Na décima terceira aula do Crash Course de Filosofia perguntamo-nos porque é que existe Mal? Ou melhor, como é que Deus, se existir, pode permitir o Mal?
Na última aula falámos da definição de Deus e de alguns problemas em defini-lo como omnisciente, omnipotente e omnibenevolente. Um dos problemas mais óbvios é o Problema Lógico do Mal: se Deus sabe tudo, o seu poder não tem limites e se é perfeitamente bom, porque é que existe Mal? Com “Mal” estamos a referir-nos tanto a coisas causadas pelo Homem (como sejam genocídios) como a catástrofes naturais. Se Deus existe, porque é que permite isso tudo?
À partida parece só haver duas hipóteses: ou Deus não existe ou Deus não tem as tais características que os teólogos julgam que ele tem (omnisciência, omnipotência e omnibenevolência). Isto é, Deus poderá não estar a par do Mal, ou pode não ter o poder necessário para impedir o Mal, ou pode não se importar com esse Mal (isto é, não será um Deus assim tão “bom” quanto se supõe). (Para os cristãos, de facto, e com base no Velho Testamento, alguns poderiam argumentar que realmente Deus não deve ser “bom”.)
Como é claro, para os teístas nem uma nem outra das hipóteses é aceitável. Seguem-se algumas das formas de tentar resolver o problema mantendo a definição de Deus intacta.
O argumento mais comum baseia-se no livre arbítrio e resume-se ao seguinte:
Deus maximizou o Bem no mundo através da criação de seres livres. E para os seres serem de facto livres têm que ter a liberdade de fazer coisas más. Trata-se de um direito que alguns usam e por isso existe Mal.
Ou seja, neste argumento assume-se que Deus não pode impedir o Mal cometido pelo Homem pois nesse caso estaria a restringir a liberdade deste, o que acabaria por ser um Mal superior.
Se o leitor estiver atento irá notar que este argumento apenas serve para o Mal moral. E as catástrofes naturais (ou o Mal cometido acidentalmente por humanos)?
Um outro argumento mais genérico afirma que para valorizarmos o Bem (ou até para o podermos definir) precisamos do seu oposto, o Mal. Seguindo a mesma linha de raciocínio, o filósofo e teólogo britânico John Hick (1922-2012) sugeriu que o Mal tem um propósito e é necessário. Para ele, as dificuldades da vida são aquilo que permitem ao Homem “crescer” e demonstrar o seu carácter. Isto é, a imperfeição do mundo é o que nos permite sermos mais que meros “animais de estimação” de Deus.
O leitor vê algum problema lógico neste argumento?
Para muitos filósofos, o problema está na quantidade de Mal que vemos no mundo. Para criar um contraste e/ou para tornar o Homem mais robusto, será que era preciso tanto Mal?! Se fosse essa a lógica segundo a qual Deus se guiava, então faria sentido observar apenas um nível mínimo de Mal no mundo para cumprir esse requisito. Ao invés disso, observamos imensas tragédias que em vez de “testarem” as populações face a infortúnios, acabam antes por as dizimar por completo.
Segundo Nietzsche, o que não nos mata torna-nos mais fortes… Mas se de facto nos mata, não ficamos mais fortes no processo.
É claro que os teístas podem sempre recorrer ao pseudo-argumento de que não podemos compreender Deus… Mas se assim é, para quê definir Deus?!…
Como escrevi no artigo anterior, para mim, tudo isto é uma não-questão visto não existirem evidências de que Deus existe. E se quiséssemos assumir que existia, as suas características deveriam ser baseadas naquilo que observamos e não naquilo que gostaríamos que Ele fosse.
“Esta coisa toda do Pai Natal não faz sentido. Porquê todo o secretismo? Porquê todo o mistério? Se o gajo existe, porque é que ele não se mostra para o provar? E se ele não existe, o que significa tudo isto? – Não sei… O dia de Natal é apenas um feriado religioso, não? – Sim, mas na verdade tenho as mesmas questões sobre Deus.”
1 comentário
A questão é que a definição de Mal é subjetivo: o que é Mal para ti, pode não ser Mal para Deus 😉
“as suas características deveriam ser baseadas naquilo que observamos” – se assim fosse, então a conclusão tem que ser que não existe. 😉