Às 12h50m (em Portugal continental) do passado dia 11 de Março, o instrumento japonês MAXI/GSC a bordo da ISS (International Space Station) detectou uma nova fonte de raios X na direcção da constelação do Ofíuco, junto à confluência com as constelações da Serpente e da Águia. Como não havia nenhuma fonte de raios X catalogada nessa posição, a equipa teve o previlégio de baptizá-la com o nome de MAXI J1820+070. A descoberta foi rapidamente difundida pela comunidade astronómica através de uma mensagem no sítio The Astronomer’s Telegram.
Vários astrónomos, em diferentes instituições, colaboraram na campanha de monitorização do objecto que se seguiu. Algumas horas depois da descoberta, observações realizadas com um dos telescópios remotos do iTelescope em Siding Spring, na Austrália, identificavam uma “nova estrela” de magnitude 13 na posição do MAXI J1820+070, onde antes havia apenas uma estrela de magnitude 18. A “nova estrela” coincidia com um transiente óptico de natureza incerta detectado quatro dias antes pelo projecto ASAS-SN (e designado por ASASSN-18ey). O objecto foi também escrutinado pelo observatório SWIFT em raios X, ultravioleta e em luz visível, tendo sido confirmada a coincidência com o ASASSN-18ey.
Examinado com o telescópio de 1 metro do Las Cumbres Observatory, em Cerro Tololo, no Chile, o comportamento do objecto na região do visível era reminiscente de sistemas binários conhecidos por LMXB (Low Mass X-ray Binaries). Estes sistemas são compostos por um objecto compacto — um buraco negro ou uma estrela de neutrões — e uma estrela normal pouco maciça que orbitam um centro de massa comum em poucas horas.
Uns dias depois, perto dali, em Cerro Pachón, espectros obtidos com o telescópio SOAR (Southern Astrophysical Research) mostravam sinais típicos de uma erupção. Quase em simultâneo, o NICER (Neutron star Interior Composition Explorer), outro instrumento a bordo da ISS, observava flutuações de brilho em raios X que são características de LMXBs com um buraco negro.
No Japão, observações na região óptica de alta cadência temporal detectaram flutuações de brilho com escalas de apenas 10 mili-segundos sobrepostas a erupções e modulações com escalas de 100 a 200 segundos. Isto implica que o objecto em que têm origem tem de ser muito pequeno, com apenas alguns quilómetros de extensão. No dia 19, observações com o radiotelescópio RATAN-600, na Rússia, mostravam um espectro típico de jactos de partículas relativísticas emitidos por um buraco negro. Entretanto, o interesse no MAXI J1820+070 era já tão grande que foi possível activar tempo especial de observação — designado de Target of Opportunity — em dois dos maiores telescópios do mundo, o Gran Telescopio de Canarias, de 10 metros, e o Kueyen, um dos 4 gigantes de 8 metros do Very Large Telescope. Espectros obtidos com estes instrumentos entre 16 e 26 de Março mostram a existência de um vento de partículas que emana do sistema a uma velocidade de 1500 quilómetros por segundo bem como características espectrais semelhantes às observadas na erupção de um outro LMXB contendo um buraco negro, o V404 Cygni, em 2015.
Sistemas deste tipo podem permanecer anos a fio quiescentes, passando totalmente despercebidos aos astrónomos. Então, de repente, e por razões ainda não totalmente compreendidas, entram em erupção e alcançam notoriedade. No momento em que escrevo, os astrónomos continuam a estudar em detalhe a evolução do MAXI J1820+070, mas é quase certo dizer-se já que há um new kid on the block na lista de buracos negros da Via Láctea.
1 comentário
É isto! Este é o caminho…