A água que temos na Terra é mais antiga do que o Sol


E é mais antiga do que a Terra e do que todo o sistema solar, pois tem origem na nuvem molecular que formou o nosso sistema.

Antigamente, há muuuuuuito tempo, quando aprendi no Planetário de Lisboa e na escola primária as primeiras noções sobre os planetas que orbitavam o Sol, diziam-nos que água só havia na Terra, pois o restante sistema solar ou eram desertos escaldantes ou frios tenebrosos com tudo seco.

Hoje, a pergunta muito mais interessante que se coloca é: onde não há água no sistema solar?
E isso sim, é difícil de responder.

Mercúrio, Vénus e Marte têm água.

O anel de asteroides tem água: Ceres e Vesta têm água.


Júpiter, Saturno, Urano e Neptuno têm água: nos seus corpos, nos seus anéis e nas suas luas.

Plutão tem muito mais água do que a Terra.

O cinturão de Kuiper tem água.

Os cometas têm água.

Pode-se antes dizer que: há água por todo o lado.

Impressão artística da linha de neve de água que rodeia a jovem estrela V883 Orionis, tal como foi detectada pelo multi-rádio-telescópio ALMA.
Créditos: A. Angelich (NRAO/AUI/NSF)/ALMA (ESO/NAOJ/NRAO)

A água tem polaridade elétrica na sua molécula, o que lhe permite:
– Ter tensão superficial;
– Que o gelo de água flutue na água líquida;
– Ser um solvente de muitas substâncias.

A água exige muita energia para ferver, dado ter uma capacidade de calor específica muito elevada. Ou seja, a água equilibra a temperatura, faz termalização.

Também devido a esta polarização, a água é um refrigerador muito eficiente ao evaporar.

A água é um solvente, mas ela não dissolve tudo, pois existem substâncias hidrofóbicas
No entanto, a água é um solvente muito eficaz dos blocos da vida como a conhecemos.

A água é um meio que transporta iões, nutrientes e resíduos, sendo por estas razões (e por matar a sede) essencial para a vida como a conhecemos.

Aqui permitam um preciosismo: será melhor dizer a vida como ainda a começamos a conhecer.
Estimamos existirem cerca  5 x 10 ^30 de células de prokaryotes na Terra, e teremos de classificar ainda 99,999% destas formas de vida.
Eu ajudo neste número com notação científica: são 5 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 formas de vida.

A água permitiu isto tudo.

As nebulosas IC 429 e IC 430 junto da estrela brilhante mais próxima 49 Ori.
V883 Ori e a discreta protoestrela mesmo na ponta da nebulosa IC 429.
As nebulosas IC 429 e IC 430 não estão correlacionadas com a estrela 49 Orionis mas antes com a protoestrela V883 Orionis.
Créditos: ESO/Digitized Sky Survey 2. Trabalho derivado: Harlock81

A água, que existe dentro do Sol sob a forma molecular e que este mesmo Sol sorve do seu sistema sob a forma de asteroides e de cometas que se despenham na sua superfície (cerca de 2 mil por ano no tempo presente), existia já na nuvem que deu origem ao Sol, à Terra e a todo o Sistema Solar.

Descobrimos isto muito recentemente ao observar sistemas solares em formação e verificar a proporção da água pesada com a água leve, ou seja, do Deutério com o Hidrogénio.
O Deutério é um isótopo, ou uma forma, mais pesada de Hidrogénio.

Transcrevo o comunicado do ESO sobre a descoberta de água na nuvem molecular V883 Orionis, começando pela sua localização.

Créditos: ESO / IAU – Sky & Telescope

A nuvem molecular V883 está a cerca de 1300 anos-luz de distância na constelação de Orion (as 3 Marias) relativamente perto da nebulosa de Orion, a M42, anotada com um círculo vermelho.

A carta acima é uma vista do Hemisfério Norte, no Brasil no Hemisfério Sul deverão inverter a imagem, assim:

Créditos: ESO/IAU – Sky & Telescope

Comunicado do ESO:

Com o auxílio do Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA), os astrónomos detectaram vapor de água no disco de formação planetária situado em torno da estrela V883 Orionis. Esta água apresenta uma assinatura química que explica o percurso da água, desde as nuvens de gás onde se formam as estrelas até aos planetas, e apoia a ideia de que a água existente na Terra é ainda mais antiga do que o nosso Sol.

Podemos agora traçar as origens da água no nosso Sistema Solar para antes da formação do Sol,” diz John J. Tobin, astrónomo no Observatório Nacional de Astronomia Rádio, EUA, e autor principal do estudo publicado hoje na revista Nature.

Esta descoberta foi feita ao estudar a composição da água em V883 Orionis, um disco de formação planetária situado a cerca de 1300 anos-luz de distância da Terra. Quando uma nuvem de gás e poeira colapsa para formar uma estrela no seu centro, forma-se igualmente um disco de material da nuvem em torno da estrela. Ao longo de vários milhões de anos, a matéria deste disco aglomera-se para formar cometas, asteroides e, eventualmente, planetas. Tobin e a sua equipa usaram o ALMA, do qual o ESO é um parceiro, para medir as assinaturas químicas da água e o seu percurso desde a nuvem de formação estelar até aos planetas.

A água é normalmente constituída por um átomo de oxigénio e dois átomos de hidrogénio. A equipa de Tobin estudou uma versão ligeiramente mais pesada da água onde um dos átomos de hidrogénio é substituído por um de deutério — um isótopo pesado do hidrogénio. Uma vez que a água simples e a água pesada se formam sob condições diferentes, o seu quociente pode ser usado para traçar quando e onde é que essa água se formou. Por exemplo, este quociente em alguns cometas do Sistema Solar mostrou ser semelhante ao da água na Terra, sugerindo que os cometas poderão ter trazido água para o nosso planeta.

A viagem da água desde as nuvens até às estrelas jovens e posteriormente dos cometas aos planetas já foi observada anteriormente, mas até agora faltava-nos o elo entre as jovens estrelas e os cometas. “V883 Orionis fornece-nos o elo que nos faltava,” diz Tobin. “A composição da água no disco é muito semelhante à dos cometas no nosso Sistema Solar, o que confirma a ideia de que a água nos sistemas planetários se formou há milhares de milhões de anos atrás, antes do Sol, no espaço interestelar e foi herdada tanto pelos cometas como pela Terra, relativamente inalterada.

Contudo, observar a água revelou-se bastante complicado. “A maioria da água existente nos discos de formação planetária encontra-se sob a forma de gelo e, consequentemente, normalmente escondida dos nossos olhos,” disse a co-autora Margot Leemker, estudante de doutoramento no Observatório de Leiden, nos Países Baixos. O vapor de água pode ser detectado graças à radiação emitida pelas moléculas ao rodar e vibrar, mas isso é mais complicado quando a água se encontra congelada, porque o movimento das moléculas é mais restrito. A água sob a forma de gás pode ser encontrada em direção ao centro dos discos, perto da estrela, onde a temperatura é mais elevada. No entanto, estas regiões mais internas encontram-se escondidas no disco propriamente dito, sendo também muito pequenas para poderem ser observadas com os nossos telescópios.

Felizmente, o disco de V883 Orionis mostrou ser, num estudo recente, invulgarmente quente. Uma enorme quantidade de energia emitida pela estrela aquece o disco “até uma temperatura em que a água já não se encontra sob a forma de gelo mas sim gás, o que nos permite detectá-la,” explica Tobin.

A equipa utilizou o ALMA, uma rede de telescópios no norte do Chile, para observar o vapor de água em V883 Orionis. Graças à sensibilidade e capacidade para observar pequenos detalhes do ALMA, foi possível não só detectar a água mas também determinar a sua composição, para além de se conseguir mapear a sua distribuição no disco. A partir destas observações, descobriu-se que este disco contém, pelo menos, 1200 vezes a quantidade de água que existe em todos os oceanos da Terra.

No futuro, a equipa espera usar o Extremely Large Telescope do ESO e o seu instrumento de primeira geração, o METIS, que trabalhará no infravermelho médio, para resolver o vapor de água neste tipo de discos, fortalecendo assim o elo do percurso da água desde as nuvens de formação estelar até aos sistemas solares. “Um estudo assim dar-nos-á uma visão muito mais completa do gelo e gás nos discos de formação planetária,” conclui Leemker.

Informações adicionais

Este trabalho de investigação foi descrito num artigo intitulado “Deuterium-enriched water ties planet-forming disks to comets and protostars” publicado na revista Nature (doi: 10.1038/s41586-022-05676-z).

A equipa é composta por John J. Tobin (National Radio Astronomy Observatory, EUA), Merel L. R. van’t Hoff (Department of Astronomy, University of Michigan, EUA), Margot Leemker (Observatório de Leiden, Universidade de Leiden, Países Baixos [Leiden]) , Ewine F. van Dishoeck (Leiden), Teresa Paneque-Carreño (Leiden; Observatório Europeu do Sul, Alemanha), Kenji Furuya (Observatório Astronómico Nacional do Japão, Japão), Daniel Harsono (Instituto de Astronomia, Universidade Nacional Tsing Hua, Taiwan), Magnus V. Persson (Departamento do Espaço, da Terra e do Ambiente, Universidade Técnica de Chalmers, Observatório Espacial de Onsala, Suécia), L. Ilsedore Cleeves (Department of Astronomy, University of Virginia, EUA), Patrick D. Sheehan (Center for Interdisciplinary Exploration and Research in Astronomy, Northwestern University, EUA) e Lucas Cieza (Núcleo de Astronomía, Facultad de Ingeniería, Millennium Nucleus on Young Exoplanets and their Moons, Universidad Diego Portales, Chile).

O Observatório Europeu do Sul (ESO) ajuda cientistas de todo o mundo a descobrir os segredos do Universo, o que, consequentemente, beneficia toda a sociedade. No ESO concebemos, construimos e operamos observatórios terrestres de vanguarda — os quais são usados pelos astrónomos para investigar as maiores questões astronómicas da nossa época e levar ao público o fascínio da astronomia — e promovemos colaborações internacionais em astronomia. Estabelecido como uma organização intergovernamental em 1962, o ESO é hoje apoiado por 16 Estados Membros (Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Irlanda, Itália, Países Baixos, Polónia, Portugal, Reino Unido, República Checa, Suécia e Suíça), para além do Chile, o país de acolhimento, e da Austrália como Parceiro Estratégico. A Sede do ESO e o seu centro de visitantes e planetário, o Supernova do ESO, situam-se perto de Munique, na Alemanha, enquanto o deserto chileno do Atacama, um lugar extraordinário com condições únicas para a observação dos céus, acolhe os nossos telescópios. O ESO mantém em funcionamento três observatórios: La Silla, Paranal e Chajnantor. No Paranal, o ESO opera o Very Large Telescope e o Interferómetro do Very Large Telescope, assim como telescópios de rastreio, tal como o VISTA. Ainda no Paranal, o ESO acolherá e operará o Cherenkov Telescope Array South, o maior e mais sensível observatório de raios gama do mundo. Juntamente com parceiros internacionais, o ESO opera o APEX e o ALMA no Chajnantor, duas infraestruturas que observam o céu no domínio do milímetro e do submilímetro. No Cerro Armazones, próximo do Paranal, estamos a construir “o maior olho do mundo voltado para o céu” — o Extremely Large Telescope do ESO. Dos nossos gabinetes em Santiago do Chile, apoiamos as nossas operações no país e trabalhamos com parceiros chilenos e com a sociedade chilena.

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