Na primeira aula do Crash Course de Filosofia falou-se um pouco dos domínios da Filosofia. Na segunda aula dá-se início a uma breve revisão sobre argumentação filosófica:
(Recordo que pode adicionar legendas em português ao vídeo. Porém, a qualidade das legendas é fraca.)
Tal como no artigo sobre a primeira aula, também aqui irei tecer alguns comentários.
Ao minuto 1:23 estabelece-se a motivação desta aula: “aprender sobre argumentação e razão não só nos fará melhores filósofos, como também nos irá preparar para sermos pessoas mais persuasivas”. Embora faça sentido que assim seja, infelizmente é provável que a persuasão tenha muitas vezes pouco a ver com razão e argumentação lógica. Como vimos no artigo sobre os vieses cognitivos, há muitos outros factores a considerar que podem ter um peso superior quando se pretende convencer alguém de algo.
Mais adiante é apresentada a teoria tripartite da alma de Platão, segundo a qual a alma é composta por três componentes:
(i) uma componente racional que lida com a verdade, com factos e argumentos;
(ii) uma componente emocional e espiritual que lida com sentimentos; e
(iii) uma componente aliada aos sentidos físicos que lida com os desejos físicos.
É notável como uma teoria com 2400 anos é ainda hoje uma forte influência na forma como pensamos.
Não obstante ser bom lembrar que, à luz do conhecimento actual, a alma não existe, pode-se ainda assim reconhecer a utilidade de dividir aquilo que é o nosso “Eu” nestas três partes. Tanto mais não seja para falsificar a noção de que existe uma divisão clara entre razão e emoção.
Em suma, as ideias de Platão estavam erradas mas foram necessários mais de 20 séculos para o demonstrar, um sinal claro de que eram excelentes ideias!
De seguida é-nos apresentado o delicioso Paradoxo de Bertrand (ou Paradoxo do Barbeiro, já aqui falei nele). Será conveniente acrescentar que o paradoxo teve implicações em Teoria de Conjuntos, um ramo da Matemática, o que por sua vez ilustra o facto de a Lógica ser simultaneamente um ramo da Matemática e da Filosofia. Ou, de forma mais genérica: a Matemática é um ramo da Filosofia.
Finalmente, no contexto dos argumentos dedutivos, é feita uma distinção importante entre verdade e validade de um argumento. Um argumento é válido se a sua estrutura lógica obedecer a várias condições lógicas. Contudo, isso não garante que seja verdadeiro, porque a lógica não pode verificar, por exemplo, a veracidade das premissas usadas. Por outro lado, é possível extrair conclusões verdadeiras de um raciocínio inválido (ou até absurdo). É por este motivo que a Filosofia não pode, nem nunca poderá fazer Ciência: é impossível verificar a veracidade de um raciocínio filosófico só usando a lógica. Para isso precisamos de experimentação, que é a base da Ciência.
“Todos os cães têm quatro pernas.
Todas as mesas têm quatro pernas.
[Logo] todos os cães são mesas.”
Trata-se de um exemplo de um argumento dedutivo inválido e falso. Tal como refere a aula, é também possível definir argumentos inválidos com conclusões verdadeiras, assim como argumentos válidos com conclusões falsas.
8 comentários
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“Uma coisa são os argumentos lógicos, que se utilizam na ciência.
Outra coisa são vigarices com muita psicologia incluída.”
Nesse ponto, eu pensaria melhor antes de conectar as vigarices com as Humanidades (Psicologia aqui inclusa, Letras também). Assim como as Exatas e Biológicas, as Humanas também tem seus nomes e dados utilizados de forma errônea pelos tais vigaristas que tanto detestamos. Sobre a Psicologia e a pseudociência em geral, gostaria de sugerir o podcast apresentado pelo psicólogo Altay de Souza, ele é simplesmente brilhante na hora de ilustrar (denunciando, como é óbvio) como os termos técnicos da Psicologia são utilizados de forma incorreta e incoerente (desprovidos de lógica) pelos vigaristas.
Abraços!
Sim, foi isso que quis dizer.
Por exemplo, placebo, hot reading, cold reading, etc, são explicados pela psicologia.
No entanto, os vigaristas utilizam isso para enganar as pessoas.
abraços!
Na realidade com ciência não se argumenta filosoficamente, se mostra os dados e as medidas do quanto eles são significativos. Ou funciona ou não funciona. Por isso a Filosofia hoje não vale nada.
Isso seria o ideal. Mas a ciência também tem muito de discussão…. sobretudo em assuntos em que as evidências (ainda) podem ser interpretadas de diferentes formas 😉
Veja-se o caso da astrobiologia… 😉
Author
Alberto, a argumentação filosófica que é referida nesta aula faz parte da Ciência. Como disse o Carlos, as evidências nunca falam por si só. É preciso uma teoria para as conceber em algo inteligível e uma teoria (mesmo que Matemática) tem sempre argumentos lógicos na sua génese e concepção.
Paulo, quando você diz… “é um sinal claro de que eram excelentes ideias˜… mas com ideias que não espelham fatos, são só ideias, não podem receber o adjetivo de excelentes.
Vou exemplificar… depois de milhões de anos que descemos das árvores, alguém um dia sem equipamentos à altura dizer que o Sol orbita a Terra, chegar a esse ponto, era realmente uma ideia nunca imaginada para nossas espécies anteriores, impressionante, mas não é uma ideia excelente, porque está errada, é só uma ideia.
Sumarizando o tema Filosofia no contexto atual, e isso desde a invenção da ciência, acho que não precisamos perder tempo com Filosofia. Filosofia desapareceu totalmente de importância quando a ciência foi inventada, e isso já são séculos desde que o método cientifico foi inventado. Esses argumentos lógicos não se usam nos laboratórios e nas experiencias que buscam conhecimentos.
Não usamos Filosofia para nada na nossa vida hoje, nem nos laboratórios da ciência. Não foi a Filosofia que inventou o padrão ouro estatístico usado para definir se um novo medicamento vai para as prateleiras das farmácias, ou não. Ah, perdão, muitos pagam ingressos para assistir filósofos falando de autoajuda em congressos populares…rsrs… e esquecerão dois dias depois todas as “abobrinhas” que ouviram.
Que a Filosofia fique só como fato histórico (sabermos o que pensavam aqueles malucos que tinham tempo livre para pensar abobrinhas…rsrs… mas nunca se responsabilizaram por buscar evidências, era só “chute” para tudo que é lado).
Alberto, quem é o Paulo? 😀
“mas com ideias que não espelham fatos, são só ideias, não podem receber o adjetivo de excelentes.”
Não é bem assim…
Facto: o homem não consegue voar como as aves.
A primeira pessoa a querer voar como as aves… teve essa ideia, que era contra tudo o que sabiam na altura.
E atualmente, temos aviões…
“o Sol orbita a Terra, chegar a esse ponto, era realmente uma ideia nunca imaginada para nossas espécies anteriores, impressionante, mas não é uma ideia excelente, porque está errada, é só uma ideia.”
Foi uma ideia baseada em observações. É um facto que todos os dias vemos o Sol a ir de um horizonte ao outro no nosso céu. Tendo em conta que não sentimos a Terra a andar, então era o Sol que andava.
Isto é a lógica 😉
E foi uma ideia excelente, porque permitiu fazer calendários que organizaram as diferentes civilizações humanas durante milhares de anos.
A teleportação humana é uma ideia excelente. Atualmente, é só uma ideia da ficção científica. Iria revolucionar os transportes dos Humanos.
Mas parece-me um conceito inviável cientificamente.
https://www.astropt.org/2021/05/03/teleportacao/
O mesmo em relação à ideia de Terraformação de outros planetas, promovida por muitos cientistas.
Mas, mais uma vez, parece-me inviável cientificamente.
https://www.astropt.org/2014/03/19/terraformacao-um-conceito-inviavel/
“Esses argumentos lógicos não se usam nos laboratórios e nas experiencias que buscam conhecimentos.”
Claro que se utilizam. Diariamente. Na discussão dos resultados 😉
“assistir filósofos falando de autoajuda em congressos populares…rsrs…”
Isso é outra coisa.
Uma coisa são os argumentos lógicos, que se utilizam na ciência.
Outra coisa são vigarices com muita psicologia incluída.
Psicologia, sociologia, educação, etc, são disciplinas humanas, e não exatas.
“Que a Filosofia fique só como fato histórico (sabermos o que pensavam aqueles malucos que tinham tempo livre para pensar abobrinhas…rsrs… mas nunca se responsabilizaram por buscar evidências, era só “chute” para tudo que é lado).”
Eu percebo o que quer dizer, e concordo que isso é o que fazem, por exemplo, os vigaristas (astrologia, homeopatia, mediuns, etc).
É só “chutes”, mas nunca apresentam evidências.
Mas penso que o que o Marinho quer transmitir com Filosofia, neste caso, é a argumentação racional que está na base das discussões filosóficas.
Nós podemos pensar/discutir sobre a Alma, sobre a Consciência, sobre Deus, etc, mesmo que não tenhamos evidências objetivas, comprovadas pela ciência.
Dou-lhe o meu caso: eu ensino sobre Astrobiologia, e não tenho qualquer evidência de vida extraterrestre para mostrar.
Baseia-se tudo em argumentação lógica e racional, com base no conhecimento que temos sobre a vida na Terra e sobre a probabilidade dela poder existir sob certas condições no Universo.
Mas lá está… evidências não existem 😉
abraços!
Author
Sob pena de repetir mais ou menos o Carlos, cá vai a minha resposta:
>> “quando você diz… “é um sinal claro de que eram excelentes ideias˜… mas com ideias que não espelham fatos, são só ideias, não podem receber o adjetivo de excelentes.”
Não? Adjectivar os factos é que me parece fazer pouco sentido (não há propriamente maus factos neste contexto).
Para chegarmos a qualquer tipo de descrição da realidade precisamos de fazer várias suposições:
https://www.astropt.org/2021/07/06/as-suposicoes-da-humanidade/
Ou seja, nunca temos acesso directo aos factos – isto é, à “verdade”. Assim, o conhecimento é feito de suposições e de ideias. A Ciência não tem verdades absolutas. Pelo contrário, vai-se “renovando” e melhorando à medida que conseguimos testar melhor e mais extensivamente a natureza. É possível falsificar, mas não é possível validar uma ideia.
Assim, podemos considerar que uma ideia é “boa” se conseguir sobreviver bastante tempo. Uma má ideia é rapidamente falsificada e deixa de ser considerada como parte do conhecimento. Não obstante, é claro que todas as ideias “boas” do passado que já foram falsificadas são neste momento “más” (daí ter escrito “eram” e não “são”).
>> “Vou exemplificar… depois de milhões de anos que descemos das árvores, alguém um dia sem equipamentos à altura dizer que o Sol orbita a Terra, chegar a esse ponto, era realmente uma ideia nunca imaginada para nossas espécies anteriores, impressionante, mas não é uma ideia excelente, porque está errada, é só uma ideia.”
Talvez o nosso desentendimento esteja no significado do “bom”. Bom para quê? Para mim uma boa ideia é uma ideia que sobrevive a muitos testes e experiências e que nos permite construir um modelo robusto do universo. A teoria de que o Sol orbitava a Terra foi excelente a julgar pelo facto de ter demorado mais de um milénio a ser rejeitada. A Teoria Heliocêntrica já tinha sido proposta durante o tempo dos Gregos, mas tinha tido poucos seguidores em parte porque parecia apresentar vários problemas científicos (que na verdade ilustravam outras limitações científicas e tecnológicas).
Será que a Terra orbita o Sol? Será um facto? Tanto quanto sabemos, sim, “sem dúvida”. Ainda assim, é uma “ideia” que tem por base as nossas melhores evidências e construções lógicas. Acho que o “só” (em “só uma ideia”) é desnecessariamente depreciativo.
>> “Sumarizando o tema Filosofia no contexto atual, e isso desde a invenção da ciência, acho que não precisamos perder tempo com Filosofia. Filosofia desapareceu totalmente de importância quando a ciência foi inventada, e isso já são séculos desde que o método cientifico foi inventado. Esses argumentos lógicos não se usam nos laboratórios e nas experiencias que buscam conhecimentos.”
A Ciência não foi “inventada” do nada. A Ciência é como que uma filha da Filosofia, uma filha que usa vários métodos e procedimentos que provêem da Filosofia. A Ciência não é só experimentação e, mesmo que fosse, os números não falam e não se estruturam automaticamente numa teoria. (Além disto, a própria Matemática que é fundamental na Ciência, é ela própria um sistema filosófico analítico na sua base.)
>> “Não usamos Filosofia para nada na nossa vida hoje, nem nos laboratórios da ciência. Não foi a Filosofia que inventou o padrão ouro estatístico usado para definir se um novo medicamento vai para as prateleiras das farmácias, ou não. Ah, perdão, muitos pagam ingressos para assistir filósofos falando de autoajuda em congressos populares…rsrs… e esquecerão dois dias depois todas as “abobrinhas” que ouviram.”
Não disse em momento algum que os filósofos fazem Ciência. Na maior parte das vezes só dizem disparates. O que disse é que os cientistas usam filosofia no seu trabalho, ainda que nem sempre seja reconhecido como tal.
>> “Que a Filosofia fique só como fato histórico (sabermos o que pensavam aqueles malucos que tinham tempo livre para pensar abobrinhas…rsrs… mas nunca se responsabilizaram por buscar evidências, era só “chute” para tudo que é lado).”
Sim, a Filosofia não é Ciência e não oferece só por si explicações sobre o universo. Se queremos carne, vamos ao talho. Não vamos pedir carne ao padeiro. Ainda assim o pão é bom e pode ser usado com a carne. (OK, talvez não tenha sido uma analogia brilhante. 😛 )
Abraço,
Marinho