A origem estelar do Ferro e uma breve história do Aço

Numa das palestras para o público que tenho por trabalho ministrar, existe um quadro numa das paredes da sala, denominada sala Carl Sagan, com uma Tabela Periódica astronómica.

Para a atividade ser lúdica e divertida, costumo cantar os elementos, usando as leves notas mi da música Fur Elise de Beethoven, apontando para o Hidrogénio e para o Hélio.

Divido a Tabela em 2 grandes partes, os elementos leves Hidrogénio e Hélio e os outros todos, os metais.

Metais aqui simplifica e muito, sem embargo dum certo desencanto bastante interessante dos Químicos.
O termo “metais”, apenas quer dizer elementos cada vez mais pesados e muito menos abundantes.

Tabela Periódica Astronómica – A Origem dos Elementos do Sistema Solar
Créditos: Jennifer Johnson / Science Alert

Sigo a cantiga até ao Ferro, mas agora imitando as bandas de metais pesados como os Deep Purple.


Chego ao Ferro e tem de ser com os AC/DC! Muito pesado, música com qualidade e da pesada, o Ferro é pesado. E é o Elemento musical 26!

Mas haverá elementos ainda mais pesados, como a Prata, ou mais ainda, como o Urânio: esses cantam-se com uma partitura hiper-pesada, talvez Bach tenha logrado tal feito.

O Ferro entretanto marca e muito as fases das estrelas, marca e muito o Universo, e marca também e muito as nossas vidas.

Aglomerado estrelar aberto Caixa de Joias, NGC 4755, situado visualmente perto do Cruzeiro do Sul, mas a cervc de 6440 anos-luz. Contém cerca de 100 estrelas muito massivas e muito jovens.
As estrelas da base do “A” são supergigantes que um dia irão colapsar em Supernovas, produzindo o Ferro.
Créditos: ESO/VLT



A Origem do Ferro
(artigo científico)

O ferro é o núcleo mais fortemente ligado na natureza com uma energia de ligação de 8,8 MeV por núcleo e é, portanto, o elemento mais pesado que pode ser sintetizado pela fusão de núcleos mais leves em estrelas massivas.

Possui quatro isótopos estáveis (A = 54, 56, 57 e 58), com quase toda (∼92%) a sua abundância natural observada no Fe56.

O ferro que é injetado no ISM (Meio Interestelar) é feito de material que sofreu queima hidrostática do Oxigénio e do Silício.

A sua assinatura isotópica é determinada pela abundância de partículas livres disponíveis (n, p e α, ou seja Protões, neutrões e núcleos de Hélio-4) geradas na foto-dissociação do 28Si (queima do Silício) e finalizadas na explosão subsequente. O Ferro pode ser sintetizado diretamente como 56Fe ou como o seu precursor radioativo, 56Ni (isótopo de Níquel), dependendo da razão do excesso de neutrões no material em expansão.

O ferro é produzido principalmente em eventos SN Ia (supernovas Um Romano -a, ou de acreção),  causados pela explosão de uma anã branca de carbono-oxigênio que acumulou matéria duma estrela gigante vermelha companheira ou que se fundiu com uma companheira anã branca .

Também é produzido, mas em muito menores quantidades, no ponto final da evolução quiescente de estrelas massivas que terminam as fases de fusão como CCSN (Core Colapse Supernovas). Uma supernova de 25 M⊙ (SN [de 25 massas solares]) produz apenas cerca de 0,07–0,23 M⊙ de ferro, dependendo de vários parâmetros, como a metalicidade estelar inicial, a rotação e mistura estelar interna e as características do pistão (sua localização em massa e sua energia).

1987A supernova, remanescente perto do centro.
Imagem composta por 2 Imagens do domínio público da NASA obtidas com o Telescópio Espacial Hubble.
Edição de imagem com o programa gratuito GIMP.

Quando se simula a explosão SN Ia, esta produz muito mais ferro, teoricamente cerca de 0,32–1,1 M⊙, dependendo dos locais de ignição, da geometria e da propagação da chama nuclear, e o Ferro coalesce em cerca de 0,4 e 1–1,4 M⊙, dependendo dos mecanismos da explosão.

O Ferro entretanto condensa-se sob a forma de gases no meio interestelar após ter sido expelido a velocidades muito elevadas da implosão/explosão das supernovas: acima, na SN1987A, os gases estão a ser expelidos a cerca de 3.000 km/s.

Como o nome indica, esta explosão foi observada em 1987. Localiza-se na Nebulosa da Tarântula, em plena Grande Nuvem de Magalhães, uma galáxia anã a 170.000 anos-luz da Terra.

Tal como a água, todo o Ferro que existe na Terra tem origem na nuvem molecular que colapsou no nosso Sistema Solar e é portanto também bem anterior à formação da Terra.

Nebulosa de Orion – M42.
De acordo com observações do HST, a nebulosa de Orion tem dezenas de sistemas protoplanetários e dezenas de estrelas anãs-marrons/castanhas, anãs-vermelhas e ainda de planetas órfãos. Esta nebulosa é extremamente rica em nuvens moleculares precursoras de discos protoplanetários, ou seja, de sistemas solares nascentes!
Será uma festa cósmica onde todos os convidados, mesmo os de mais tenra idade, compareceram.
Créditos: The Open University / Manel Rosa Martins



Uma breve história do Aço

Desde tempos já antigos, provavelmente a partir do século 13 a.C., as evidências arqueológicas apontam para uma invenção não intencional do Aço, quando o ferro se misturava no fogo com o carvão em brasa.
Ou seja, quando o Ferro se misturava com o Carbono e ficava muito mais duro. O Ferro puro, ao contrário do que nos pode dizer a intuição, é muito mais dúctil do que misturado com uma pequena percentagem, num máximo de exatamente 0.8%, de carbono.

Mesmo o Aço inoxidável tem cerca de 11% de crómio para ser imune à ferrugem e ter uma rigidez adequada por exemplo para os talheres de mesa ou para ferramentas simples.

Entretanto,  na era de 300 anos d.C., na Índia, surgiu o Aço “Wootz,” ou aço de Damasco como ficou conhecido no Ocidente, que era feito de Ferro misturado com carvão vegetal, sem preocupações de limites de quantidades de carbono.
Pensa-se que teria sido mais por necessidade de fazer aço, mas ainda sem parâmetros de qualidade, apenas de quantidade, o que para a época foi um avanço extremamente importante.

O grande salto seguinte verificou-se com a primeira revolução industrial, quando o Aço de crisol surge a partir de 1700 d.C.

O crisol é um recipiente resistente a altas temperaturas e teve origem no aço de Damasco, sendo que o recipiente aumentou de volume para o forno aberto, com o formato do antigo e resistente vaso indiano.

Em 1855, já em plena segunda revolução industrial, foi inventado o processo Bessemer de fabrico do aço, o que permitiu o fabrico em grandes quantidades, sendo a base do tremendo desenvolvimento faseado dos caminhos de ferro, de pontes, da indústria automóvel e da construção de prédios altos, incluindo os arranha-céus.

Esta muito breve história do aço fará todo o sentido se os leitores fizerem uma experiência abstrata: imaginem a nossa civilização sem aço.
Teria a vantagem de não termos armas modernas! Mas não teríamos prédios grandes, nem pontes grandes, nem carros, motas ou caminhões, nem caminhos-de-ferro, nem talheres de mesa práticos e baratos, nem arame… nem sequer teríamos carrinhos de compras no supermercado!
E muitas outras coisas!
De facto, não teríamos a nossa civilização como esta o é.



Este post é dedicado a um grande amigo e colega de Liceu.
Um homem inteligente e divertido, grande velejador e que trabalha como operário especializado na indústria do aço na Alemanha.

Obrigado Luís Sancho!



Nota: a parte denominada Origem do Ferro é uma tradução simples do paper científico do IoP – Institute of Physics: Iron: a key element for understanding the origin and evolution of interstellar dust.

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