Índios e presidentes

Façamos o seguinte exercício: imaginemos que somos um índio por volta de 1500, que se encontra sozinho numa praia de um território que mais tarde se haveria de chamar Brasil. Imaginemos que o nosso índio tenha avistado uma enorme “canoa”, de velas enfunadas e com uma cruz vermelha pintada em cada vela.
Imaginemos com um esforço adicional, que esse índio solitário tenha conseguido avistar, dentro da dita “canoa”, figuras quase tão humanas como ele mesmo. Ninguém mais avistou a dita canoa. Todos os outros membros da tribo estavam na floresta a cuidar dos afazeres; gente com mais bom-senso, e portanto mais interessada em encontrar alimentos ou combater tribos inimigas, do que ficar a passear numa praia, imaginando o que estaria do outro lado da vastidão infindável do oceano.
Mas o nosso índio não. Ele sonhava, e queria saber. Quem sabe se a morada dos Deuses não estaria justamente do outro lado desse oceano? Afinal, as figuras que ele avistou eram semelhantes a si mesmo. Pareceu-lhe que tinham cabeça, tronco, braços e pernas como ele. Mas, ao contrário de si mesmo, estavam vestidos dos pés à cabeça, e pareciam manejar artefactos que lhe pareceram tão fantásticos quanto a enorme e exótica canoa que os transportava.
Afinal, a hipotética morada dos Deuses seria tão diferente e oposta ao seu mundo, ou pelo contrário, aquilo que existisse do outro lado eram apenas e mais ou menos uma recriação do seu próprio mundo?
Seriam as criaturas que vislumbrou os Deuses de que a tribo tanto gostava de falar? Seriam benévolos, ou pelo contrário maléficos?
Viriam estes estranhos visitantes falar com a nossa tribo, ou seguiriam o seu caminho, ficando ele apenas com uma estória boa para contar, talvez à volta de uma fogueira onde se cozinhava a próxima refeição?

Imaginemos finalmente que o nosso índio acabou por desistir de ver ou entender mais sobre a referida canoa, voltando costas ao mar e embrenhando-se na floresta em busca dos seus. Quando lhes conta a sua estória, recebe em troca um misto de curiosidade e de troça, misturada com algum medo. Uma canoa gigante com homens dentro, podia lá ser?! Nunca ninguém tinha visto tal coisa.
O nosso pobre índio terá passado o resto da vida sendo alvo da chacota da tribo. Toda a gente sabia que ele era muito dado ao sonho e à imaginação, e que do outro lado do mar (talvez fosse infinito, mesmo do alto do monte mais alto não se via o fim) não havia nada nem ninguém. Pelo menos assim o afirmavam os velhos sábios e os Xamãs da sua tribo.

Do ponto de vista de um nativo brasileiro, o velho mundo que assomava às suas portas em 1500, trazido pelas naus de Cabral, era isso mesmo: um outro mundo, repleto de novidades e de perigos.
Eram humanos como eles, mas transportavam em si doenças mortais.
Vieram com a cobiça nos olhos, e não se coibiram de torturar, matar e roubar o que encontravam.
O choque tecnológico era abissal; nenhum índio podia combater eficazmente o invasor vindo do mar. As suas armas e a sua tecnologia eram invencíveis. Os novos senhores do mundo, trazidos pelo mar, rapidamente entraram e conquistaram o seu mundo.
Nos seus espíritos vinha o desprezo; para eles, o nativo era considerado como sub-humano. A sua cultura, como a sua tecnologia e civilização, eram consideradas inferiores, e havia um novo mundo a conquistar.
O resultado desse encontro, e desde a Patagónia ao Alasca, consta dos livros de História moderna: o quase extermínio de toda a população nativa das duas Américas.

A Terra já não tem “novos mundos” a descobrir. Nenhum recanto do globo ficou por encontrar, nada escapa aos espiões que povoam os céus desde há cem anos. Mas esta constatação não transporta em si nenhuma promessa de segurança. Quando deixámos de olhar para o mar aprendemos a olhar para esse oceano infinitamente mais vasto que é o Cosmos. E nos dias que vivemos, a cada dia, novos mundos são revelados a este mesmo velho mundo que, a bem ou a mal, temos vindo a unificar.
Verdade seja dita, são mundos infinitamente distantes e as nossas “canoas”, mesmo quando impulsionadas por modernos e potentes foguetes, não nos conseguem levar até eles. Tirando uns quantos objectos do Sistema Solar, nenhum planeta extra-solar poderá ser um dia visitado, tanto quanto a moderna ciência nos parece impor. As estrelas, com os seus séquitos de planetas, estão para já vedados à Humanidade.
As leis da física e da relatividade e a temível lentidão da velocidade da luz parecem querer impedir-nos de algum dia abandonarmos o nosso lar primordial em direcção às estrelas. A menos que, e como essa mesma física às vezes parece apontar, existam caminhos mais curtos entre dois pontos do que uma linha recta. Talvez o tecido do espaço tempo permita mesmo a sua expansão e contracção, permitindo dessa forma percorrer os anos-luz sem com isso violar as leis da física.

Faz parte da mitologia moderna: toda a gente fala sobre aquilo que não existe, mas que uma larga maioria da população diz ter visto: objectos que se deslocam no céu, fazendo manobras e atingindo velocidades que nenhum veículo feito por humanos pode alguma vez atingir.
Não estou a falar da ridícula e famosa área 51. Uma instalação militar supostamente secreta algures no estado do Nevada e que só muito recentemente o governo dos E.U.A. assumiu existir. Ver veículos anómalos a voar na zona não é nada de surpreendente, nem faz com que as visitas de supostas entidades biológicas extra-terrestres pareçam ser verdade: foi lá que os aviões de topo dos militares americanos foram desenvolvidos. Desde o célebre U2, passando pelo black bird, aos aviões de tecnologia stealth (invisíveis ao radar), até às asas voadoras, tudo isto foi feito por lá. Foi também nesta instalação militar que os Norte-Americanos desmontaram peça a peça um caça Soviético.
Mas não é disso que se trata. Trata-se antes de tentar entender se, no meio de um ruído infernal e de um oceano de lixo que povoa o ciber-espaço sobra alguma coisa que verdadeiramente mereça a nossa atenção.

Vem isto a propósito de uma entrevista feita à candidata presidencial dos E.U.A., Hilary Clinton, sobre o fenómeno OVNI (Objecto Voador Não Identificado). Há apenas 10 anos Barack Obama respondia com uma sonora gargalhada a essa mesma questão. Hilary Clinton reage de modo diferente, e, num esforço de demonstração de que se encontra um passo à frente, informa o entrevistador que já não se designam por OVNIS, mas sim por Fenómenos Aéreos Inexplicados.
Muda o quê? A forma de designação, quanto muito!
O que surpreende aqui, pelo menos aos mais desatentos, é o que está implícito em tal afirmação: o reconhecimento de que se passam na atmosfera terrestres fenómenos inexplicados.
Afinal, aquilo que gente comum vem dizendo há décadas, muitas delas ignorantes sobre tudo o que se passa na atmosfera terrestre, como por exemplo os sprites, enormes descargas eléctricas na alta atmosfera. Mas também gente bem posicionada – onde se contam astronautas ou altas patentes militares, só para citar alguns -, acaba por merecer de altas figuras da política mundial algum interesse.

Nesta entrevista feita a Hilary Clinton e nos artigos da Scientific American ou no artigo do New York Times, não há nenhuma afirmação ou confirmação da existência de vida inteligente no universo nem muito menos a sua visita ao nosso planeta.
Mas há algo de novo no ar: gente séria e capaz de encarar de frente a questão, apesar do medo do desconhecido que, à semelhança do nosso índio pré-cabralino, nos leva em manada a oscilar entre o medo e a chacota, e tem também por isso mesmo afastado gente séria da ciência.

Do meu ponto de vista é para já simples lidar com esta questão: afirmações incríveis exigem provas incríveis, e essas eu não as vi. O que não significa que elas não existam. Eu posso estar na mesma posição em que se encontravam os restantes índios no dia em que um único membro da sua tribo viu as primeiras caravelas portuguesas. Pode acontecer que, da mesma forma que a soberba da Igreja impediu as autoridades eclesiásticas da sua época de aceitar as descobertas de Galileu e do seu telescópio, possamos agora estar a cair no mesmo erro: quem detém o poder não gosta de o ver questionado, e os cientistas da actualidade ocupam de alguma forma o lugar de poder que antes pertencia à Igreja.
Mas os sinais estão aí. Aprecio aqui a coragem de entrevistador e entrevistados e a coragem de uma publicação como a Scientific American de abordar este assunto. Aprecio sobretudo a sobriedade com que Clara Moskowitz, editora sénior desta prestigiada revista aborda esta questão. Parece que já nem todos os cientistas sérios fogem da matéria, apesar da assumpção da ignorância, e do cepticismo que o saber científico implica.
Mantenha-se então a mente aberta, mas não ao ponto de deixar o cérebro cair.
Para lá do medo e do perigo, e tal como aconteceu aos nativos americanos, haverá uma verdade. Parafraseando Arthur C. Clark, “ou estamos sós no Universo, ou estaremos acompanhados. Ambas as hipóteses são assustadoras”. Do medo não nos livramos. Por isso, eu afirmo: eu não quero acreditar, mas quero saber.

Fontes: New York Times, Scientific American, AstroBob, Fenómenos Atmosféricos Luminosos Transitórios, Sprites.

3 comentários

  1. Gostei do texto.

    Mas tenho uma interpretação um pouco diferente.

    Hillary respondeu aquilo porque é política: ela está a tentar obter os votos dos “maluquinhos” por estes temas. Eles também votam. Tens 58409876587623 respostas semelhantes dela, em relação a outros grupos… por exemplo: LGBT ou negros.
    É normal. Ela é política. E sabe como responder.
    O NYTimes percebeu isso, daí o título “Hillary Clinton Gives U.F.O. Buffs Hope She Will Open the X-Files” 😉

    Quanto à entrevistadora, fez o que lhe competia: chamou um tema que lhe daria um bom cabeçalho. Sem isso, ninguém saberia que existia uma entrevista da Hillary.
    Ou seja, ela fez essa pergunta para os hits. Sabendo de antemão que não existiria qualquer resposta assombrosa.
    Daí o título na Scientific American: “The Real Truth about Hillary, UFOs and Area 51” 😉

    Parece-me abusivo as comparações com Galileu e a Igreja, comparando a ciência à igreja desse tempo.
    Nada mais distante.
    Na altura os dogmatismos religiosos estavam contra as evidências científicas.
    Aqui tens os cientistas a tentar perceber quais são as evidências e elas não existem.

    A única comparação que vejo dessa forma, seria dizer que os “crentes em discos voadores extraterrestres” estão impregnados dessa crença religiosa.
    E por mais evidências concretas que não existam dessa presença extraterrestre, continuam a acreditar em algo sem provas.
    Ou seja, comparando com Galileu, os crentes em OVNIs são os crentes na Igreja desse tempo, que atualmente mesmo não tendo provas, mesmo assim preferem acreditar em vez de seguir o raciocínio lógico-científico de Galileu.

    Por fim, não me parece que os cientistas sérios fujam da matéria.
    Eu conheço alguns que estudam estes temas.
    Eu pertencia a uma associação de pesquisa OVNI em Portugal.
    Eu vi como eles pesquisavam, os equipamentos que levavam para o campo, as entrevistas que faziam, etc.
    Mas se ao fim de 50 anos (sim, alguns pesquisam isto durante este tempo todo), o que têm é uma mão cheia de nada… ou melhor, nada não, porque o resultado que tiveram é um resultado meritório… então obviamente sem evidências de presença extraterrestre querer continuar a acreditar sem evidências, passa a ser uma crença pessoal religiosa.

    É que existem imensas experiências feitas, e os resultados são claros: não há indicação de presença extraterrestre.
    É o mesmo que a astrologia, homeopatia, mediunidade, etc: existem muitas experiências feitas e percebe-se que tudo não passa de um logro, de uma combinação de crenças, psicologia, etc, mas nada de sobrenatural.
    Ou seja, sabe-se que não existe lá o que as pessoas gostariam de ter.

    abraços

    1. Carlos, eu apenas saliento a mudança de atitude de uma candidata a presidente dos EUA e a dos antecessores. Também digo no final, “eu não quero acreditar, mas quero saber” e “afirmações incríveis exigem provas incríveis”. Pessoalmente já fiz várias observações astronómicas com telescópio, algumas publicadas no “Lunar Ocultation Center” e nunca vi nada de estranho. Mas deixo a hipótese de existirem acontecimentos e factos que desconheço. Até lá prevalece a dúvida metódica. No entanto falei com pessoas que contam factos bizarros que vão muito além de luzes no céu. Essas pessoas merecem o meu respeito e eu não me arvoro no direito de as menorizar ou desprezar. São assuntos de limite e terrenos pantanosos. Dentro da ciência há várias correntes. Lembro que o Hynek era um astrónomo respeitado, convidado para gerir o Blue book, com ordens para desmistificar o assunto. Acabou por mudar de opinião e até apareceu como figurante no “Encontros Imediatos”. A ciência tem o mérito de nos dar a melhor ferramenta para abordar o mundo físico, mas não retiro o que digo: ela hoje detém o poder que em tempos pertenceu á Igreja e pode estar intransigente na matéria, o que eu entendo. É um assunto incómodo e como tal afasta gente competente e séria. Mas quando eu vejo altas patentes militares, astronautas, gente que controla mísseis atómicos, a falar deste assunto com seriedade eu paro por uns segundos. Normalmente fujo ao assunto por causa dos tais maluquinhos que entopem TV e internet com lixo. Mais uma vez digo: “não quero acreditar, quero saber”.

    2. 🙂


      “saliento a mudança de atitude de uma candidata a presidente dos EUA e a dos antecessores.”

      Não te lembras das famosas palavras de Reagan, por exemplo 😉


      “eu não quero acreditar, mas quero saber”

      Sim, como todos nós.
      E tal como nos casos da astrologia, homeopatia, etc, também neste caso, sabe-se 😉


      “No entanto falei com pessoas que contam factos bizarros que vão muito além de luzes no céu.”

      Verem algo desconhecido, e pensar que é extraterrestre, vai uma enooooooorme distância 😉


      “Essas pessoas merecem o meu respeito e eu não me arvoro no direito de as menorizar ou desprezar.

      Ninguém está a desprezar as pessoas.
      Mas a própria investigação científica percebe que os testemunhos não são credíveis, já que os Humanos têm a incrível capacidade para afirmarem verem coisas que não viram… mesmo sem estarem a mentir.
      Existem imensos estudos sobre isso.
      Assim como existem até programas de TV, como a SIC em 1998, que provou isso numa simples experiência social.

      Nada disto menoriza ou despreza as pessoas.
      Mas não se pode, cientificamente, achar que testemunhos são a mesma coisa que o fenómeno.


      “Lembro que o Hynek era um astrónomo respeitado, convidado para gerir o Blue book, com ordens para desmistificar o assunto. Acabou por mudar de opinião”

      Não sei o que entendes por “mudar de opinião”.
      Mas lembro que ele decidiu entrar por crenças pseudo… sem quaisquer evidências, a não ser a sua crença pessoal… nos outros.
      Ele próprio afirmou que nunca tinha visto um “verdadeiro UFO”… o que quer dizer que só acreditava noutras pessoas.
      Acreditar em pessoas… é diferente de ter evidências.

      E lembro novamente, que nada disto sequer evidencia intervenção extraterrestre. Podem ser milhentas explicações diferentes (como dizia Hynek) e todas naturais (como nos tem mostrado a ciência em milhentos outros assuntos que já foram dúbios).


      “pode estar intransigente na matéria”

      Mais uma vez, há uma enorme diferença: a ciência faz experiências e retira as evidências disso.
      Não são opiniões ou crenças pessoais.

      Podes é não aceitar as conclusões da ciência e dizeres que queres sempre mais e mais… até a ciência provar aquilo que queres… mas isso já não é ciência 😉


      “É um assunto incómodo e como tal afasta gente competente e séria.”

      Não me parece.
      Como disse no meu último comentário, conheço várias pessoas competentes e sérias que estudam isso. Mesmo que não estejam nas notícias ou façam programas no History Channel porque as conclusões não “vendem”.
      E incómodo tenho a certeza que não é… nem para mim nem para quem estuda este fenómeno.


      “Mas quando eu vejo altas patentes militares, astronautas, gente que controla mísseis atómicos, a falar deste assunto com seriedade”

      A diferença é que não é com seriedade…
      Eu não sou agricultor, por isso não posso falar de agricultura com seriedade…
      Se eu começar a dizer que as couves nascem em árvores, isso não faz de mim conhecedor de agricultura, mesmo tendo um doutoramento ou ser “alta patente” em assuntos não relacionados.

      Não tens ninguém com mais experiência e conhecimento que Buzz Aldrin, e até ele conta como foi enganado por Vénus, em que pensou que era um UFO que o perseguia.
      Só quando pousou num porta-aviões é que percebeu do que se tratava.
      Se não tivesse parado, teria continuado a pensar que era um UFO.
      E repito, não encontras ninguém com mais experiência de voo e ranking de seriedade que ele…

      E não vou tornar a referir a experiência que Sagan fez em Ítaca, porque já falei disso num post.
      Centenas de pessoas teriam ido para casa a pensar que era um UFO, se ele não tivesse ido a casa buscar uns meros binóculos.


      “não quero acreditar, quero saber”

      Mas já sabes. Basta leres todas as experiências que foram feitas sobre esse assunto 😉
      Ou então, entras num grupo sério de Pesquisa OVNI e ficas a saber “in loco” as respostas 😉

      abraço!

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