Regressar à escola

Entrevista muito interessante dada pelo professor Carlos Neto, na TVI, aqui.

Algumas informações que foram dadas:
É preciso reinventar o modelo de escola.
É preciso repensar as aulas: não podem ser tradicionais, com os alunos quietos e calados. Tem que haver participação ativa dos alunos na aprendizagem.
Os alunos têm que vivenciar as aprendizagens.
A aprendizagem tem que ser centrada em problemas da comunidade, e não de forma abstracta.
Os alunos têm que se tornar pequenos pesquisadores, em vez de somente recipientes de informação.

Ele tem outras entrevistas sobre a mesma temática.

Por exemplo, nesta entrevista ao Observador, é dito:

“Trabalha com crianças há mais de quarenta anos e há uma coisa que o preocupa: o sedentarismo, a falta de autonomia dada pelos pais às crianças e a ausência de tempo para elas brincarem livremente, correndo riscos e tendo aventuras. É um problema que tem de ser combatido, diz. Porque a ausência de risco na infância e o facto de se dar “tudo pronto” aos filhos, cada vez mais superprotegidos pelos pais, acaba por pô-los em perigo. Soluções? Uma delas passa por “deixar de usar a linguagem terrorista de dizer não a tudo: não subas, olha que cais, não vás por aí…”.”

“As crianças brincam porque procuram aquilo que é difícil, a superação, a imprevisibilidade, aquilo que é o gozo, o prazer. E, portanto, as crianças que eu apelido de crianças “totós”, são hoje definidas como crianças superprotegidas, crianças que não têm tempo suficiente para brincar e crianças que não têm tempo nem espaço para exprimir o que são os seus desejos. E o primeiro desejo de uma criança é o dispêndio de energia, é brincar livre e com os outros, mesmo que muitas vezes em confronto. Porque o confronto é uma forma preciosa de aprendizagem na vida humana.”

“Trabalho há 48 anos com crianças e sei avaliar o que se passou. As crianças têm menos capacidade de coordenação, menos capacidade de perceção espacial, têm de facto menor prazer de utilizar o corpo em esforço, têm uma dificuldade de jogo em grupo, de ter possibilidades de ter aqueles jogos que fazem parte da idade. Ao mesmo tempo, institucionalizou-se muito a escola. Nós hoje temos as crianças sentadas durante muito tempo, não há uma política efetiva adequada de recreios escolares.”

“(…) as crianças que são mais ativas no recreio, e que têm mais socialização, têm na sala de aula mais capacidade de atenção e de concentração.
(…) as crianças mais ativas têm mais capacidade de aprendizagem e mais capacidade de concentração. E têm, a médio e a longo prazo, mais capacidade de terem sucesso, mais autoestima e maior capacidade de autoregulação.”

“Brincar não é perder tempo (…) Todos os estudos têm vindo a demonstrar que na infância, até aos 10/12 anos de idade, é absolutamente essencial brincar para desenvolver a capacidade adaptativa, quer do ponto de vista biológico quer do ponto de vista social.
(…) Por exemplo, a luta, a corrida e perseguição, são comportamentos ancestrais que as crianças têm de viver na infância e que são essenciais para o crescimento. A apropriação do território, a noção de lugar, o medir forças de uma forma saudável, o brincar a lutar.”

“Não pode haver uma linguagem terrorista, que é própria dos adultos, que impede as crianças de viverem certo tipo de situações de risco. Quer isto dizer que a linguagem e as proibições que vêm das bocas dos adultos, o não sistemático e persecutório, não permitir que as crianças tenham certo tipo de experiências que incluem níveis de risco maiores, só estão a conduzir a um analfabetismo motor e social.
O “não subas”, o “olha que cais”, “não vás para ali”, “tem cuidado”, “não trepes à árvore”. Impedem as crianças de terem estas experiências, que são próprias da idade. Instalaram-se medos nas cabeças dos adultos. Medos das crianças serem autónomas. Nós nascemos para sermos autónomos e para termos, ao longo do processo de desenvolvimento, maior autonomia e maior independência.”

“Na escola o que deveria emergir era o aluno e a criança, o que emerge é o professor e a burocracia.”

“São crianças menos preparadas, mais imaturas, com maior dificuldade de resolução de problemas, porque têm menos autonomia, têm menos capacidade de resolução de problemas.”

“As crianças têm de subir mais às árvores e os pais não têm de ter medo por isso. Porque hoje as crianças sobem, mas já não descem. O medo que se instalou na cabeça dos pais transmite-se muito facilmente para as crianças. Um pai inseguro faz do seu próprio filho uma criança insegura, vulnerável, que tem medo de arriscar.
Há 30, 40 anos, era perfeitamente natural vermos duas crianças a brincar à luta. Hoje, parece que é um crime brincar à luta, parece que é um crime brincar aos polícias e ladrões, parece que é um crime fazer uma descoberta, ou saltar um muro, ou fazer equilíbrio em cima de um muro. Instalou-se um medo quase que sobrenatural, de haver perigos de morte de rapto de violação. Há um exagero na maneira como se instalaram essas dinâmicas psicológicas nos adultos. Temos de combater isso.”

“A cultura superprotetora põe as crianças em risco. O nível de maturidade cognitiva vai evoluindo, e à medida que vai evoluindo – e por isso a criança aos 7 anos tem capacidade de aprender a ler, a escrever e a contar, que são linguagens abstratas – ela tem de brincar muito.
A ciência demonstra que, no ciclo da vida humana, o pico maior, onde há mais dispêndio de energia, é entre os cinco e os oito anos. Temos de ter muito respeito por isso. Não podemos confundir tudo e achar que essas energias são anormais. São naturais e por isso temos de olhar para as energias das crianças como energias naturais e não patológicas. Há cinco, seis anos, falava num crescimento atroz de crianças “totós” e eu acho que hoje em dia esse grau de imaturidade está a atingir níveis com proporções inacreditáveis. Porque as crianças estão mesmo vulneráveis e imaturas, porque nunca foram colocadas perante nenhum risco que as fizesse crescer. (…)”

Leiam todo o artigo, no jornal Observador, aqui.

O professor Carlos Neto tem outras entrevistas na comunicação social, aqui, aqui e aqui.

O professor Carlos Neto critica a atual domesticação das crianças.

As crianças devem ser preparadas para ter competências no futuro:
– capacidade de resolver problemas
– ter pensamento crítico
– trabalhar em equipa/grupo
– saber comunicar
– ter empatia pelo outro

O professor Carlos Neto fala da importância de brincar de forma exploratória (sem ser tudo estruturado).
Brincar é uma ferramenta poderosa que facilita o desenvolvimento da criança, e a sua socialização.

Brincar de forma exploratória, independente e autónoma.

Brincar estimula a criatividade e a imaginação, ensina a negociar as regras sociais, promove a interação social, ensina a lidar com a frustração, etc.

1 comentário

    • Jonathan Malavolta on 02/05/2021 at 23:48
    • Responder

    Sobre o gráfico (a partir dos 7 anos):
    A única coisa que não fiz de fato é andar no transporte público sozinho. No Brasil, existia uma legislação rigorosa (período de ditadura militar aqui no Brasil; em seguida, redemocratização recente) que literalmente proibia que menores de 18 anos tomassem transporte público desacompanhados de algum responsável. Só para você ter uma ideia, andar sozinho no transporte público a partir dos 16 anos (e ainda assim é obrigatório que o adolescente apresente carta de algum responsável, senão ele nem entra no veículo de transporte público) é coisa recente, meu filho caçula já era grandinho (devia ter uns 8 ou 9 anos; hoje, está com 19). Ou seja, não aproveitei essa “lei do livre-trânsito” (em termos) nem durante minha adolescência, a legislação brasileira não permitia.
    E obrigado pela postagem, não conhecia esse professor. Depois verei se encontro outras entrevistas dele e também alguns de seus trabalhos.

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