Este é um artigo muito interessante sobre inteligência artificial, baseado numa entrevista ao professor Stuart Russell, da Universidade da Califórnia, em Berkeley.
Realço estes excertos:
“Stuart Russell tem uma regra. “Eu não lhe dou uma entrevista até concordar com não lhe pôr um Exterminador”, afirma o famoso cientista de computação britânico na sua casa em Berkeley, na Califórnia. “A comunicação social gosta muito de pôr um Exterminador em tudo o que tenha a ver com inteligência artificial.” O pedido é um pouco irónico. Afinal de contas, Russell é o homem por detrás de Slaughterbots, uma curta-metragem distópica lançada pelo Future of Life Institute, em 2017. Mostra enxames de minidrones autónomos – suficientemente pequenos para caberem na palma da sua mão e armados com uma carga explosiva mortal – caçando estudantes em manifestações, congressistas e, na verdade, qualquer pessoa, e explodindo nas suas caras. Não era exatamente Arnold Schwarzenegger a mandar pessoas pelos ares, mas ele teria ficado orgulhoso.
Segundo Russel, as armas autónomas são “muito mais perigosas do que as armas nucleares”. E já são uma possibilidade. O departamento de defesa suíço construiu o seu próprio “slaughterbot” depois de ter visto o filme, revela Russell, só para ver se conseguia. “O facto de poderem ser lançados milhões [de microdrones autónomos], mesmo que só haja dois homens que o façam dentro de uma carrinha, é um problema real porque é uma arma de destruição maciça. Eu considero que a maioria dos seres humanos concordaria que não deveríamos fazer máquinas capazes de decidir matar pessoas.”
O nativo de Portsmouth, de 57 anos, faz muito disto: avisos alarmantes sobre a ameaça existencial representada pela inteligência artificial (IA), embora o faça com um sorriso plácido. “Nós temos de enfrentar o facto de estarmos a planear construir entidades muito mais poderosas do que os seres humanos”, declara. “Como asseguraremos que nunca terão poder sobre nós?” (…)
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Do ponto de vista informado de Russell, chegámos a uma encruzilhada. Numa direção fica a “era dourada da humanidade”, na qual somos libertos dos trabalhos duros pelas máquinas. A outra direção é, por assim dizer, mais sombria. No seu novo livro, intitulado Human Compatible, Stuart Russell resume as coisas com a expressão “o problema do gorila”. Os símios, nossos progenitores genéticos, acabaram por ser superados. E agora? “A espécie deles não tem qualquer futuro para além daquele que lhe permitimos”, esclarece Russell. “Não queremos estar numa situação parecida perante máquinas superinteligentes”. É bem verdade.
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Vejamos, por exemplo, um concurso organizado por várias universidades americanas no ano passado, no qual participaram cinco advogados experientes e uma IA concebida para ler contratos. O objetivo era descobrir qual era o melhor a descobrir subterfúgios. Não foi um dia glorioso para o Homo Sapiens. Não só a IA foi mais eficiente – descobriu 94% das passagens problemáticas, enquanto os seres humanos descobriram 85% – como foi mais rápida. Muito mais rápida. Os advogados precisaram de 92 minutos, em média, para completar a tarefa e a IA fê-la em 26 segundos. No entanto, este algoritmo é completamente incapaz de fazer qualquer outra coisa. Uma “ferramenta de IA” como esta, segundo Russell, “não consegue conceber um plano para sair de um saco de papel”. É por isso que a indústria, pelo menos na aparência, se mostra bastante descontraída perante a ameaça, ou perante a possibilidade, sequer, da inteligência geral. (…)
Ainda serão necessárias muitas inovações, admite Russell, para a IA ultrapassar as tarefas simples e conseguir criar máquinas verdadeiramente inteligentes, capazes de lidar com qualquer tarefa que lhes dermos. Em rigor, a possibilidade de uma tecnologia assim tão poderosa alguma vez vir a existir parece de loucos.
Quanto tempo temos, então, até à era das máquinas superinteligentes? Russell reconhece que chegarão “no tempo de vida dos meus filhos”. Por outras palavras, nos próximos 70 ou 80 anos. Isto não significa que possamos ficar descansados. Para começar, Stuart Russell admite a probabilidade de estar enganado. Tentar prever saltos tecnológicos é uma atividade fútil. Além disso, quando acontecer não será um evento do tipo “Big Bang”, no qual acordamos com o Hal 9000 a governar o mundo. Em vez disso, a ascensão das máquinas acontecerá, gradualmente, com uma sucessão constante de avanços. (…)
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Imagine-se, por exemplo, que a era da IA geral chegava e que podíamos pedir-lhe algo previamente impossível: curar o cancro. Uau! Poderíamos pensar que isto assinalaria o início de uma nova idade de ouro da humanidade, mas não é bem assim, afirma Russell.
“No espaço de poucas horas, o sistema de IA leu toda a bibliografia biomédica e conjeturou milhões de compostos químicos potencialmente eficazes, mas nunca testados”, escreve Russell. “No espaço de algumas semanas induziu vários tumores de diferentes tipos em todos os seres humanos vivos para realizar testes clínicos desses compostos, pois essa é a maneira mais rápida de descobrir uma cura. Ups.” E se lhe pedíssemos para inverter a acidificação dos oceanos? O resultado também não seria dos melhores. “A máquina desenvolve um novo catalisador que facilita uma reação química incrivelmente rápida entre o oceano e a atmosfera e restaura os níveis de PH dos oceanos. Infelizmente, gasta um quarto do oxigénio da atmosfera no decorrer do processo, deixando-nos a asfixiar lenta e dolorosamente. Ups.”
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A maioria das pessoas concorda que as máquinas inteligentes estão a acelerar a sua marcha, não só sobre as funções operárias, mas também em áreas como os transportes, o direito e a medicina. A empresa de contabilidade PWC previu, recentemente, que quase um terço dos empregos britânicos será automatizado num espaço de 15 anos. (…) O esvaziamento dos ditos empregos de “capacidades médias” que exigem alguma técnica, mas que envolvem tarefas repetitivas, está a ganhar velocidade. “Temos de conceber uma visão de um futuro desejável, no qual as máquinas façam a maior parte do trabalho que atualmente consideramos trabalho”, diz Russell.
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(…) Russell apela à criação de uma nova disciplina: engenharia da felicidade. “Precisamos de aprender a ser melhores enquanto seres humanos”, diz. (…)”
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