Como o título denuncia, vou-vos falar de mais um artigo que publiquei durante a minha vida académica. O trabalho em causa foi realizado nos últimos meses do meu doutoramento, assim como logo após o mesmo, antes de ir para Inglaterra em 2015. O artigo chama-se “Synchronization in the random-field Kuramoto model on complex networks“, o que se traduz no título acima. Foi publicado em co-autoria com Elodie M. Lopes, Sooyeon Yoon, José F. F. Mendes e Alexander Goltsev na revista científica Physical Review E, uma revista com revisão por pares.
Comecemos mais uma vez por deslindar o título!
O que significa o título?
A sincronização refere-se ao fenómeno através do qual vários “agentes” ou “processos” passam a “trabalhar” em uníssono, de forma simultânea, como resultado da interacção entre os mesmos. Vejam um exemplo clássico no vídeo abaixo:
A interacção ocorre através da plataforma onde os pêndulos estão sentados. Os pêndulos sentem as oscilações dos vizinhos e a suas oscilações são por isso condicionadas pelos outros. O sistema tende a sincronizar-se porque as perturbações que os pêndulos sentem dos seus vizinhos fazem-nos tender a alterar as suas oscilações de forma a “acompanharem” os balanços da plataforma. Uma vez atingida a sincronização, os pêndulos mantêm-se sincronizados porque qualquer outro ritmo faria com que voltassem a receber uma perturbação para que se sincronizassem.
O fenómeno de sincronização ocorre de muitas formas no mundo natural. Eis também um exemplo clássico de sincronização entre pirilampos:
Para mais informações e mais exemplos sobre sincronização, recomendo este excelente vídeo do Veritasium (podem adicionar legendas traduzidas em português):
No título menciono também o modelo de Kuramoto. Trata-se de um modelo matemático que permite estudar o fenómeno de sincronização. Para aqueles que sabem um pouco mais de matemática: trata-se de um sistema de equações diferenciais, onde cada uma descreve a fase de um oscilador ao longo do tempo. A interacção entre osciladores é caracterizada por uma dependência entre as equações diferenciais. O modelo tem sido muito popular nas últimas décadas e tem sido usado para compreender a sincronização de muitos processos diferentes, desde reacções químicas, a processos biológicos, passando também por certos processos físicos e electrónicos.
E o que são os campos aleatórios? Naturalmente, é possível generalizar o problema da sincronização de muitas formas. Uma delas é assumir que cada oscilador pode ser influenciado por algo adicional (além da interacção que tende a sincronizar o oscilador com os seus vizinhos). Esta “força” extra pode ser aleatória no sentido em que vai variando de forma imprevisível ao longo do tempo e, com isso, pode condicionar ou impedir o processo de sincronização.
Além dessa generalização, pode-se também estudar a forma como a estrutura de ligações entre os osciladores pode condicionar a sincronização. No exemplo da plataforma de cima, é como se todos os osciladores estivessem “ligados”. Contudo, é possível imaginar cenários em que os osciladores estão ligados em rede. A imagem inicial deste artigo ilustra isto mesmo: os relógios representam os osciladores e as linhas entre eles representam as ligações da rede que permitem a interacção entre certos relógios. Redes complexas correspondem a um tipo de redes que permitem fenómenos não triviais. (Nomeadamente, numa rede complexa existe o fenómeno de “pequeno mundo” que já aqui descrevi.)
Ou seja, colocando tudo junto, neste artigo usámos o modelo de Kuramoto para estudar a sincronização entre osciladores ligados em redes complexas e perturbados por campos aleatórios.
O que é que fizemos?
Não vou entrar em grandes detalhes porque o artigo é bastante técnico. Os mais interessados podem ler o original aqui e colocar questões nos comentários. A ideia genérica foi generalizar o modelo de Kuramoto de tal modo que pudéssemos analisar de que forma é que a estrutura em rede poderia afectar o fenómeno de sincronização, assim como se as perturbações dos campos aleatórios a poderiam impedir (e de que forma). Em particular, estudámos o impacto destes factores na transição de fase entre um estado de dessincronização entre osciladores para um estado de sincronização. Para mais detalhes sobre transições de fase, recorde este artigo.
O valor deste artigo reside nas generalizações matemáticas que fizemos, nas resoluções que apresentámos e no alargar da caracterização do fenómeno de sincronização que detalhámos. Trata-se de um artigo teórico, sem aplicação prática imediata, mas que poderá ser útil para melhor compreender a sincronização em sistemas biológicos, químicos ou físicos que obedeçam pelo menos parcialmente às condições que definimos para estabelecer o modelo.
Desde que foi publicado, o artigo foi citado 12 vezes até agora (de acordo com o Google Scholar).
Para os mais interessados, aqui fica o artigo original:
Lopes, M. A., Lopes, E. M., Yoon, S., Mendes, J. F. F., & Goltsev, A. V. (2016). Synchronization in the random-field Kuramoto model on complex networks. Physical Review E, 94(1), 012308.
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