Leiam aqui, no jornal Público, um excelente artigo do professor de direito Pedro Coutinho, sobre a racionalidade e o pensamento crítico, criticando o nosso “modelo de sociedade que valoriza a ignorância e a futilidade”.
Deixo alguns excertos para avivar a curiosidade, com uma pequena análise minha:
Ele começa por dizer que o que se lê mais nas redes sociais e em comentários de jornais são frases semelhantes a estas: “Acreditas mesmo em tudo o que dizem estes tipos, só porque são especialistas no assunto? Não sejas ovelha! Informa-te e faz umas pesquisas!”
São comentários de louvor às paranoias e conspirações…
O autor diz que a resposta deve ser: “sim, acredito no que me dizem os especialistas, precisamente porque o são. Percebem muito mais do que eu”.
E ele justifica que isto não é um argumento de autoridade, mas é sim ter pensamento crítico: saber identificar os especialistas: confiar em pessoas que além de estudarem o assunto devidamente, dedicaram a sua vida a investigar o assunto.
Como eu já expliquei, aqui, o especialista pode errar, mas erra muito menos que os não-especialistas: daí que se tivermos um problema grave no cérebro, confiamos num neuro-cirurgião e não num trolha para nos operar.
No entanto, o que mais existe é o oposto: uma “hipervalorização do “ser diferente”, uma forma de afirmação, e querer pensar de maneira diferente das “ovelhas”, dê por onde der.”
Daí que muitas vezes a resposta do comentador é dizer: “É a minha opinião. Tenho direito a ela.”
Como já tenho explicado várias vezes, a opinião é subjetiva e muitas vezes baseada em desinformação. Os factos, o conhecimento, são sempre superiores a uma mera opinião. E as opiniões não têm o mesmo valor. Há opiniões de porcaria e totalmente erradas. Não tem a ver com liberdade de expressão, mas sim com a probabilidade da resposta ser certa, com a avaliação dessa opinião.
Pedro Coutinho explica isto de forma excelente:
“Em linguagem leiga: eu, jurista, posso discutir enfartes do miocárdio com o meu pai, cardiologista? Posso. Faço-o? Sim, na medida em que gosto de perceber o máximo possível sobre tudo. Mas a discussão ocorre entre pares? Tenho eu conhecimento para contestar as afirmações científicas? Tenho eu treino suficiente na leitura estatística para ter uma opinião mais do que meramente superficial sobre os dados? Claro que não.”
Depois, Pedro Coutinho fala do Efeito Dunning-Kruger (aqui e aqui) chamando os conspiradores de agnorantes: arrogantes e ignorantes: quanto mais ignorantes são, mais arrogantes se tornam a pensar que sabem mais que os especialistas: “pessoas que são tão ignorantes que não têm sequer conhecimento suficiente para perceber o quão ignorantes são”.
O autor termina esta parte com a referência a Umberto Eco, que disse que a Internet promoveu o idiota da aldeia a detentor da verdade.
Depois disto, o autor reflete sobre a “desvalorização do conhecimento e da ciência”, sobretudo no “esgoto a céu aberto que são as redes sociais”, onde “a disseminação de informação contra-científica é larvar. Também o são o radicalismo, as teorias da conspiração, a ignorância em geral e a desconfiança generalizada na ciência”.
O autor diz mesmo que o que se passa nas redes sociais “é uma doença altamente contagiosa”.
Seguidamente, ele reflete sobre as causas para isto acontecer, afirmando que “criámos um modelo de sociedade que desvaloriza o conhecimento. (…) Criámos um modelo de sociedade que valoriza a ignorância e a futilidade, a diversos níveis.”
Uma das causas é o ensino secundário. Segundo o autor, os alunos chegam à universidade sem conhecimentos básicos e transversais “sobre a sociedade, a vida e o conhecimento em geral”. Isto é surpreendente, já que os alunos “passaram 12 anos a estudar”: os alunos pensam que estão informados sobre um determinado assunto porque viram “dois ou três vídeos da “Universidade” do YouTube, ou porque seguem dois ou três influencers no Instagram”.
Outra causa é o facto de glorificarmos pessoas que são famosas só por o serem, e não porque percebam “alguma coisa sobre alguma coisa”. Segundo o autor, “glorificamos pessoas estúpidas”. São pessoas que na televisão ou nas redes sociais comentam sobre tudo, apesar de não saberem nada: não são especialistas em coisa nenhuma, mas conseguem transmitir a sua ignorância aos outros.
Por último, ele aponta outra causa: “os poderes públicos”, que autorizaram licenciaturas e valorizam vigarices (atividades sem evidências científicas que são “vendidas” como ciência). Por isso, não é surpreendente que depois os cidadãos não consigam distinguir a ciência da pseudo-ciência.
Leiam o artigo completo de Pedro Coutinho, no jornal Público, aqui.
3 comentários
Caro Jonathan,
Concordo. Neste caso referia-me ao aumento do conhecimento que deveria contribuir para que se deixasse de acreditar em disparates, e a escola tem um papel decisivo. O artigo explica muito bem o problema, mas…parece-me que ninguem tem interesse em resolver. Como se costuma dizer…é deixar andar😀.
Cumprimentos
Caro Carlos,
Excelente artigo.
Pena que a maioria das pessoas em vez de estarem ler este artigo, estão nos Tik Tok’s e Instagram’s a ver imbecilidades.
O que é curioso, é que há umas décadas atrás, pensava-se que com o aumento da educação/escolaridade a formação, o conhecimento e o pensamento crítico das pessoas iria aumentar, mas na verdade essa mesma escolaridade aumenta, mas a ignorância e estupidez também.
Dá que pensar.
Cumprimentos
Caro Ricardo, aumentar o tempo de permanência na escola não necessariamente melhora a cognição.