Estrelas pobres em metais são mais favoráveis ​​à vida?

A composição química de uma estrela influencia nas chances de vida complexa em planetas da sua vizinhança?

Infográfico compara efeitos em exoplanetas para estrelas ricas em metais versus estrelas pobres em metais. Crédito: Max Planck Institute for Solar System

Estrelas que contêm quantidades comparativamente grandes de elementos pesados ​​fornecem condições menos favoráveis ​​para o surgimento de vida complexa do que estrelas pobres em metais, como descobriram cientistas dos Institutos Max Planck para Pesquisa do Sistema Solar e Química, bem como da Universidade de Göttingen. A equipe mostrou como a metalicidade de uma estrela está ligada à capacidade de seus planetas se cercarem de uma camada protetora de ozônio. Crucial para isso é a intensidade da luz ultravioleta que a estrela emite para o espaço, em diferentes faixas de comprimento de onda. O estudo fornece aos cientistas que pesquisam o céu com telescópios espaciais em busca de sistemas estelares habitáveis ​​pistas importantes sobre onde esse empreendimento pode ser particularmente promissor. Também sugere uma conclusão surpreendente: à medida que o universo envelhece, torna-se cada vez mais hostil ao surgimento de vida complexa em novos planetas.

 

Na busca por planetas habitáveis ​​ou mesmo habitados orbitando estrelas distantes, os pesquisadores nos últimos anos têm se concentrado cada vez mais nos envelopes gasosos desses mundos. Os dados observacionais mostram evidências de uma atmosfera? Talvez contenha gases como oxigênio ou metano, que na Terra são produzidos quase exclusivamente como produtos metabólicos de formas de vida? Nos próximos anos, essas observações serão levadas a novos limites: o Telescópio James Webb da Nasa permitirá não apenas caracterizar as atmosferas de grandes gigantes gasosos como Super-Netunos, mas também analisar pela primeira vez os sinais espectrográficos muito mais fracos de atmosferas de planetas rochosos.

Com a ajuda de simulações numéricas, o estudo atual, publicado na Nature Communications, agora se volta para o conteúdo de ozônio nas atmosferas dos exoplanetas. Como na Terra, este composto de três átomos de oxigênio pode proteger a superfície do planeta (e as formas de vida que residem nele) da radiação ultravioleta (UV) que danifica as células. Uma camada protetora de ozônio é, portanto, um pré-requisito fundamental para o surgimento de vida complexa.

Anna Shapiro, cientista do Instituto Max Planck para Pesquisa do Sistema Solar e líder da pesquisa, explicou:

Queríamos entender quais propriedades uma estrela deve ter para que seus planetas formem uma camada protetora de ozônio.

Anna Shapiro

Como costuma acontecer em ciências, essa ideia foi desencadeada por uma descoberta anterior. Três anos atrás, pesquisadores liderados pelo Instituto Max Planck para Pesquisa do Sistema Solar compararam as variações de brilho do Sol com as de centenas de estrelas semelhantes ao Sol.

O resultado: a intensidade da luz visível de muitas dessas estrelas flutua muito mais fortemente do que o nosso Sol.

Alexander Shapiro, que esteve envolvido nas análises de três anos atrás e no estudo atual, afirmou:

Vimos picos enormes de intensidade. Portanto, é também possível que o Sol também seja capaz de tais picos de intensidade. Nesse caso a intensidade da luz ultravioleta aumentaria drasticamente.

Alexander Shapiro

Sami Solanki, diretor do Instituto Max Planck para Pesquisa do Sistema Solar e coautor de ambos os estudos, disse:

Naturalmente nos perguntamos o que isso significaria para a vida complexa na Terra e como seria a situação em outros sistemas estelares.

Sami Solanki

O duplo papel da radiação Ultravioleta (UV)

Na superfície de cerca de metade de todas as estrelas em torno das quais os exoplanetas orbitam, as temperaturas variam entre 5.000 e 6.000 graus Celsius. Assim, em seus cálculos, os pesquisadores se voltaram para esse subgrupo. Com uma temperatura de superfície de aproximadamente 5.500 graus Celsius, o Sol também é um deles.

Anna Shapiro, cuja pesquisa anterior se concentrava na influência da radiação solar na atmosfera da Terra, afirmou:

Na química atmosférica da Terra, a radiação ultravioleta do Sol desempenha um papel duplo.

Anna Shapiro

 

Em reações com átomos de oxigênio individuais e moléculas de oxigênio, o ozônio pode ser criado e destruído. Enquanto a radiação UV-B de onda longa destrói o ozônio, a radiação UV-C de onda curta ajuda a criar ozônio protetor no meio da atmosfera.

Portanto, era razoável assumir que a luz ultravioleta também pode ter uma influência complexa semelhante nas atmosferas dos exoplanetas.

Anna Shapiro

Assim, os comprimentos de onda precisos são cruciais.

Os pesquisadores, portanto, calcularam exatamente quais comprimentos de onda compõem a luz ultravioleta emitida pelas estrelas. Pela primeira vez, eles também consideraram a influência da metalicidade. Essa propriedade descreve a proporção de hidrogênio para elementos mais pesados ​​(chamados de maneira simplista e um tanto enganosa de “metais” pelos astrofísicos) no material de construção da estrela. No caso do Sol, existem mais de 31.000 átomos de hidrogênio para cada átomo de ferro. O estudo também considerou estrelas com menor e maior teor de ferro.

Interações simuladas de radiação UV com gases

Em uma segunda etapa, a equipe investigou como a radiação ultravioleta calculada afetaria as atmosferas dos planetas que orbitam a uma distância favorável à vida em torno dessas estrelas. As distâncias favoráveis ​​à vida são aquelas que permitem temperaturas moderadas – nem muito quente nem muito frio para a água líquida – na superfície do planeta.

Para esses mundos, a equipe simulou no computador exatamente o que processa a luz ultravioleta característica da estrela-mãe que se põe em movimento na atmosfera do planeta. Para calcular a composição das atmosferas planetárias, os pesquisadores usaram um modelo químico-climático que simula os processos que controlam o oxigênio, o ozônio e muitos outros gases e suas interações com a luz ultravioleta das estrelas, em altíssima resolução espectral. Este modelo permitiu a investigação de uma grande variedade de condições em exoplanetas e a comparação com a história da atmosfera da Terra nos últimos meio bilhão de anos. Durante este período foi estabelecido o alto teor de oxigênio atmosférico e a camada de ozônio que permitiu a evolução da vida terrestre em nosso planeta.

Jos Lelieveld, diretor administrativo do Instituto Max Planck de Química, que participou do estudo, declarou:

É possível que a história da Terra e sua atmosfera contenham pistas sobre a evolução da vida que também podem se aplicar aos exoplanetas.

Jos Lelieveld

Candidatos Promissores

Os resultados das simulações foram surpreendentes para os cientistas.

Em geral, estrelas pobres em metais emitem mais radiação UV do que suas contrapartes ricas em metais. Mas, a proporção da radiação UV-C geradora de ozônio para a radiação UV-B destruidora de ozônio também depende criticamente da metalicidade: em estrelas pobres em metais, a radiação UV-C predomina, permitindo a formação de uma densa camada de ozônio. Para estrelas ricas em metais, com sua radiação UV-B predominante, essa camada protetora pode ser muito mais esparsa.

Ao contrário das expectativas, as estrelas pobres em metais devem fornecer condições mais favoráveis ​​para o surgimento da vida complexa.

Anna Shapiro

Essa descoberta pode ser útil para futuras missões espaciais, como a Plato [1] da ESA, que vasculhará uma vasta gama de estrelas em busca de sinais de exoplanetas habitáveis. Com 26 telescópios a bordo, a sonda homônima será lançada ao espaço em 2026 e focará sua atenção principalmente em planetas semelhantes à Terra orbitando estrelas semelhantes ao Sol a distâncias favoráveis ​​à vida. O centro de dados da missão está sendo instalado no Instituto Max Planck para Pesquisa do Sistema Solar.

Laurent Gizon, diretor administrativo do Instituto e coautor do estudo atual, ressaltou:

Nosso estudo atual nos dá pistas valiosas sobre quais estrelas a missão Plato [1] deverá prestar atenção especial.

Laurent Gizon

Conclusão Paradoxal

Além disso, o estudo chega a uma conclusão quase paradoxal: à medida que o universo envelhece, é provável que se torne cada vez mais hostil à vida complexa. Metais e outros elementos pesados ​​são formados dentro das estrelas no final de seus vários bilhões de anos de vida e – dependendo da massa da estrela – são liberados no espaço como vento estelar ou em uma explosão de supernova: o material de construção para a próxima geração de estrelas. 

Cada estrela recém-formada, portanto, tem mais material de construção rico em metal disponível do que suas predecessoras. As estrelas no universo estão se tornando mais ricas em metal a cada geração.

Anna Shapiro

De acordo com o novo estudo, a probabilidade de que os sistemas estelares produzam vida também diminui à medida que o universo envelhece. No entanto, a busca pela vida não é sem esperança. Afinal, muitas estrelas hospedeiras de exoplanetas têm uma idade semelhante à do Sol. E esta estrela é realmente conhecida por abrigar formas de vida complexas e interessantes em pelo menos um de seus planetas.

Nota [1]

PLATO (PLAnetary Transits and Oscillations of stars mission) é a missão M3 do Programa Cosmic Vision 2015-2025 da ESA. O empreendimento visa encontrar e estudar um grande número de sistemas planetários extra-solares, com ênfase nas propriedades dos planetas terrestres na zona habitável em torno de estrelas semelhantes ao Sol. O produto final do PLATO será um catálogo que inclui determinações precisas dos raios do planeta, massas (daí as densidades médias), irradiação estelar, arquitetura de sistemas planetários e idades/estágios evolutivos. Para atingir seus objetivos científicos, o satélite PLATO realizará monitoramento fotométrico ininterrupto de alta precisão de grandes amostras de estrelas durante longos períodos (até vários anos) para detectar trânsitos planetários. Os dados fotométricos de PLATO ou curvas de luz também conterão informações da atividade sísmica das estrelas. A análise das curvas de luz levará à determinação dos raios planetários, idades e inclinações orbitais dos planetas. Os planetas candidatos detectados pelo PLATO serão confirmados com observações terrestres. As massas planetárias serão determinadas através do estudo das variações do tempo de trânsito ou através de medições de velocidade radial realizadas em observatórios terrestres. PLATO está programado para ser lançado em 2026.

Logo da Missão Plato da ESA

Artigo Científico

Nature: Metal-rich stars are less suitable for the evolution of life on their planets

Fonte

MPG: Metal-poor stars are more life-friendly

._._.

2 comentários

  1. Carlos

    Seu comentário me lembra do livro que li há mais de 15 anos do Peter Ward.🤔

    “ Life As We Do Not Know It: The NASA Search for (and Synthesis of) Alien Life”

    https://www.amazon.com.br/Life-As-We-Not-Know/dp/0670034584?dplnkId=c720cd97-7b7e-42cf-8853-fccb81feffd5&nodl=1

    😉

  2. Excelente estudo na determinação de algumas limitações.

    Só corrigiria uma pequena coisa, quer no artigo científico quer no comunicado de imprensa: é “life as we know it”.
    Ou seja, “o surgimento de vida complexa”… tal como a conhecemos.

    Estamos à procura de vida tal como a conhecemos na Terra.
    E tem que ser assim, obviamente. Mas é uma limitação.

    abraço!

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