O primeiro ramo da Matemática que se aborda na escola é a aritmética, isto é, “saber os números” e “fazer contas”. É como que o ABC quantitativo de qualquer cidadão funcional na nossa sociedade. Os números, como já descrevi noutros artigos, são abstracções úteis para, em primeira instância, enumerarmos coisas. Tudo na vida vai mudando e, como tal, os números mudam. Uma alteração num número corresponde a uma operação, como seja somar, subtrair, multiplicar e dividir. As operações obedecem a princípios lógicos simples, o que faz com que fazer cálculos numéricos seja fácil. Contudo, o ser-se fácil de um ponto de vista teórico não significa que seja fácil na implementação prática. Por exemplo, multiplicar 98345982 por 2397523905 é algo fácil em termos lógicos, porque sabemos quais as regras a aplicar, contudo é uma tarefa algo árdua e demorada de se fazer “à mão”. É por isso útil usar mecanismos automáticos que nos ajudem a chegar à solução. Imagine-se uma empresa de contabilidade sem poder usar calculadoras ou computadores!… De facto, os instrumentos de cálculo automático que temos são fundamentais para o funcionamento de quase todos os sectores da sociedade. Como é que funcionam esses instrumentos?
Tanto quanto se sabe e se supõe, há vários milénios atrás o Homem começou a contar usando ossos e pedras. É possível que se tenha usado outros itens que se perderam com o passar do tempo. Desde logo, tratou-se de uma abstracção: o reconhecer que contar ovelhas, por exemplo, é equivalente a contar pedras. Juntar duas ovelhas a um rebanho de 15, é equivalente em termos numéricos a juntar duas pedras a 15 pedras. O total é 17 em ambos os casos. O benefício das pedras é que poderá ser mais fácil lidar com elas.
Qual a dificuldade de usar pedras para contar? Podemos ter que recorrer a quantidades algo inconvenientes das mesmas e contá-las pode ser confuso. Imagine-se que depois de contarmos 50 pedras ficamos na dúvida se já contámos mesmo 50 ou 49… Começar de novo é chato e demorado, já para não falar que a probabilidade de cometermos outro erro é considerável.
Como resposta a estes e outros problemas surge a tábua de contagem, um precursor do ábaco. Uma tábua de contagem não exige necessariamente uma tábua: podemos desenhar no solo várias linhas paralelas, as quais podem ser usadas da mesma forma que uma tábua de contagem. A cada linha podemos associar uma base de unidades. Por exemplo, a primeira linha pode corresponder às unidades, a segunda linha pode corresponder a múltiplos de cinco, a terceira a múltiplos de 10, a quarta a múltiplos de 50, etc. Assim, para representar um dado número elevado podemos reduzir bastante o número de pedras necessário. Por exemplo, o número 167 pode ser representado com duas pedras na linha das unidades, uma pedra na linha dos múltiplos de cinco, uma pedra na linha das dezenas e três pedras na linha dos múltiplos de 50 (assumindo que não definimos mais linhas). Ou seja, decompusemos o 167 na base numérica com que definimos as linhas:
Em vez de precisarmos de 167 pedras, reduzimos o número a apenas 7 pedras. A soma de um número nesta tábua de contagem é fácil: definimos o número na base numérica e depois juntamos as respectivas pedras nas suas linhas. É possível fazer “transferência” de pedras de umas linhas para as outras, caso se verifique a relação que as linhas têm entre si. Por exemplo, duas pedras na linha dos múltiplos de cinco corresponde a uma pedra na linha dos múltiplos de 10.
Por vezes podemos ter situações pouco convenientes onde ainda gastamos um número elevado de pedras, não obstante o número em causa ser reduzida. Por exemplo, o número 9 é representado por cinco pedras, o que parece um “desperdício” de pedras para um número tão baixo. A solução que se convencionou foi a definição de uma linha vertical adicional: pedras dispostas do lado direito desta linha devem ser considerados como somas, enquanto que do lado esquerdo são subtracções. Por exemplo:
Qual o número ilustrado?
Reconhece o sistema de contagem associado? Se substituirmos o 1 por I, o 5 por V, o 10 por X e o 50 por L, estamos perante a numeração romana, na qual se usava precisamente a ideia exposta. A cada pedra podemos associar um símbolo: XXIV, onde os símbolos que representam números maiores aparecem primeiro, excepto quando há uma subtracção, de forma a sabermos que a o I é subtraído ao V e não somado (que seria XXVI, isto é, 26).
De forma a dar estrutura física à ideia e para evitar que uma pedra passasse de uma linha para outra sem se querer, criou-se um instrumento mecânico: o ábaco.
O de cima é um pouco diferente da ideia exposta com as linhas, pois na verdade existem vários ábacos diferentes, com regras também um pouco diferentes. Ainda assim, a ideia genérica é semelhante: representar números numa dada base numérica. Diferentes povos usaram diferentes bases numéricas, associadas a diferentes representações simbólicas também. Em cada sistema é possível definir regras que caracterizam a forma como fazer somas, subtracções, multiplicações, divisões e não só.
Tabelas de contagem e ábacos já eram usados há 4000 anos atrás, nas civilizações Suméria e Egípcia. Não obstante, tivemos que esperar até ao século XVII para observar progressos na tecnologia de “fazer contas”. Nesse século surge o compasso militar desenvolvido por Galileu (também conhecido por “compasso de proporção”), um instrumento capaz de fazer cálculos aritméticos e geométricos. Surge a invenção do logaritmo, uma operação matemática que veio revolucionar a aritmética (irei falar em maior detalhe sobre a importância dos logaritmos num artigo futuro). Surgem os “ossos de Napier”, um instrumento que através da rotação de “ossos” (ou hastes) permite a transformação de contas de multiplicar e dividir em contas de somar e subtrair. Surge ainda a régua de cálculo, que é como que uma tabela de associação de logaritmos, entre escalas diferentes.
Em todos estes exemplos, a ideia chave tratou-se em reconhecer a existência de uma relação matemática genérica entre os números e traduzi-la num mecanismo que tirasse proveito dessa relação para facilitar cálculos matemáticos.
Na segunda parte irei entrar em mais detalhes sobre aquela que é a percursora das calculadoras modernas: a calculadora mecânica inventada em 1642 por Blaise Pascal.
“Como é que divides 17 batatas por 4 pessoas?”
“Faço puré de batata.”
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