Colónia de Chroococcidiopsis thermalis.
Crédito: CCALA.
A fotossíntese é um processo biológico no qual plantas, algas e cianobactérias utilizam complexos proteicos ricos em clorofila para captar a energia radiante do Sol e convertê-la em energia química. A absorção da radiação luminosa por estes complexos é realizada em comprimentos de onda nas regiões do azul e do vermelho do espectro eletromagnético.
Apesar da radiação vermelha-longínqua possuir energia suficiente para conduzir todos os passos deste processo, o rendimento quântico da fotossíntese (i. e., número de moles de CO2 fixadas ou de O2 libertadas por mole de fotões absorvida) decresce abruptamente em comprimentos de onda superiores a 680 nm. Um grupo de cientistas vem agora demonstrar que este fenómeno, conhecido por queda no vermelho, não é universal. A descoberta revela novos detalhes acerca dos mecanismos básicos de funcionamento da fotossíntese e poderá ser usada no melhoramento genético de plantas com interesse económico.
Na biosfera terrestre, a conversão de luz visível em energia química depende quase exclusivamente da presença de clorofila a. Ingredientes únicos dos centros de reação da fotossíntese oxigénica, estas moléculas definem o limite na faixa do vermelho onde é produzido o mínimo de energia necessário para alimentar todo o processo. Este limite tem sido usado em astrobiologia como critério para avaliar se um exoplaneta possui condições favoráveis para o desenvolvimento de formas de vida complexas.
Contudo, este paradigma foi desafiado quando em 1996 um grupo de cientistas japoneses isolou um novo microrganismo fotossintético (uma cianobactéria simbiótica a que foi dado o nome de Acaryochloris marina) capaz de manter um elevado rendimento fotossintético utilizando apenas radiação vermelha-longínqua. Neste organismo, a clorofila a encontra-se substituída quase na totalidade por clorofila d, um fotopigmento que absorve radiação luminosa em comprimentos de onda próximos dos 720 nm.
Mais recentemente, investigadores australianos descobriram uma nova molécula, a clorofila f, com capacidade para absorver radiação com comprimentos de onda superiores. Este novo pigmento foi isolado em quantidades vestigiais, a partir de amostras de estromatólitos recolhidas em Shark Bay, na Austrália, pelo que os cientistas assumiram que seria apenas um pigmento acessório, funcionando em conjunto com outras moléculas como “antenas” captadoras de luz solar. Este novo trabalho vem agora demonstrar o contrário.
Usando culturas de Chroococcidiopsis thermalis (uma cianobactéria perifítica vulgarmente encontrada em nascentes hidrotermais de água doce), a equipa liderada por Bill Rutherford do Imperial College London, no Reino Unido, identificou um novo tipo de fotossíntese em que a clorofila f desempenha o papel de dador primário de eletrões fotoexcitados. “Esta nova forma de fotossíntese fez-nos repensar o que pensávamos [até agora] ser possível”, explicou Rutherford. “Mudou também a forma como compreendemos os principais eventos [que ocorrem] no coração da fotossíntese padrão. Isto é material com potencial para alterar os manuais escolares.”
Ao contrário de A. marina, que vive em simbiose com ascídias coloniais nas águas que rodeiam as ilhas Palau, no extremo ocidental do Oceano Pacífico, C. thermalis pode ser encontrada numa gama muito mais alargada de habitats, o que sugere que este novo tipo de fotossíntese não resultou de uma adaptação circunscrita a condições extremas. De facto, a clorofila f só desempenha a função de centro de reação da fotossíntese quando os níveis de luz visível são particularmente baixos. Em condições de luminosidade normal, C. thermalis recorre à fotossíntese padrão, com a clorofila a a assumir o papel de dador primário de eletrões fotoexcitados.
Pensava-se que os danos provocados nos fotossistemas pela exposição à radiação luminosa seriam mais severos em comprimentos de onda além da queda no vermelho. No entanto, este novo trabalho demonstra que tal não acontece em ambientes com baixa luminosidade. “A descoberta de um tipo de fotossíntese que funciona além da queda no vermelho altera a nossa compreensão acerca dos requisitos energéticos da fotossíntese”, disse Andrea Fantuzzi, um dos coautores do trabalho. “Isto permite-nos adquirir um conhecimento mais aprofundado acerca do uso da energia radiante e dos mecanismos que protegem os fotossistemas dos danos provocados pela luz.”
O estudo destas novas formas de fotossíntese fornece uma imagem mais detalhada de todo o processo. Com este novo trabalho é possível perceber que o passo químico crucial desempenhado pelo par de moléculas de clorofila a que reside no centro do complexo pode ser, na verdade, extensível às clorofilas que fazem parte do grupo de pigmentos acessórios. “Não esperava que o meu interesse nas cianobactérias e nos seus diferentes estilos de vida iria desembocar numa profunda mudança na forma como compreendemos a fotossíntese”, afirmou Dennis Nürnberg, primeiro autor do trabalho. “É impressionante o que ainda se encontra na natureza à espera de ser descoberto.”
A descoberta poderá ter uma aplicação direta no melhoramento genético de cultivares. As estratégias usadas pelas cianobactérias para se protegerem dos danos provocados pelas variações de intensidade luminosa poderão ajudar os investigadores a produzir plantas com capacidade de usarem a radiação luminosa de uma forma mais eficiente.
Podem encontrar mais detalhes acerca deste trabalho aqui.
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