Numa das palestras para o público que tenho por trabalho ministrar, existe um quadro numa das paredes da sala, denominada sala Carl Sagan, com uma Tabela Periódica astronómica.
Para a atividade ser lúdica e divertida, costumo cantar os elementos, usando as leves notas mi da música Fur Elise de Beethoven, apontando para o Hidrogénio e para o Hélio.
Divido a Tabela em 2 grandes partes, os elementos leves Hidrogénio e Hélio e os outros todos, os metais.
Metais aqui simplifica e muito, sem embargo dum certo desencanto bastante interessante dos Químicos.
O termo “metais”, apenas quer dizer elementos cada vez mais pesados e muito menos abundantes.
Sigo a cantiga até ao Ferro, mas agora imitando as bandas de metais pesados como os Deep Purple.
Chego ao Ferro e tem de ser com os AC/DC! Muito pesado, música com qualidade e da pesada, o Ferro é pesado. E é o Elemento musical 26!
Mas haverá elementos ainda mais pesados, como a Prata, ou mais ainda, como o Urânio: esses cantam-se com uma partitura hiper-pesada, talvez Bach tenha logrado tal feito.
O Ferro entretanto marca e muito as fases das estrelas, marca e muito o Universo, e marca também e muito as nossas vidas.
A Origem do Ferro
(artigo científico)
O ferro é o núcleo mais fortemente ligado na natureza com uma energia de ligação de 8,8 MeV por núcleo e é, portanto, o elemento mais pesado que pode ser sintetizado pela fusão de núcleos mais leves em estrelas massivas.
Possui quatro isótopos estáveis (A = 54, 56, 57 e 58), com quase toda (∼92%) a sua abundância natural observada no Fe56.
O ferro que é injetado no ISM (Meio Interestelar) é feito de material que sofreu queima hidrostática do Oxigénio e do Silício.
A sua assinatura isotópica é determinada pela abundância de partículas livres disponíveis (n, p e α, ou seja Protões, neutrões e núcleos de Hélio-4) geradas na foto-dissociação do 28Si (queima do Silício) e finalizadas na explosão subsequente. O Ferro pode ser sintetizado diretamente como 56Fe ou como o seu precursor radioativo, 56Ni (isótopo de Níquel), dependendo da razão do excesso de neutrões no material em expansão.
O ferro é produzido principalmente em eventos SN Ia (supernovas Um Romano -a, ou de acreção), causados pela explosão de uma anã branca de carbono-oxigênio que acumulou matéria duma estrela gigante vermelha companheira ou que se fundiu com uma companheira anã branca .
Também é produzido, mas em muito menores quantidades, no ponto final da evolução quiescente de estrelas massivas que terminam as fases de fusão como CCSN (Core Colapse Supernovas). Uma supernova de 25 M⊙ (SN [de 25 massas solares]) produz apenas cerca de 0,07–0,23 M⊙ de ferro, dependendo de vários parâmetros, como a metalicidade estelar inicial, a rotação e mistura estelar interna e as características do pistão (sua localização em massa e sua energia).
Quando se simula a explosão SN Ia, esta produz muito mais ferro, teoricamente cerca de 0,32–1,1 M⊙, dependendo dos locais de ignição, da geometria e da propagação da chama nuclear, e o Ferro coalesce em cerca de 0,4 e 1–1,4 M⊙, dependendo dos mecanismos da explosão.
O Ferro entretanto condensa-se sob a forma de gases no meio interestelar após ter sido expelido a velocidades muito elevadas da implosão/explosão das supernovas: acima, na SN1987A, os gases estão a ser expelidos a cerca de 3.000 km/s.
Como o nome indica, esta explosão foi observada em 1987. Localiza-se na Nebulosa da Tarântula, em plena Grande Nuvem de Magalhães, uma galáxia anã a 170.000 anos-luz da Terra.
Tal como a água, todo o Ferro que existe na Terra tem origem na nuvem molecular que colapsou no nosso Sistema Solar e é portanto também bem anterior à formação da Terra.
Uma breve história do Aço
Desde tempos já antigos, provavelmente a partir do século 13 a.C., as evidências arqueológicas apontam para uma invenção não intencional do Aço, quando o ferro se misturava no fogo com o carvão em brasa.
Ou seja, quando o Ferro se misturava com o Carbono e ficava muito mais duro. O Ferro puro, ao contrário do que nos pode dizer a intuição, é muito mais dúctil do que misturado com uma pequena percentagem, num máximo de exatamente 0.8%, de carbono.
Mesmo o Aço inoxidável tem cerca de 11% de crómio para ser imune à ferrugem e ter uma rigidez adequada por exemplo para os talheres de mesa ou para ferramentas simples.
Entretanto, na era de 300 anos d.C., na Índia, surgiu o Aço “Wootz,” ou aço de Damasco como ficou conhecido no Ocidente, que era feito de Ferro misturado com carvão vegetal, sem preocupações de limites de quantidades de carbono.
Pensa-se que teria sido mais por necessidade de fazer aço, mas ainda sem parâmetros de qualidade, apenas de quantidade, o que para a época foi um avanço extremamente importante.
O grande salto seguinte verificou-se com a primeira revolução industrial, quando o Aço de crisol surge a partir de 1700 d.C.
O crisol é um recipiente resistente a altas temperaturas e teve origem no aço de Damasco, sendo que o recipiente aumentou de volume para o forno aberto, com o formato do antigo e resistente vaso indiano.
Em 1855, já em plena segunda revolução industrial, foi inventado o processo Bessemer de fabrico do aço, o que permitiu o fabrico em grandes quantidades, sendo a base do tremendo desenvolvimento faseado dos caminhos de ferro, de pontes, da indústria automóvel e da construção de prédios altos, incluindo os arranha-céus.
Esta muito breve história do aço fará todo o sentido se os leitores fizerem uma experiência abstrata: imaginem a nossa civilização sem aço.
Teria a vantagem de não termos armas modernas! Mas não teríamos prédios grandes, nem pontes grandes, nem carros, motas ou caminhões, nem caminhos-de-ferro, nem talheres de mesa práticos e baratos, nem arame… nem sequer teríamos carrinhos de compras no supermercado!
E muitas outras coisas!
De facto, não teríamos a nossa civilização como esta o é.
Este post é dedicado a um grande amigo e colega de Liceu.
Um homem inteligente e divertido, grande velejador e que trabalha como operário especializado na indústria do aço na Alemanha.
Obrigado Luís Sancho!
Nota: a parte denominada Origem do Ferro é uma tradução simples do paper científico do IoP – Institute of Physics: Iron: a key element for understanding the origin and evolution of interstellar dust.
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