Por vezes até pode não parecer, mas passei 15 anos da minha vida a estudar num colégio Salesiano.
Adorei esses anos e ainda bem que os tive, porque conheci pessoas fantásticas.
Os anos que passei lá permitiram-me ver como devia ser vivida a religião: com apoio social, sem hipocrisias, com tolerância, e muitas vezes colocando em questão a crença quando esta estava em conflito com os dados objetivos (foram padres – inteligentes e não dogmáticos – que me ensinaram isto).
Daí que me surpreende quando vejo pessoas religiosas a serem tão dogmáticas, claramente pecadoras, e tão pouco inteligentes.
Vem isto a propósito da interação que vi na televisão SIC, entre o Presidente Bolsonaro e um pastor evangélico, aqui.
Ser o presidente Bolsonaro, Lula, Dilma, Trump, Obama ou quem seja, é absolutamente irrelevante. As palavras erradas não foram dele.
O que a mim, pessoalmente, me ofende são as palavras do pastor:
“Eu quero agora em nome de Jesus declarar que no Brasil não haverá mais mortos pelo coronavirus.”
“Em nome de Jesus, eu quero te pedir, ó Deus, pelo teu poder, que a partir de hoje não haja mais mortes pelo coronavirus.”
Em primeiro lugar, utiliza o nome de Jesus e de Deus em vão.
Ora, se bem me lembro de algumas palavras da Bíblia (Êxodo 20:7): “Não tomarás em vão o nome do Senhor, o teu Deus, pois o Senhor não deixará impune quem tomar o seu nome em vão.”
Lembro também que é um dos Mandamentos ditados por Deus.
Estamos assim conversados quanto à forma pecaminosa como este pastor se comporta.
Em segundo lugar, vêm os dados oficiais: a 5 de Abril, quando ele proferiu as palavras, existiam oficialmente 486 mortes devidas ao coronavirus; 10 dias depois, a 15 de Abril, já existiam oficialmente 1757 mortes devidas à COVID-19.
Toda a gente no mundo sabe que os números iriam aumentar. Por isso, assumo que o pastor também sabia. Assim, quando ele diz que “declara” que “não haverá mais mortos”, ele estava a mentir. E estava a mentir conscientemente.
Ora, se bem me lembro do Catecismo ensinado pela Igreja Católica, a mentira é considerada um pecado venial – não é um pecado mortal, mas continua a ser pecado!
Em João 8:44, Deus denuncia a mentira como uma obra diabólica, afirmando que quem mente tem “por pai o diabo”. Segundo o Senhor, este pastor “fala mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira” (João 8:44).
Em terceiro lugar, nas palavras do pastor percebe-se um claro ataque a Deus.
Segundo este pastor, Deus tem tanto poder, é tão poderoso, que a partir de 5 de Abril poderia acabar com as mortes no Brasil.
A realidade é que as mortes continuaram a existir.
Assim, o pastor colocou o poder de Deus em questão. Pelos vistos, Deus não é assim tão poderoso. Com o resultado oficial das mortes, claramente se percebe que este pastor quis levantar a dúvida sobre o poder de Deus.
Por outro lado, percebe-se que este é um pedido seu. O pastor fez o pedido e Deus não atendeu esse pedido. Consigo compreender porque negou esse pedido: alguém com estes pecados não deveria ter a presunção de esperar que Deus satisfaça os seus pedidos.
Termino com uma frase que, apesar de não constar na Bíblia, é dita muitas vezes em termos de Catecismo: “Deus ajuda aqueles que ajudam a si mesmos“.
É muito fácil andar a pedir coisas a Deus, enquanto não se está se fazer nada por isso. É muito fácil pedir a Deus que nos caia um milhão de dólares nos bolsos, enquanto estamos em casa a beber cerveja no sofá e passamos o resto do dia a dormir. Deus não ajuda estas pessoas. Até seria ofensivo para todas as outras pessoas que se esforçam.
É muito fácil “apontar o dedo a Deus”, como este pastor fez, culpando-O antecipadamente pelo resultado negativo, porque ele próprio (o pastor) não quer admitir as suas responsabilidades.
Deus costuma ajudar quem se ajuda a si próprio. E, neste caso, ajudar-se a si próprio é colocar em prática os conselhos dados pelos médicos (que são os intermediários de Deus nesta altura). Ajudar-se a si próprio é praticar, por exemplo, distância social. Ajudar-se a si próprio é, por exemplo, utilizar luvas. Ajudar-se a si próprio é, por exemplo, usar máscara.
Um bom crente em Deus, não é aquele que decide ir contra as recomendações médicas, e depois espera que seja Deus a fazer tudo. Um crente num Deus criador do Universo, não fala de Deus como se fosse um ser pequenino que está ao nosso serviço. Um verdadeiro crente em Deus não espera (nem pede) que Deus seja seu escravo (que seja Deus a trabalhar por ele).
1 comentário
Perfeito….
Aqui, onde a terra plana ainda é cultuada, já estamos a nos acostumar com tais atitudes…
Que Deus (o único e verdadeiro) tenha piedade de nós.
Abraço.