Você nunca vai adivinhar como o Google preenche automaticamente:
“Os buracos negros têm…” [ “Do black holes have…” ]
A resposta?
“… sem cabelo?” [ “…no hair?”]
Essa estranha questão tem sido debatida por físicos há pelo menos quarenta anos, e hoje parece que podemos estar nos aproximando de uma resposta ainda mais estranha:
Eles têm cabelos macios.
Isso é, pelo menos, de acordo com o que Stephen Hawking nos ensina. Hawking visitou Harvard em abril de 2016 para dar uma palestra lotada no Sanders Theatre. Os professores Hawking e Malcolm Perry, da Universidade de Cambridge, tinham trabalhado em estreita colaboração com o professor de Harvard, Andy Strominger, a fim de explicar alguns dos mistérios mais profundos que cercam os buracos negros e o destino da informação no Universo. Este trabalho de Hawking, Perry e Strominger tem algumas implicações profundas sobre como entendemos não apenas os buracos negros, mas todos os objetos cosmológicos, e pode ser perfeitamente resumido no seguinte teorema: “Os buracos negros têm cabelos macios” [ “Black holes have soft hair” ].
O que são buracos negros?
Os buracos negros estão entre os objetos mais extremos do nosso Universo, lugares onde os efeitos gravitacionais se tornam tão fortes que nossas teorias físicas atuais começam a ruir. Antes uma construção teórica, a detecção direta em 14 de setembro de 2015 (LIGO) finalmente provou sua existência. No entanto, sua própria existência representa um profundo desafio aos nossos princípios fundamentais sobre como nosso mundo evolui. Como veremos, se quisermos prever o futuro do nosso Universo, precisamos entender como funcionam os buracos negros.
As forças gravitacionais podem ser consideradas como correntes em um rio, puxando objetos em certas direções. Nesse rio, um buraco negro é como uma cachoeira grande e íngreme, onde a corrente fica tão forte que nem a luz consegue escapar. Assim como nada flui de volta de uma cachoeira, não sabemos absolutamente nada sobre o que está dentro de um buraco negro, já que nada é emitido.
Bem, quase nada. Em 1974, Hawking mostrou que os buracos negros podem emitir calor. À medida que os buracos negros aquecem lentamente seus arredores, eles perdem energia (e, portanto, perdem massa de acordo com E=mc2) até que não haja mais nada. Eles evaporam, encolhendo até que haja apenas um espaço vazio. Este é um processo muito lento, análogo à erosão gradual da falésia sob a cachoeira. Se você esperasse o tempo suficiente, o penhasco acabaria se transformando em um declive suave e não haveria mais uma queda assustadora para o desconhecido.
O que é o “cabelo” (hair) em um buraco negro?
Quase todos os objetos macroscópicos que você conhece são incrivelmente complexos. Veja os planetas, por exemplo: não há dois planetas iguais, porque cada um tem inúmeras propriedades e características. Para que os planetas sejam realmente indistinguíveis, eles devem ter exatamente a mesma densidade e composição em todos os pontos internos, e isso representaria uma quantidade verdadeiramente colossal de informações.
Mas os buracos negros, por outro lado, são surpreendentemente simples. Para um observador externo, um buraco negro se parece com uma partícula clássica, completamente caracterizada por apenas três números: sua massa total, carga elétrica e spin (por exemplo, o calor emitido é inteiramente determinado pela massa). Diferentes buracos negros com essas mesmas três propriedades são verdadeiramente indistinguíveis. Tal significa que não há medições que possam ser feitas do lado de fora para diferenciá-los. Se ‘cabelo’ (soft hair) é o apelido carinhoso dado a características que nos ajudam a diferenciar os objetos, então os buracos negros têm quase nenhum (portanto, diz-se: ‘buracos negros não têm cabelo’).
Para entender as implicações do “no hair teorem” (teorema da ausência de cabelo em buracos negros) sobre como os objetos interagem com um buraco negro, precisamos abordar as leis de conservação da física. Uma ‘carga’, conforme definida pelos físicos, é alguma quantidade mensurável que não muda com o tempo. Um exemplo familiar é a carga elétrica, mas massa e momento também podem ser pensados como cargas. Essas quantidades ajudam os físicos a prever o futuro – se começarmos com um quilograma de “material” em alguma configuração, podemos prever com confiança a massa total da configuração final em um momento muito posterior (ou seja, um quilograma). Você pode reconhecer isso como o princípio da conservação de massa. Os buracos negros também obedecem a essas leis de conservação: as cargas para o buraco negro final devem ser iguais à soma de suas cargas originais mais aquelas transportadas pelos objetos que ele engoliu. Portanto, mesmo que um objeto caindo em um buraco negro se perca de vista, as leis de conservação nos permitem usar medições do buraco negro inicial e final para deduzir algumas propriedades que o objeto carregava. Mas só algumas propriedades, já que as únicas propriedades mensuráveis do buraco negro final são sua massa total, carga elétrica e rotação. Isso tem consequências importantes sobre como as informações são tratadas. Você poderia lançar estrelas inteiras e planetas de uma miríade de formas e cores, e o buraco negro reduziria toda a sua complexidade a apenas três números, o que significa que muita informação foi perdida.
Isso representa um problema conhecido historicamente como o paradoxo da informação. Suponha que você monte algum aparato de laboratório e faça um experimento. Você pode usar suas hipóteses científicas para fazer uma previsão. No final do experimento, você pode anotar suas descobertas e usar seus resultados para apoiar/refutar suas hipóteses. É assim que a ciência progride tradicionalmente: por exemplo, se inicialmente misturarmos hidrogênio e oxigênio e depois descobrirmos que ficamos com água, isso corrobora nossa hipótese de que a água é composta de hidrogênio e oxigênio. A suposição implícita é que o Universo é determinístico, de modo que o estado final de seu experimento (seus resultados) é completamente determinado pela forma como você o configura inicialmente. Inversamente, se compreendermos os princípios científicos que regem um fenômeno e observarmos um determinado resultado de um experimento, seremos capazes de deduzir as configurações iniciais. Seria impossível fazer ciência se o fim de seu experimento não tivesse absolutamente nada a ver com o início. Assim, a capacidade de fazer previsões usando princípios de causalidade é um princípio fundador do método científico.
Um Universo determinístico parece muito próximo de nossa experiência. Mas, por muito tempo, os buracos negros apresentaram um contra-exemplo flagrante a esse princípio. Se um buraco negro não der nenhuma informação (além da massa, carga elétrica e rotação) sobre sua história de consumo e depois evaporar completamente em apenas um espaço vazio, o resultado seria totalmente independente do estado inicial (que pode conter estrelas, planetas, etc.). Esse paradoxo atinge o cerne do determinismo. Se o futuro realmente é divorciado do que aconteceu no passado (o que caiu no buraco negro e quando caiu), então não há como prever o futuro usando o conhecimento do presente, ameaçando assim o cerne da ciência.
O que torna o cabelo do buraco negro soft (macio)?
Buracos negros (na verdade, todos os objetos com massa) perturbam o espaço-tempo ao seu redor, causando distorção de relógios (tempo) e réguas (espaço). Em teoria, para medir cargas tradicionais (cabelos) como a massa total, basta colocar alguns relógios e réguas bem próximos ao objeto e medir essa distorção local. Essa perturbação desaparece à medida que nos afastamos cada vez mais do objeto e, portanto, historicamente, raciocinou-se que os detectores seriam insensíveis às propriedades de objetos distantes. Essa hipótese está agora sendo revisada, à luz da recente investigação de Strominger e seus colegas sobre as chamadas ‘cargas suaves (cabelo)’, que correspondem a distorções não triviais em réguas e relógios distantes que são sensíveis ao histórico de consumo do buraco negro.
De acordo com essa nova hipótese, se colocarmos dois relógios a uma grande distância do buraco negro, à medida que ele decai, encontraremos uma mudança mensurável na separação e no atraso entre os relógios. O efeito é muito pequeno, mas pode no futuro ser mensurável por experimentos terrestres como o LIGO nos EUA, ou seus equivalentes na Europa (Virgo) ou Japão (KAGRA), ou por missões de satélite como o próximo experimento eLISA da Agência Espacial Europeia (lançamento provisório em 2034). Portanto, embora o buraco negro decaia para apenas espaço vazio, na verdade há informações valiosas codificadas na estrutura do espaço e do tempo em si – permitindo-nos reconstruir as propriedades de tudo o que o buraco negro engoliu antes de evaporar. Isso é conhecido como efeito de memória gravitacional: réguas e relógios distantes podem se lembrar de algo da história do Universo. Neste caso, os relógios distantes estão se lembrando do cabelo macio do buraco negro.
Se os buracos negros têm tal efeito em relógios distantes – como argumentam Hawking, Perry e Strominger – então um grande passo para resolver o paradoxo da informação foi dado. Os buracos negros teriam muito mais do que apenas três números para registrar o que engoliram – todas as orientações possíveis de nossas réguas e relógios distantes mediriam um fio de cabelo diferente e portanto, em princípio, há um número infinito de tais propriedades! Isso significa que, se alguém observar a erosão tardia do buraco negro com bastante atenção, poderá reconstruir toda a sua história. Efetivamente, estaríamos casando novamente o futuro com o passado para garantir que, com informações suficientes sobre o presente, possamos prever o destino de longo prazo do nosso Universo.
Quais são as implicações?
Embora a teoria do “cabelo macio” ainda esteja em sua infância – atualmente é mais uma explicação qualitativa do que uma descrição matemática rigorosa – ela representa uma solução promissora para o paradoxo da informação para os buracos negros. Além disso, há uma miríade de implicações de longo alcance.
Todas as massas perturbam o espaço-tempo ao seu redor e, portanto, devem ter cargas leves mensuráveis (além de suas outras quantidades conservadas, como massa, momento e carga elétrica). Isso fornece uma maneira totalmente nova de pensar e investigar os objetos cosmológicos em nosso Universo. Fazendo medições precisas de mudanças em relógios/réguas aqui na Terra, podemos medir essas cargas suaves de objetos distantes, permitindo-nos inferir coisas interessantes sobre sua história (por exemplo, como as estrelas de nêutrons colidem, ou como o Universo como um todo evoluiu).
Assim como Newton nos ensinou a prever como as bolas de bilhar colidem usando a conservação de energia, Hawking, Perry e Strominger estão nos ensinando a prever como a informação flui entre os corpos celestes usando a conservação de carga suave. Suas percepções nos ajudam a entender o vasto cosmos ao nosso redor, vislumbrar os futuros experimentos da humanidade e abrir caminho para uma descrição mais completa do nosso Universo.
Fonte
Universidade de Harvard: Black Holes Have Soft Hair
._._.
1 comentário
E no Brasil, nós temos condições de caminhar nessa direção, entender a estrutura do espaço-tempo buscando estudar os buracos negros?