Rastreios de saúde gratuitos?

Em poucos meses, recebi 3 telefonemas no meu telemóvel português a convidarem-me para fazer rastreios gratuitos à saúde na minha área de residência.

Só esta informação deu-me logo que pensar: sabem onde eu moro. Ou seja, têm acesso aos meus dados sobre morada de residência permanente ou residência fiscal em Portugal.
No entanto, em nenhum dos 3 telefonemas sabiam onde eu estava. Curiosamente, em dois desses telefonemas nem sequer estava no meu local de residência fiscal portuguesa (nem sequer estava em Portugal).

Ao terceiro telefonema, achei muito estranho: a saúde está assim tão boa em Portugal que estão sempre a fazer rastreios de saúde às pessoas?
Existem assim tantos recursos em Portugal, que os cuidados de prevenção na saúde são maravilhosos?
Não é isso que dizem os dados, as notícias e os políticos… Também não é essa a experiência que se tem de saúde em Portugal…


No primeiro telefonema, fiquei logo bastante desconfiado.
Começaram por dizer que o rastreio era gratuito para pessoas acima de 50 anos e que era no dia seguinte.
Ora, eu disse que era mais novo que 50 anos. No entanto, disseram-me que tinha direito na mesma.
Após mais algumas perguntas, também sobre a minha esposa, em que lhes disse que ela era ainda mais nova, também foi aceite no rastreio.
Perguntaram-me se eu podia no dia seguinte, e eu disse-lhes que não, porque não estava no local de residência (não estava em Portugal). Perguntaram-me se podia então passados dois dias. Disse-lhes que não. Mas fiquei a pensar: então dá em qualquer dia? Já não é só amanhã?
Ou seja, fiquei altamente desconfiado com tantas facilidades. Tal como diz o ditado popular: “quando a esmola é demais, o pobre desconfia.”

O terceiro telefonema foi exemplar.
Tal como nos outros telefonemas, a pessoa, sempre muito simpática, começou por se apresentar (mas um nome, não me diz nada: é-me indiferente se a pessoa se chama Ana, Maria ou Ermelinda… ou até se está a mentir sobre o nome).
Depois falou tão depressa, que nem percebi donde ela estava a telefonar.
A seguir, perguntou-me algumas informações pessoais (idade, problemas de saúde, esposa, emprego, se o trabalho era físico ou intelectual, etc). As perguntas tinham realmente a ver com saúde.
Posteriormente, disse que estavam a fazer rastreios de saúde gratuitos a pessoas acima de 50 anos, para testar os níveis de X e Y, para ver se tinha problemas cardiovasculares, pulmonares, de respiração, perigo de AVC, etc.
Apesar de eu não ter 50 anos, ela disse que não havia problemas em fazer os tais testes de saúde.
Tudo isto até aqui, foi muito semelhante (igual!) aos outros telefonemas.
Ora, como eu já tinha experiência dos telefonemas anteriores, resolvi eu fazer algumas perguntas, e então a conversa foi literalmente assim:
Eu: “Peço desculpa, mas eu não entendi quem é. Importa-se de se apresentar novamente?”
Ela: “Sou a X (disse o nome dela)”.
Eu: “Sim, mas está a telefonar a partir do Serviço Nacional de Saúde? Estes testes são do SNS?”
Ela: “Não. Somos uma organização de saúde e bem-estar.”
Eu: “Mas qual o nome dessa organização?” (o meu objetivo era, enquanto estava ao telefone, pesquisar o nome no Google, a ver se aparecia na DECO ou noutros websites de apoio ao consumidor em Portugal)
Ela repetiu: “Somos uma organização de saúde e bem-estar.” (ela aqui começa a ficar com uma voz irritada)
Eu: “Mas não sabe o nome?”
Ela: “Mas está interessado nos rastreios ou não?”
Eu: “Se é de uma organização secreta, não.”
E ela desligou o telefone. Não agradeceu. Não se despediu. Nada. Simplesmente, desligou-me o telefone na cara.

Crédito: Mufid Majnun, unsplash.

Ora, o meu próximo passo foi ir ao Google procurar por estes rastreios.

Existem realmente rastreios gratuitos, penso que através do Serviço Nacional de Saúde, em alguns hospitais e centros de saúde. Encontrei rastreios a doenças cardiovasculares em Setembro, por exemplo, já que é o mês em que se comemora o Dia Mundial do Coração (29 de Setembro). Exemplo: Hospital da Luz.

No entanto, a mesma rápida pesquisa no Google também me permitiu ver que existem inúmeras fraudes telefónicas, que dizem ser para rastreios de saúde, mas é tudo falso.

Leiam este artigo no Diário de Notícias:

“Alerta para vendas disfarçadas de rastreios à saúde.
(…)
O método usado pelas empresas é sugerir exames médicos gratuitos, quando a intenção é vender colchões e cadeiras de massagens.
(…)
“Estamos a fazer um rastreio do AVC (acidente vascular cerebral). É gratuito e só tem de se dirigir com o seu marido ao nosso centro de saúde. Será atendida pela dr.ª Clara Pinto. Fica marcada para as 17.00.”
É com um telefonema semelhante que começam os contactos de empresas que pretendem impingir vários artigos, como colchões, cadeiras de massagens, baixelas ou faqueiros. São as chamadas “vendas agressivas” e que já levaram 498 consumidores a reclamar junto da Deco, (Associação de Defesa do Consumidor).
(…)
“O método mais comum nas últimas semana é o convite para o consumidor se deslocar a locais acima de qualquer suspeita – sede de bombeiros voluntários, colectividades de bairro, salões paroquiais, etc. – para efectuar um rastreio de saúde. Pretendem verificar se o consumidor é hipertenso ou não, tudo para evitar um AVC!”
(…)
O tipo de produtos alvo de vendas agressivas vai desde cadeiras de massagem até artigos ortopédicos, passando por aspiradores a vapor, baixelas, faqueiros e serviços de chá.
(…)
No telefonema com o DN, em que prometeram fazer o rastreio do AVC, foi dada morada da Best of House. O “rastreio do AVC não demorará mais do 30 minutos”, garantem, no contacto telefónico, avisando que é obrigatório ir o casal. E não se pense em desculpa do tipo “sou viúva”. É que, quando telefonam, já perguntam “se é a esposa do senhor X”, o que leva a concluir que conhecem o estado civil dos potenciais clientes.”

A jornalista do Diário de Notícias fez a marcação, foi ao local, e após uma consulta rápida de saúde (pesagem), tentaram vender-lhe um colchão em “promoção” que custava “somente” 4 mil euros!

O Diário de Notícias tem outros artigos sobre esta fraude.

Por exemplo, neste artigo, é dito:

“Rastreios falsos na saúde servem para vender colchões.
(…)
Marina está sempre a receber chamadas para consultas, rastreios e testes clínicos. Há três semanas, disseram-lhe que estavam a ligar do centro de saúde, em Rio de Mouro, e propuseram um rastreio na área da dor.
Na mesma semana recorda-se de mais dois telefonemas: “Um foi de uma enfermeira a propor magnetoterapia. Eu disse que não queria. Quando disse que não sabia o que era, perguntaram-me porque estava a recusar uma coisa que nem conhecia”, conta a comerciante de 62 anos. Outro caso, “foi o de um rastreio ao coração e à osteoporose. Nesse até me disseram que iam a casa”.
(…)
Situações que levam as pessoas a comprar produtos e tratamentos cada vez mais apresentados por falsos médicos.
Rastreios gratuitos e exames de rotina que induzem compras entre 500 e três mil euros, seja de aparelhos magnéticos, auditivos, colchões, massajadores ou almofadas. Muitas vezes são envolvidos centros de saúde e hospitais. Ocorrem em todo o País, sobretudo em Lisboa, em áreas como a diabetes, Alzheimer, doenças cardiovasculares ou em ortopedia.”

Neste outro artigo do Diário de Notícias, falam de chamadas telefónicas fraudulentas a convocarem para falsos rastreios de cancro da mama, com o intuito de recolher dados pessoais sobre as pessoas.

Neste artigo do Jornal Económico, é dito:

“Atenção aos falsos rastreios de saúde, alerta DECO.
Para além da abordagem enganosa, estamos também perante vendas agressivas, em que consumidores assinam um contrato que não querem e/ou que nem entendem na totalidade e, muitas vezes, nem têm dinheiro para pagar.
“Recebi um telefonema do (supostamente) meu centro de saúde, convocando-me um rastreio da diabete. Disseram-me ainda que de acordo com o meu quadro clínico e a minha idade teria mesmo de fazer este rastreio, que era gratuito. Bastava dirigir-me a um centro comercial. Mas, e após um simples teste ao nível da glicemia, saí de lá com um aparelho médico que não sei para que serve e que custou 2.500€00. Preciso da vossa ajuda para resolver este problema! Não posso pagar este aparelho, nem tão pouco preciso dele!”
Este relato é uma encenação de centenas de reclamações recebidas na DECO. Telefonemas falsos que oferecem rastreios de saúde, prémios e descontos que não são mais do que graves armadilhas do consumo.”

Existem dezenas de artigos semelhantes na comunicação social a alertarem para estes esquemas fraudulentos.
Exemplos: 1, 2, 3.

A DECO tem alertado para o aumento destas burlas telefónicas.
Recentemente, a Lusa, em notícia na RTP, deu conta de uma alegada burla cometida por uma empresa que se faz passar por uma associação de médicos para fazer vendas.

Aqui é dito que “o município de Mértola alertou a população para não aceitar propostas de venda de colchões com a promessa de que evitam ataques cardíacos. Uma munícipe, cujos pais foram burlados, denunciou o caso.”

A Associação Alzheimer Portugal também alerta, aqui, para as falsas associações de médicos que tentam vender «aparelhos milagrosos».

Como é dito em vários artigos, o alvo ideal destas burlas são pessoas mais velhas (mais de 60 anos ou mais de 50 anos). São pessoas que costumam estar menos informadas das fraudes que existem, e que têm problemas de saúde. Assim, são pessoas mais fáceis de convencer de forma coerciva.


Podem também ler vários artigos e páginas, onde estão alguns testemunhos de pessoas que foram burladas, em que é descrita a forma como foram convencidas.
Exemplos:
1: “Disseram-me que a seleção foi aleatória e que teria direito a ser vista por um médico, a fazer prova de esforço e a mais uma série de exames cardíacos. Acabei por aceitar”.
2: “Recebi um telefonema de um numero telefónico (…) a informar que estavam a fazer um rastreio de AVC, que era para ser feito no Centro de Saúde, mas por motivos de espaço, o mesmo seria realizado no Quartel dos Bombeiros de Fajões. O mesmo seria destinado a pessoas com idade superior a 45 anos. Pediram dados pessoais nomeadamente do conjugue, idade, se estaria interessado em ir, etc. Pensando que seria um rastreio normal, integrado em algum plano do serviço nacional de saúde, e efectuado por técnicos certificados para o efeito, acedi em participar. Marcaram para o dia seguinte, às 19h. (…) Quando me desloquei ao local, encontrei cerca de meia dúzia de casais bastante idosos a aguardar pela sua vez. (…) Ou seja, estive quase uma hora à espera, ao frio. (…) Ao fim de cerca de um minuto o exame estava feito. Pelo que nos disseram, analisava 11 parâmetros do nosso corpo. O senhor foi explicando que o aparelho era tecnologia da NASA, e que era muito utilizado nos centros de saúde em Espanha. (…) Entretanto a minha esposa estava a dizer à senhora que sofria de fibromialgia, e esta respondeu que também tinham colchoes. Aí acabaram-se as dúvidas (…)”
Existem muitos mais relatos, pela internet.


Por fim, fui pesquisar o número donde me ligaram.
Como disse, nos últimos meses, recebi 3 telefonemas. Um deles foi de um número no Porto (começava por 22) e dois deles foram de números de Lisboa (começavam por 21).

O último telefonema foi feito a partir deste número.
Os comentários que existem nessa página de pessoas que receberam o mesmo telefonema, são claros:
“Incrível a lei de base de dados… Atendi e sabiam o meu nome”
“Tentativa de Burla: oferecem exames médicos como rastreio, começam do análises a veias, AVC, mama, etc. Quando se perguntava quem eram desconversava e continuava a “venda”. Mencionou o marido da minha mãe e que já teria falado com ele, que era importante fazer os exames para não morrer (muito drama!!!!).”
“Tentativa de Burla: empresa comercial que tenta vender produtos aliciando as pessoas para um rastreio de AVC. Provavelmente terão um contacto algures junto das autoridades de saúde”
“Oferecem “entre aspas” exames médicos rastreio disto e daquilo e nós teríamos de nos deslocar ao local, provavelmente para nos venderem algo, não referem habilitações muito menos como conseguiram o meu número. (…) Devem ser os mesmos da venda de colchões e filtros de água, etc porque a converseta é igualzinha além de que mencionam sempre o nome de um familiar meu (…) Costumam arrendar um espaço numa instalação pública tipo escola, bombeiros, centro saúde, etc para dar credibilidade e apresentam-se de bata, mas é trafulhice.”


Vou terminar deixando só mais este artigo no Diário de Notícias, onde é dito que, sobretudo os idosos, devem ter muito cuidado com estes esquemas fraudulentos, quer por telefone quer batendo à porta. Há pessoas que batem à porta, pedem para ver faturas da água e da luz, dizem ser de uma companhia que faz preços mais baratos e levam as pessoas a assinar contratos.
Neste artigo do Diário de Notícias, têm os conselhos da DECO para o que devem fazer, caso tenham caído numa destas burlas. Legalmente, têm cerca de 2 semanas para denunciar o contrato.


Cuidado com as falcatruas!!!

2 comentários

    • Jonathan Malavolta on 21/02/2023 at 17:08
    • Responder

    Uma pergunta e uma observação:

    1 – “Neste artigo do Diário de Notícias, têm os conselhos da DECO para o que devem fazer, caso tenham caído numa destas burlas. Legalmente, têm cerca de 2 semanas para denunciar o contrato.”
    E se o burlado só perceber que caiu em um golpe mais de 2 semanas depois? Ainda assim cabe a denúncia?

    2 – Essa semana, conversei por acaso com um policial aposentado. Me contou o seguinte:
    “Telefonema você esquece, a maioria é de presídio. Uns dias atrás mesmo eu recebi um, relacionado ao falso sequestro:
    – Companheiro, nós estamos com a sua irmã aqui. Onde você quer que a deixemos? Estamos pedindo 300 mil reais de resgate.
    – Olha, vocês podem fazer o que quiserem com ela. Podem estuprar, matar, esquartejar, fazer churrasquinho, enfim! Até porque eu nem tenho irmã, sou filho único.
    Desligaram na minha cara.”

    E comigo já aconteceu de monte, mesmo em presença de autoridades policiais, judiciais, fiscais (bancárias), etc.

    1. “E se o burlado só perceber que caiu em um golpe mais de 2 semanas depois? Ainda assim cabe a denúncia?”

      Não sou especialista, mas segundo a DECO é só até 14 dias…
      Depois disso, se quiser cancelar um contrato feito, penso que terá que pagar uma indemnização.

      A não ser que prove que era uma burla em tribunal… 😉


      “Olha, vocês podem fazer o que quiserem com ela. Podem estuprar, matar, esquartejar, fazer churrasquinho, enfim! Até porque eu nem tenho irmã, sou filho único. Desligaram na minha cara.”

      😀 😀 😀 😀 😀

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