Inundações religiosas?

Eu percebo que a fé é um sentimento irracional.
Também percebo que, no caso das crenças, o que existe é uma racionalização e não argumentação racional.

No entanto, é para mim surpreendente que, quando acontecem estes desastres, as pessoas não duvidem sobre se o que estavam a fazer é correto.

Esta minha reflexão surge após ler que 30 pessoas estavam numa celebração religiosa na África do Sul, quando uma inundação súbita do rio Jukskei os levou na enxurrada.
Pelo menos 14 pessoas faleceram.

Após uma tragédia destas, a dúvida racional seria:
– talvez Deus não exista…
– talvez exista, mas não seja todo-poderoso, e daí não conseguir evitar desastres naturais…
– mesmo que exista e seja todo-poderoso, não quer saber de nós, meros terráqueos…
– se quer saber de nós, provavelmente estará contra estarmos aqui, daí ter criado a inundação…
– etc…

Em vez disso, normalmente as justificações ilógicas são:

– os sobreviventes normalmente agradecem a Deus terem sido salvos. Ora, isso pressupõe que Deus fez escolhas, salvando estes e intencionalmente matando os outros.
No entanto, este argumento ignora que se Deus é todo-poderoso para salvar estas pessoas, então também poderia ter evitado a inundação (salvando assim toda a gente).

– o argumento mais utilizado é: God works in mysterious ways – os desígnios de Deus são misteriosos.
Esta expressão foi utilizada originalmente num poema do século 18: ou seja, é uma expressão recente e nada tem a ver com a suposta palavra de Deus.
Esta racionalização é um hino à ignorância já que assume que nunca se poderá saber as razões para as coisas acontecerem. Se se usasse esta expressão sempre que chove, sempre que existe um terramoto, etc, então nunca se poderia ter conhecimento desses fenómenos naturais.
Curiosamente, em sentido contrário, eu até concordo com esta expressão: se assumirmos que Deus criou o Universo (o espaço-tempo em 3 dimensões espaciais), então Deus será um ser exterior a esse Universo, vivendo em, pelo menos, 4 dimensões espaciais. Se é omnipresente e omnipotente, então terá controlo sobre o espaço e sobre o tempo, como os Q em Star Trek. Um ser dessa dimensão é absolutamente incompreensível para meros humanos (que têm um minúsculo cérebro a 3 dimensões) a viver num insignificante pedaço de pó no Universo. Assim, neste caso, ninguém pode dizer que sabe os desejos de Deus (ou seja, todos os auto-proclamados “mensageiros de Deus” são falsos) e nós, humanos, seríamos absolutamente irrelevantes para um ser com uma dimensão exterior ao Universo.

O problema racional surge quando a pessoa resolve argumentar de uma forma e simultaneamente argumenta o seu contrário: não se pode afirmar que os desígnios de Deus são insondáveis e simultaneamente dizer que se sabe o que Deus quer.

1 comentário

    • Jonathan Malavolta on 21/02/2023 at 16:34
    • Responder

    Religiosos não fazem a menor ideia semântica do que signifique “racional”.

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