Na primeira parte falei-vos da tecnologia telepática de Hans Berger, o electroencefalograma. O que é que o electroencefalograma mede? De que forma é que mede? Ainda é usado? O que mudou? E para lá do electroencefalograma, o que temos?
Sim, o electroencefalograma ainda é usado. Mais: é a técnica mais usada para medir sinais cerebrais (em parte por ser relativamente barata em comparação com as alternativas). Já não se usam os galvanómetros mencionados na primeira parte, e a forma como o sinal eléctrico é gravado também já não é em papel, como era. Não obstante, os princípios físicos da técnica mantém-se os mesmos.
O electroencefalograma mede diferenças de potencial eléctrico entre diferentes pontos do escalpe através de uma multitude de eléctrodos:
O número de eléctrodos é variável, bem como a sua localização no escalpe. A nível clínico é comum usar-se 21 eléctrodos distribuídos mais ou menos uniformemente pelo escalpe. Em investigação usam-se por vezes muito mais eléctrodos (por vezes mais de 200 eléctrodos). Nas fotos de cima podem ver dois exemplos (o de baixo tem uma touca, a qual facilita a colocação dos eléctrodos em posições pré-estabelecidas).
Note-se que como estamos a medir diferenças de potencial, precisamos de dois eléctrodos para medir um sinal eléctrico (recorde como medir diferenças de potencial eléctrico no artigo Medir o Mundo). Assim, com 21 eléctrodos medimos 20 sinais (usando um eléctrodo como referência). Eis um exemplo de um electroencefalograma:
Cada linha representa a diferença de potencial medida entre dois eléctrodos ao longo do tempo, sendo que o tempo lê-se da esquerda para a direita. Neste exemplo, vemos que a actividade cerebral se caracterizava por uma baixa amplitude e alta frequência no início da medição (lado esquerdo), mas a dada altura (mais ou menos a meio), o sinal aumentou de amplitude e a frequência diminuiu (isto é, a diferença temporal entre máximos e mínimos aumentou). O que aconteceu é que a pessoa de quem se estava a medir estes sinais cerebrais teve uma crise epiléptica que começou a meio deste electroencefalograma. De facto, esta é uma das utilizações mais importantes do electroencefalograma: permite medir crises epilépticas e outros sinais característicos de epilepsia. Além disto, também é fácil reconhecer a partir do electroencefalograma se o indivíduo está acordado, a dormir, ou morto. Ler pensamentos é outra história. Não obstante a possibilidade de inferir correlações entre determinadas tarefas mentais e os sinais medidos, não é claro que as correlações sejam sempre robustas, fidedignas e únicas, e muito menos que se possa extrapolar entre tarefas ou indivíduos. Adicionar mais eléctrodos é apenas útil até um dado limite, pois se os eléctrodos estiverem muito próximos uns dos outros, medem mais ou menos o mesmo.
A maior limitação do electroencefalograma está na sua resolução espacial. Os sinais medidos no escalpe são produzidos por correntes eléctricas geradas pelos neurónios “dentro” do cérebro (recorde o funcionamento dos neurónios aqui). Como o cérebro tem mais de cem mil milhões de neurónios, aquilo que o electroencefalograma mede é uma soma imensa de muitos sinais diferentes, em localizações diferentes do cérebro. Mais ainda, os sinais têm que atravessar vários meios antes de chegar aos eléctrodos, o que faz com que o sinal medido seja não só fraco, mas também distorcido. Ler a actividade de um só neurónio seria mais difícil que tentar ouvir uma pessoa entre todas as pessoas do mundo a falar em simultâneo! Como é que então conseguimos “ouvir” uma crise epiléptica? Conseguimos porque se trata de um “discurso” único em uníssono de uma imensa “população” de neurónios, cuja “voz” sobressai entre o “ruído global”. Mas mesmo neste caso, localizar essa população no cérebro pode ser difícil ou até mesmo impossível através da análise de um electroencefalograma.
Dados os problemas apontados, é talvez fácil de adivinhar uma das soluções encontradas para os resolver… Se medir no escape é complicado e não permite uma boa localização da actividade neuronal, porque não medir dentro do próprio crânio?! É isso mesmo que um electrocorticograma (ou electroencefalograma intracraniano) faz:
Os sinais medidos são cerca de 10 vezes mais “fortes” que aqueles que se conseguem medir no escalpe e beneficia-se ainda da ausência de artefactos eléctricos resultantes de actividade muscular, movimento dos olhos, suor, etc. (que condicionam o electroencefalograma). Porém, o procedimento requer cirurgia, pelo que só é usado em pacientes que estejam a ser considerados para tratamento cirúrgico (como é o caso de pacientes com epilepsia que não respondam a medicação). Com esta técnica consegue-se ler actividade cerebral com uma precisão espacial muito superior à do electroencefalograma, contudo o electrocorticograma é limitado pelo número e disposição de eléctrodos que é possível implantar de forma segura.
Para efeitos de investigação científica, o electrocorticograma é interessante, mas bastante limitado, visto não poder ser usado em pessoas saudáveis por questões éticas. Felizmente, temos outras opções. Se leu o artigo Medir o Mundo, como acima recomendado, saberá que correntes eléctricas produzem campos magnéticos. Assim, temos uma outra técnica para medir os campos magnéticos produzidos por essa actividade: o magnetoencefalograma. Curiosamente, se Hans Berger soubesse um pouco de Física, em vez de medir correntes eléctricas, teria talvez medido campos magnéticos para tentar verificar a viabilidade da telepatia, isto porque o ar é um muito mau condutor eléctrico… Por outro lado, Berger teria tropeçado noutra dificuldade: os campos magnéticos produzidos são extremamente fracos. Isto é, são necessários dispositivos muito sensíveis para os medir, os quais não existiam no tempo de Berger.
Quão fraco é “extremamente fraco”? Os campos magnéticos são medidos em “teslas” (tal como a distância é medida em “metros”). A unidade tesla homenageia o físico Nikola Tesla do qual já falei neste artigo. Para termos uma ideia de magnitudes e respectivos efeitos podemos considerar o campo magnético terrestre cujo efeito é notório na agulha de uma bússola: este campo magnético mede entre 25 a 65 microtesla à superfície da Terra (um micro é o mesmo que um milionésimo, isto é, uma parte num milhão). Já um magneto do frigorífico produz um campo magnético de cerca de 1 militesla. Trata-se, por isso, de um campo bastante mais forte que o campo magnético da Terra, como é aliás fácil de comprovar: quando aproximamos um destes magnetos de uma bússola, a agulha responde ao magneto, visto que a influência deste é superior à da Terra. Com uma experiência semelhante podem verificar se o vosso cérebro produz um campo magnético mais fraco ou mais forte que o da Terra. O que irão ver é que a bússola se mantém impassível à medida que a aproximam da vossa cabeça. De facto, os campos magnéticos produzidos pelo nosso cérebro são inferiores a 0.5 picotesla, ou seja, mais de cem milhões de vezes mais fracos que o campo magnético terrestre!
Para medirmos estes campos magnéticos minúsculos usamos SQUIDs, uma tecnologia que faz uso das propriedades supercondutoras de certos materiais quando arrefecidos a temperaturas muito baixas (SQUID é o acrónimo de Superconducting QUantum Interference Device, ou seja, dispositivo de interferência quântica supercondutora). O facto deste dispositivo requerer uma temperatura de funcionamento muito baixa (cerca de -270ºC) faz com que a técnica seja bastante dispendiosa e por isso não seja muito usada.
Eis um exemplo de um dispositivo que mede magnetoencefalogramas:
A máquina é enorme de novo devido ao arrefecimento. Porém, a magnetoencefalografia tem vantagens quando comparada com a electroencefalografia: os campos magnéticos não sofrem quase distorções nenhumas antes de chegarem aos sensores, o que permite uma localização mais precisa da origem dos sinais. Ainda assim, a localização não é perfeita, pois o problema é essencialmente impossível de um ponto de vista matemático. De certa forma é como tentar triangular a origem de um sinal com um número insuficiente de antenas…
Na próxima parte iremos explorar outras técnicas com maior resolução espacial que o electroencefalograma e o magnetoencefalograma.
“Aquela faixa mede a actividade mental. Se a colocares de forma tão apertada que desmaias, ela indica actividade mental reduzida.”
Bibliografia:
Este artigo foi em parte inspirado no quarto capítulo do livro: Buzsáki, G. (2006). Rhythms of the Brain. Oxford University Press.
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