Um artigo fascinante, aqui, sobre o extraordinário filme Contacto.
O artigo descreve a forma como foi desenvolvida a ideia de um filme (e livro) como o Contacto, de Carl Sagan.
O filme tem uma mulher como protagonista (habitualmente eram homens) e cientista (assente nos poderes do cérebro e não do físico).
Além disso, ao contrário da ficção científica da altura com alienígenas, neste filme os extraterrestres não aparecem, não vêm invadir a Terra, não são maus e nem sequer têm partes do corpo estranhas.
Por fim, não existem naves espaciais e os Humanos não querem matar os alienígenas!
É um filme surpreendente!
O artigo baseia-se em entrevistas a Ann Druyan, aos atores do filme, ao realizador, aos argumentistas, etc.
Uma das coisas que eles dizem é que várias jovens seguiram astronomia devido a Ellie Arroway.
No final, falam de poder haver uma sequela do filme, mas é complicado.
Surpreendentemente, Carl Sagan não gostou da frase: “Se fossemos só nós no Universo, seria um terrível desperdício de espaço”. Porque não é uma frase racional, mas sim baseada nas nossas emoções (“terrível desperdício” é uma avaliação nossa).
A cena com Pensacola foi baseada numa experiência que Ann Druyan teve, quando era criança, com o seu irmão, que era rádio-amador: ela percebeu que o mundo era maior do que as suas experiências imediatas.
O realizador, Robert Zemeckis, diz que a cena da praia, quando Ellie toca na suposta realidade e ela oscila, pode ser entendida como uma criação virtual do alienígena, ou então a Ellie só imaginou aquilo (ou quiçá teve uma pequena trombose cerebral, AVC).
Carl Sagan queria que, no final, Palmer Joss admitisse que o seu deus era muito pequeno.
Ou seja, tal como Ellie foi humilde com o que aprendeu da sua experiência, também Palmer Joss deveria ter essa humildade: ele deveria perceber que a ciência tinha revelado um Universo muito maior do que aquele que Palmer Joss professava no seu deus.
Infelizmente, Matthew McConaughey não quis isso para o seu personagem.
Muita gente queria que o final fosse diferente, incluindo Ann Druyan e Carl Sagan. Eles queriam um final mais definido, em que se provasse que Ellie tinha feito a viagem científica.
Uma das ideias para o final foi: existir um show de luzes e os alienígenas aparecerem na Terra (como no filme Encontros Imediatos do 3ª Grau).
Outra das ideias era colocar o final como no livro: o pi estar imbuído no espaço-tempo. Mas muita gente em Hollywood foi contra esta ideia, porque a audiência não iria perceber nada.
Uma das discussões é se o final é ambíguo ou não. Quase toda a gente diz que sim.
Mas existe o facto de terem sido gravadas 18 horas de filme em branco, em poucos segundos.
O realizador diz que, fisicamente, isto não muda nada. Porque podem existir diversas hipóteses para essa gravação ter acontecido.
Mas para Ann Druyan, este facto muda a perspetiva emocional da pessoa: a audiência pensa que é a prova.
Segundo algumas pessoas, o facto do final poder ser considerado ambíguo é uma das causas para o filme não ter sido um enorme sucesso de audiências.
De acordo com o realizador, ele optou por mostrar os extraterrestres daquela forma (sem os mostrar verdadeiramente), porque os alienígenas serão provavelmente incompreensíveis para nós.
Jodie Foster diz o mesmo: a existirem extraterrestres avançados, não existe qualquer razão para os conseguirmos reconhecer.
A Academia Nacional de Ciências dos EUA diz o mesmo: é provável que mesmo que encontremos vida extraterrestre, ela poderá ser tão estranha que nem a reconheçamos como vida.
Ann Druyan diz que imaginamos seres extraterrestres sempre muito parecidos connosco, mesmo em termos emocionais e comportamentais.
Isso, diz ela, é uma projeção dos nossos medos: como somos brutais e egoístas, assumimos que os outros também o são.
Isto é somente uma falha, uma limitação da nossa imaginação.
Jodie Foster conclui dizendo que a ficção científica baseia-se nos nossos medos e nos nossos desejos. Não é mesmo sobre extraterrestres. Não é sobre o que é possível ou o que poderá ser real.
1 comentário
Li o livro há muito tempo e fui surpreendida (ou não) pelas diferenças em relação ao filme.
O que eu mais gosto na ficção científica é que é principalmente uma reflexão sobre a natureza humana. Todos os livros que já li me deixaram com essa conclusão.