Desde o início do ano que surgiu um surto de coronavírus na Cidade de Wuhan, na China. Eu entendo a preocupação inicial já que se trata de uma estirpe nova no contacto com humanos e, por isso, os nossos mecanismos de defesa não atacam com tanta eficácia.
Recentemente surgiu a ideia de que o vírus terá saído inadvertidamente do Wuhan National Biosafety Laboratory, um laboratório de biossegurança nível 4 (o nível mais elevado). No entanto não existem evidências disso e até acho muito difícil tal acontecer, devido aos protocolos e quantidade de segurança que estes laboratórios possuem.
Mas como é que o vírus infectou humanos?
Este virus é zoonótico, ou seja, tem o potencial de passar entre algumas espécies. O hospedeiro tem sido o morcego.
No SARS-CoV (Síndrome Respiratória Aguda Grave), de 2002, divergiu do morcego cujo vector para o ser humano foi um texugo e no MERS-CoV (Síndrome Respiratória do Médio Oriente) divergiu do morcego tendo como vector para o humano, o camelo.
O actual coronavírus, 2019-nCoV, divergiu do morcego tendo, talvez, como vector para o ser humano a cobra ou um texugo.
O mesmo alarme aconteceu com a gripe A, H1N1 2009, já que o H1N1 de 1918 matou entre 50 a 100 milhões de pessoas.
O que conta para o impacto de uma epidemia não é o número de mortes mas sim a mortalidade, ou seja, o número de mortes por infectados.
No caso deste coronavirus a mortalidade está baixa (neste momento 491/24300 = 0,02) mas, dependendo das vítimas, pode ter mortalidade elevada em determinados tipos de população.
Com o H5N1, a infecciosidade era baixa mas a mortalidade elevada, isto porque infectava uma população muito reduzida e restrita geograficamente. Eram pessoas com uma mutação que lhes permitia que as células conseguissem “agarrar” o vírus vindo directamente das aves, sem passar por suínos.
Pelo que li, as vítimas do 2019-nCoV são pessoas idosas.
Temos de estar atentos pois o vírus pode afectar mais outro tipo de populações que teve menos, ou nunca, contacto com coronavirus. Os idosos e crianças são os mais afectados porque as crianças ainda não têm uma memória imunitária robusta e os idosos porque a memória imunitária mantêm-se no organismo por cerca de 60 anos.
Neste momento, o 2019-nCoV está em 4 continentes (América, China, Europa e Oceania). Podemos considerar uma epidemia. Assim que a mesma estirpe chegar a África podemos considerar uma pandemia de coronavírus.
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Este é um trecho de uma sequência de DNA, de 29 mil bases de nucleótidos, do patógeno viral, o coronavírus de 2019 (2019-nCoV). Os investigadores estão a estudar os genomas virais para tentar entender a origem do 2019-nCoV.
Quando a primeira sequência do 2019-nCoV ficou disponível, os investigadores descobriram que ela estava mais relacionada aos parentes de vírus encontrados em morcegos. 96,2% semelhante a um vírus de morcego e 79,5% semelhante ao coronavírus que causa a síndrome respiratória aguda grave (SARS).
As análises mostram que o vírus poderá ter passado para o humano através de um coronavírus em civetas, que diferiam dos vírus SARS humanos em apenas 10 nucleótidos. Essa é uma das razões pelas quais muitos cientistas suspeitam que exista uma espécie hospedeira “intermediária”. A sequência de coronavírus de morcego que a equipa de Shi Zheng-Li destacou, apelidada de RaTG13, difere do 2019-nCoV em quase 1100 nucleótidos.
Na análise filogenética, tanto o SARS como o 2019-nCoV, compartilham um ancestral comum entre 25 e 65 anos e, esta análise mostra que, provavelmente, levou décadas para os vírus do tipo RaTG13 se transformarem em 2019-nCoV.
A síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS), outra doença humana causada por um coronavírus, também tem uma ligação com os vírus do morcego. Mas este vírus passou para o humano através do camelo. E a árvore filogenética do papel bioRxiv de Shi (abaixo) facilita a visualização da ligação camelo-MERS.
O Mercado de Frutos do Mar de Huanan em Wuhan, na China, desempenhou um papel inicial na disseminação de 2019-nCoV, pois mais de metade dos infectados iniciais tinham ligação ao mercado. Além disso, a “amostragem ambiental” do mercado de frutos do mar de Wuhan encontrou evidências de 2019-nCoV. Das 585 amostras testadas, 33 foram positivas para 2019-nCoV e todas estavam na parte ocidental do enorme mercado, onde é vendida a vida selvagem.
Recentemente, o facto da transmissão ter ocorrido durante o período de incubação do vírus, na Alemanha, está a deixar a comunidade médica apreensiva:
“Um empresário alemão de 33 anos de idade, saudável (Paciente 1), adoeceu com dor de garganta, calafrios e mialgias em 24 de Janeiro de 2020. No dia seguinte, uma febre de 39,1°C (102,4°F) emergiu de maneira conjunta com uma tosse produtiva. Na noite do dia seguinte, ele começou a se sentir melhor e voltou ao trabalho em 27 de janeiro.
Antes do início dos sintomas, ele participou em reuniões com uma parceira de negócios chinesa na sua empresa, perto de Munique, nos dias 20 e 21 de Janeiro. A parceira de negócios, moradora em Xangai, visitou a Alemanha entre 19 e 22 de Janeiro. Durante a sua estadia, ela estava bem, sem sinais ou sintomas de infecção, mas ficou doente no seu voo de volta para a China, onde o teste deu positivo para 2019-nCoV a 26 de Janeiro.
A 27 de Janeiro, ela informou a empresa sobre a sua doença. O rastreamento dos contactos foi iniciado e o colega mencionado acima foi enviado à Divisão de Doenças Infecciosas e Medicina Tropical em Munique para uma avaliação. Na análise, ele estava afebril e bem. Ele não relatou doenças prévias ou crónicas e não tinha histórico de viagens ao exterior nos 14 dias antes do início dos sintomas. Dois swabs de nasofaríngeos e uma amostra de escarro foram obtidos e mostraram-se positivos para 2019-nCoV no ensaio quantitativo reverse-transcriptase–polymerase-chain-reaction (qRT-PCR). O ensaio de acompanhamento qRT-PCR revelou uma alta carga viral de 108 cópias por mililitro em seu escarro durante os dias seguintes, com o último resultado disponível a 29 de Janeiro.
A 28 de Janeiro, três outros funcionários da empresa apresentaram resultado positivo para 2019-nCoV. Desses pacientes, apenas o paciente 2 teve contato com o paciente índice; os outros dois pacientes tiveram contato apenas com o paciente 1. De acordo com as autoridades de saúde, todos os pacientes com infecção confirmada por 2019-nCoV foram admitidos numa unidade de doenças infecciosas de Munique para monitorização e isolamento clínico. Até ao momento, nenhum dos quatro pacientes confirmados mostra sinais de doença clínica grave.
Este caso de infecção por 2019-nCoV foi diagnosticado na Alemanha e transmitido para fora da Ásia. No entanto, é notável que a infecção parece ter sido transmitida durante o período de incubação do paciente índice, em quem a doença foi breve e inespecífica.
O facto de pessoas assintomáticas serem fontes potenciais de infecção pelo 2019-nCoV pode justificar uma reavaliação da dinâmica de transmissão do atual surto.”
Fontes: Science Magazine, Universo Racionalista
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