Ao observarmos a imagem anterior, podemos cometer o erro de pensar que estamos perante um conjunto de estrelas da Via Láctea, pelo menos assim se acreditou há uns bons anos quando ocorreram as primeiras observações.
A seta vermelha evidencia um objeto de enorme interesse astronómico que será alvo de análise ao longo deste artigo: uma máquina do tempo.
Uma das características mais notáveis do Universo ocorre quando observamos o espaço. Como a luz viaja no espaço a uma velocidade finita (300.000 km/s), à medida que olhamos para objetos cada vez mais distantes, temos oportunidade de contemplar o passado. Por exemplo, ao observarmos a Lua, vemo-la como era há 1 segundo; (1 segundo é quanto tempo um raio de luz necessita para dar 7 voltas em torno da Terra); quando olhamos para o Sol, vemo-lo como era há 8 minutos; quando olhamos para a estrela mais próxima, Próxima Centauri, vemos a sua luz que foi emitida há 4,2 anos-luz e quando observamos a galáxia mais próxima, Andrómeda, recuámos no tempo 2.500.000 anos-luz.
Os objetos ilustrativos do parágrafo anterior encontram-se relativamente perto de nós em termos astronómicos, o que nos leva a perguntar: como poderemos medir a distância de objetos extremamente distantes? Por exemplo, um quasar, localizado a 2.400.000.000 anos-luz (23.000.000.000.000.000.000.000 km)?
Teoricamente, bastará medir o desvio para o vermelho do espetro de energia e deduzir a distância através da expressão da Lei de Hubble. A constante de Hubble (H) indica-nos a velocidade de expansão do Universo e, atualmente, o seu valor é próximo dos 70 km/s/Mpc. Por exemplo, se o espetro de um objeto distante indicar uma velocidade de 500 km/s, significa que ele está à distância de 7 Mpc (500/70).
O problema é que o espetro de alguns objetos parece não se assemelhar a nenhum espetro conhecido, e foi isso que aconteceu com o objeto assinalado pela seta vermelha. Somente nos anos 60, é que se percebeu que as riscas principais do espetro estavam enormemente desviadas no sentido do vermelho (Redshift). Vamos ver o espetro ótico de um desses objetos, que hoje sabemos ser o Quasar 3C 273:
No espetro inferior, também chamado de comparação, corresponde ao observado aqui na Terra; os valores das riscas de hidrogénio (delta, beta e gama) correspondem a 410 nm, 434 nm e 486 nm. No espetro superior verificamos que essas três riscas estão presentes no Quasar 3C 273, embora muito desviadas no sentido da cor vermelha.
Um desvio para o vermelho tão grande deverá corresponder a uma distância incrivelmente enorme.
Como calcular a velocidade do Quasar 3C 273?
É um cálculo muito mais fácil do que se pode imaginar. Começamos por pegar numa régua e medir no ecrã do PC a distância entre as linhas Hδ a Hβ no espetro de comparação. Obtive 36,5 mm. O fator de escala que vamos utilizar será a diferença entre os comprimentos de onda a dividir pela mediação feita no ecrã, ou seja: (486 – 410) / 36,5 = 2,08 nm/mm.
Agora, medimos novamente com a régua (no ecrã do PC), a distância do Redshift para a linha Hδ e o resultado é 33 mm, o que conduz a um Δλ de 68,7 nm (2,08 x 33).
A velocidade do Quasar é:
Para melhor percebemos a velocidade obtida, relevo que corresponde a 17% da velocidade da luz.
E como calcular a distância ao Quasar 3C 273?
O resultado obtido diz-nos que quando observamos ao telescópio o Quasar 3C 273, estamos a vê-lo tal como era há 2,4 mil milhões de anos-luz, altura que na Terra só havia bactérias e pouco mais.
Uma outra questão que podemos colocar é: se este objeto está tão distante, a sua luminosidade deverá ser muito, mas muito maior que a mais brilhante das galáxias?
O Observatório virtual Chandra, DS9, possibilita a medição dos fotões emitidos pelo Quasar (jato incluído); o valor obtido é de 7 x 10^-12 ergs/cm^2/s.
Ora, o valor encontrado refere-se apenas ao captado na Terra. Para calcularmos a luminosidade total (aquela que é emitida em todas as direções do espaço), temos de considerar uma esfera com centro no Quasar e raio na Terra (no detetor do Observatório Chandra).
Utilizando o valor da distância encontrada na questão anterior, o total de radiação emitida será:
Refletindo um pouco neste resultado, verificamos que o 3C 273 é 100.000.000.000 vezes mais luminoso que o Sol (10^33 ergs/s); ou então, numa comparação mais percetível, o Quasar, que é um núcleo de uma galáxia, é 10 vezes mais luminoso que toda a Via Láctea (núcleo e 100.000.000 a 400.000.000 estrelas).
Outra questão que podemos colocar é: como poderemos determinar o tamanho do jato?
É uma tarefa simples e o procedimento é o seguinte: voltando ao DS9, se somarmos o número de pixels da extensão do jato, contados na vertical ou horizontal, vamos obter 15; sabendo que cada pixel corresponde a 0,5 segundos de arco (resolução do Chandra), então o tamanho aparente será de 15 x 0,5 x raiz de 2 = 10” (ao rodarmos a imagem os pixels deixaram de ser quadrados e passaram a ser losangos, pelo que aplicando o teorema de Pitágoras, a diagonal do quadrada será raiz quadrada de dois).
Convertendo 10” em radianos e multiplicando pela distância ao Quasar, vamos obter o seu comprimento mínimo:
Que resultado fascinante… 35 Kpc, é maior que o diâmetro da nossa galáxia (25 Kpc)! No cálculo foi assumido que o jato é perpendicular à nossa linha de visão, pelo que o resultado corrigido será 35 Kpc / sin(i),
Uma pergunta para finalizar: qual o tamanho deste Quasar?
Infelizmente não é possível calcular o tamanho do Quasar por este método uma vez que a sua luz saturou o detetor do Observatório Chandra. Isto significa que a luz que vemos na imagem é superior ao verdadeiro tamanho do objeto, mesmo tendo utilizado um artefacto (ponto negro central) para evitar a saturação
Uma alternativa será medir o período de variação de brilho, que vai desde dias a semanas. Ora, esta rápida mudança diz-nos que o objeto deve ser bastante pequeno, cerca de metade do tamanho do nosso sistema solar.
Imagine-se um objeto tão pequeno capaz de produzir quantidades brutais de energia, que como vimos é 10 vezes mais luminoso que as centenas de milhões de estrelas da nossa galáxia.
Este magnífico e potente objeto encontra-se localizado no centro duma galáxia elítica gigante com tamanho aparente de 30 segundos de arco, que equivale a mais de 100 Kpc de diâmetro (4 vezes a Via Láctea) e é um dos mais próximos de nós. O quasar mais distante conhecido possui um redshitf de 7,085, que corresponde à incrível distância de 12.9 mil milhões de anos-luz.
Os Quasares encontram-se a enormes distâncias porque são um produto do Universo primitivo, funcionando como autenticas máquinas do tempo. É possível que um observador numa galáxia da vizinhança do Quasar 3C 273, contemple a Via Láctea e a veja num estado de evolução primitivo, talvez como um Quasar!
Para aprender mais, recomendo o curso Analyzing the Universe, ministrado pelo Prof. Dr. Terry A. Matilsky.
10 comentários
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Adoro esta publicação especialmente toda a explicação cientifica.
Parabéns Ruben.
Continua
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Obrigado Dilma. Fico feliz por saber que gostaste 😉
Prezado amigo. Presume-se, partindo dessa observação, que a quantidade de energia havida no passado em menor espaço dimensional está se dissipando, diante da expansão universal. Então os objetos distantes são mais densos e com mais energia do que os atuais. Quanto menor a distância mais próximo do tempo presente, o que faz entender menos denso. Essa particularidade pode explicar a diferença de energia. Olhando para longe estamos vendo não somente o passado, mas a dimensão minúscula de um mundo mais denso que o nosso. Essa minha linha de raciocínio tem lógica?
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José, eu diria que sim, que tem lógica, mas alerto para o facto deste Quasar ser dos mais próximos de nós.
Se quisermos perceber melhor a escala temporal em termos de redshift, então temos de ter presente o seguinte:
z=0, hoje;
z=0,158, Quasar 3C 273;
z= 0,29, a energia escura passa a dominar o Universo (anteriormente dominado pela matéria);
z=0,64, a expansão do Universo passa a ser acelerada (anteriormente era desacelerada). Nesta época, o Universo tinha cerca de 8.000.000 anos;
z=3,875, a matéria passa a dominar o Universo (anteriormente dominado pela radiação).
Um abraço.
Obrigado pelo excelente artigo! Aprendi muito em tão sucinta mas rica explanação!
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Obrigado pelo comentário Francisco. Apreciei bastante.
Fantástico artigo, um objecto “10 vezes mais luminoso que toda a Via Láctea!”
Excelente a forma como explicas os cálculos 🙂
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Obrigado Manel. As contas estão arredondadas uma vez que em Astronomia as grandezas sucedem-se em múltiplos de 10. Não considerei a subtração do traço quase perpendicular ao jato pois penso que será um problema relacionado com ótica e o seu contributo para a luminosidade total não deverá exceder o tal múltiplo de 10. Abraço 🙂 .
Excelente… com uma finalização fantástica 😀
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Obrigado Carlos 🙂 Aproveitei para corrigir o tamanho do jato pois tinha considerado que estava perpendicular à nossa linha de visão (sin(90) = 1), mas pode não estar; por exemplo, se estiver a 45º, então o comprimento poderá rondar os 50 Kpc. Abraço.