil tiveram as suas distâncias determinadas com um erro inferior a 10% e 50 mil com um erro inferior a 20%; 400 foram medidas com erros de apenas 1% — até então apenas 50 estrelas tinham tido as suas distâncias medidas com uma precisão semelhante a partir de observatórios na Terra.
Mas o estudo da nossa galáxia, a Via Láctea, e das estrelas que a compõem, necessita de maior precisão. Por exemplo, para conhecer a luminosidade real das estrelas maiores, designadas de supergigantes, é necessário determinar com exactidão as distâncias de uma amostra significativa. Num raio de mil anos-luz, distância a que os erros do Hipparcos já são da ordem dos 20%, existem muito poucas estrelas deste tipo. Outro exemplo diz respeito à estrutura da Via Láctea. Para perceber como as estrelas orbitam o centro da Via Láctea e a estrutura dos seus braços espirais, é necessário obter distâncias e velocidades de milhões de estrelas, até à região do centro galáctico, com elevada precisão. Estes problemas foram deixados em aberto pelo Hipparcos e motivaram o desenvolvimento de uma nova missão, bastante mais ambiciosa.
Depois de 2 décadas de desenvolvimento, o observatório astrométrico Gaia (Figura 3), sucessor do Hipparcos, foi lançado em Novembro de 2013. Orbita actualmente o Sol numa localização especial, conhecida por Ponto de Lagrange 2 (L2), em que a gravidade do Sol e da Terra se cancelam, e encontra-se em fase de avaliação e calibração dos instrumentos.
Este observatório vai permitir determinar as distâncias de cerca de 20 milhões de estrelas com um erro de apenas 1%. Para 200 milhões de estrelas adicionais, o erro vai ser inferior a 10%. Estrelas situadas na região central da Galáxia, a cerca de 27 mil anos-luz, vão ter a sua distância determinada com erros na ordem dos 10% apenas. Com os dados recolhidos ao longo dos 5 anos da missão, será possível compilar um catálogo com as posições, paralaxes, temperaturas e velocidades de mais de mil milhões de estrelas. Este catálogo servirá várias gerações futuras de cientistas, contribuindo de forma decisiva para o conhecimento da Via Láctea, a nossa ilha no Universo, e das suas estrelas.
Nota: este texto foi originalmente publicado na revista “Parques e Vida Selvagem”, número 47, do Parque Biológico de Gaia.
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Em primeiro lugar temos que saber onde estamos do espaço, para depois correr atrás do prejuízo;
Quero dizer que a ciência desconhece a perpendicularidade dos raios do sol, e estão usando estes mecanismos para medir as distancias para fora da terra.
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