Robots: mais eficiência, menos inteligência

Há 40 anos divertia-me com a banda desenhada da Disney.

Lembro-me de uma estorinha em que o professor Pardal, inventor genial mas muito ingénuo, visitava a vovó Donalda, arquétipo da velha ordem agrária. Ela vivia numa quinta antiquada da qual retirava tudo o que necessitava tendo por companhia os seus animais.

Ora, o professor Pardal, cujo slogan era “inventos sob encomenda”, ao chegar à quinta fica surpreendido com o atraso tecnológico e tratou de a modernizar. Tudo foi substituído na quinta pela mecânica e pela técnica, incluindo os novos “mec-animais” que substituíram os animais da quinta…

Há 40 anos esta “estorinha” era apenas uma fantasia que reflectia um futuro longínquo e eventualmente pouco provável. Acontece que o robot “Atlas” que aqui se mostra veio trazer os “mec-animais” da Disney para o mundo real.

Por enquanto os robots estão limitados a espaços confinados e não possuem recursos nem de mobilidade, nem de inteligência artificial que lhes permitam fazer algo mais do que executar tarefas rotineiras, em especial em linhas de montagem de fábricas. Quanto muito a sua mobilidade resume-se a ambientes propícios, por exemplo essas fábricas. Aí o reino da mobilidade restringe-se a superfícies planas e desimpedidas, e os robots usam sobretudo rodas, o que lhes limita enormemente a liberdade de movimentos e de acção.

Não que as rodas não permitam tarefas de enorme complexidade. A exploração espacial está aí para o demonstrar, como se pode constatar pelo sucesso dos vários rovers robotizados que exploram actualmente a superfície de Marte.
Mas o preço das rodas é alto: terrenos caóticos e vastos nunca permitirão grandes avanços. A vida na Terra está aí para o provar. Pernas, mãos, garras e mandíbulas são de longe muito mais eficientes do que as limitadas rodas. Não será por acaso que a vida nunca apostou em rodas.

Agora o Atlas e os outros robots estão aí para marcar um ponto de inflexão neste tipo de máquinas. Eles andam, correm, pulam, saltam… como humanos, e com poucas alterações, como qualquer animal da terra, de mamíferos a insectos.
Se juntarmos a isto a inteligência artificial, podemos perceber que finalmente as máquinas de fantasia da Disney – e de muitos outros sonhadores – estão a sair do papel para o mundo real.

Este é pois o momento em que temos mesmo que fazer uma reflexão sobre o que vamos querer que essas máquinas sejam.

Servidores da vida e da humanidade, ou um novo ramo da existência, onde a vida cria máquinas que emulam a vida?
A decisão está obviamente no lado do Ser humano.
Que autonomia lhes queremos dar? Que inteligência lhes iremos permitir?

Não tenho dúvida de que os novos robots irão ser uma presença global num futuro próximo.
Na Terra, no quotidiano dos cidadãos, para facilitar a vida.
No espaço serão eles os precursores. Seja na Lua, seja em Marte, ou em qualquer outro corpo celeste que possamos visitar, estes serão os primeiros a chegar.

Antes de enviar gente, serão os robots, geridos por seres humanos e com mais ou menos autonomia que farão o trabalho complexo, perigoso e sujo. Quando o terreno tiver sido preparado, então os humanos irão fazer aquilo que melhor sabem, e que nenhum robot pode, pelo menos para já: ser curiosos, divertidos, apaixonados, com sede de saber, que são exclusivos da vida e da inteligência que nela habita.

Máquinas são máquinas. Será que é isso que irá prevalecer? Ou será que iremos querer substituir-nos por elas, melhorar a vida, ir além dela? Deveremos criar robots humanoides? Iremos preferir amar essa artificialidade, em vez de preferir a vida baseada no carbono?

A nossa paixão pelo virtual e pelo digital podem apontar para tendências futuras. Não creio que valha a pena ter medo dos novos robots e da evolução técnica. Ela está aí e nada a irá parar. Temos apenas que fazer escolhas acerca dos novos “mec-animais”.

A estorinha dos mec-animais do professor Pardal quase acabou mal: o génio perdeu o controlo e estes quase destruíam a quinta da vovó Donalda. Foi necessário um esforço do nosso génio para retomar o controlo das máquinas.

Por mim é simples: para eles, mais eficiência, menos inteligência.
Sou um chauvinista do carbono. Máquinas nunca devem parecer demasiado humanas. O humano deve prevalecer sobre a máquina. A vida é sagrada, máquina não. Isto já o Isaac Asimov cogitava há 70 anos. Era uma fantasia romântica. Hoje pode transformar-se em algo bem real.
Romântico ou pesadelo mecânico, compete à humanidade escolher.

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