A Aposta de Pascal – CC(15)

Na décima quinta aula do Crash Course de Filosofia vamos conhecer o Pragmatismo, com particular foco na famosa Aposta de Pascal.

O Pragmatismo defende que a utilidade é mais importante que a verdade. Isto é, um pragmático prefere ter crenças que lhe sejam úteis na sua vida, independentemente se são verdadeiras ou falsas. Blaise Pascal (1623-1662), matemático, físico e filósofo francês, era um pragmático. Era também um crente em Deus. Para ele, crer em Deus poderia ser encarado como uma escolha pragmática. Conheçamos a sua Aposta.

Temos duas hipóteses: ou cremos em Deus, ou não. Por outro lado, Deus ou existe, ou não.

Se Deus não existe, crer nele ou não parece indiferente.

Se Deus existe, então convém crer nele, pois o contrário pode-nos conduzir ao inferno.

Tendo em conta estes cenários, a escolha que nos pode ser mais útil parece óbvia: devemos “apostar” que Deus existe pois é o único cenário em que podemos ganhar algo (o paraíso), sem correr o risco de ir para o inferno. Apostar que não existe não nos dá nada, mesmo que tenhamos razão.

Consegue pensar em algum contra-argumento?

Podemos disputar a parte em que se sugere que apostar que não existe Deus não nos oferece nada e que acreditar só significa receber uma entrada para o Paraíso. Acreditar num Deus acarreta por norma seguir vários rituais e/ou condutas morais, os quais podem ter um custo na nossa vida, como seja perder tempo. Se Deus não existir, é tempo de facto perdido: o investimento não foi nulo, mas o suposto benefício pode sê-lo.

Também se pode contra-argumentar que o benefício principal em acreditar em Deus não está necessariamente na recompensa do Paraíso. Acreditar só por si tem benefícios: a pessoa pode sentir-se mais segura, com um propósito na vida, mais realizada e com menos medo da morte.

Também se pode obstar que acreditar apenas por interesses poderá não garantir esses mesmos interesses! Pelo menos de acordo com o Cristianismo, Deus quer que sejamos altruístas e desinteressados, logo parece pouco plausível que se possa ter acesso ao paraíso caso o sujeito viva apenas em função dessa recompensa. Ainda assim, Pascal defendeu a sua aposta afirmando que Deus só quer saber se acreditamos nele, a motivação é irrelevante. (Eu perguntaria ao Pascal se ele teria falado com Deus para saber isso.) Do ponto de vista de Pascal, o que pode começar como um género de lavagem cerebral auto-imposta motivada pela recompensa, pode depois transformar-se numa crença convicta. (Será? De facto não é incomum convencermo-nos de coisas que à partida sabíamos ser mentira. Por isso, concordo com o Pascal, que é possível, ainda que não tenha que necessariamente funcionar.)

Um outro problema evidente com o argumento de Pascal é que o mesmo funciona para qualquer religião. Então em qual Deus é que devemos acreditar?! Muitas religiões são mutuamente exclusivas, o que significa que não podemos simplesmente acreditar em todos os Deuses e esperar receber pelo menos uma das recompensas.

 

Na aula também é referido o Fideísmo, uma doutrina segundo a qual a crença religiosa tem que partir de crença apenas. O filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard (1813-1855) disse a famosa frase:

“Eu acredito porque é absurdo acreditar.”

Segundo os fideístas, factos e argumentos são maus para a religião. De certa forma faz sentido, porque de facto as religiões não sobrevivem a factos e argumentos. Deste ponto de vista, é a única forma de manter as religiões imortais. Porém, imagino que a maioria das pessoas tenha dificuldade em aceitar este tipo de atitude. Isto é, conseguimos ter muitas crenças absurdas, mas não costumamos admitir que são absurdas, pois isso seria em geral um motivo forte para não as ter.

Do lado do ateísmo, a aula destaca a famosa analogia de Bertrand Russel (1872-1970): a religião do bule de chá. Podemos imaginar uma religião em que os seus crentes acreditam que existe um bule de chá a orbitar o Sol. Os cépticos dirão que não existe bule nenhum, ao que os crentes respondem: “não és capaz de provar que o nosso bule espacial não existe!” Para os crentes, isto parece motivo suficiente para acreditarem e, eventualmente, para criar toda uma cultura à volta desta religião, com rituais, monumentos e outras pseudo-teorias. Os cépticos dirão que tudo isto é absurdo.

O ponto de Russel é claro: se podemos usar este tipo de argumento para justificar um Deus, também o podemos usar para justificar um bule de chá espacial.

 

A aula acaba com uma mensagem importante: evidências e justificações são o que nos permite distinguir crenças fiáveis e decidir o que devemos valorizar. Se não usarmos razão para justificar aquilo em que acreditamos, os nossos argumentos serão do tipo: “acredito naquilo em que decido acreditar”. E o problema é que muita coisa pode depender destas crenças, desde a definição de direitos humanos até à proclamação de guerra.

 

Com esta aula, chegámos ao fim do tema da religião neste crash course de Filosofia!

“Bom, eu decidi que vou acreditar no Pai Natal,
independentemente do quão absurdo ele seja.
Eu quero presentes. Muitos presentes.
Porquê arriscar-me a não recebê-los por uma questão de crença?
Raios, eu acreditarei em tudo o que quiserem.”

2 comentários

  1. Concordo inteiramente com os contra-argumentos.

    Em qual Deus se deve acreditar? Em todos, para termos essa recompensa?

    Deus, o bule espacial ou unicórnios voadores invisíveis têm o mesmo tipo de evidências: 0.

    O problema é que as crenças religiosas são todas baseadas nessa expressão: “acredito naquilo em que decido acreditar”. (só mudava o “decido”. Muitas vezes não é a pessoa que decide, mas a cultura em que está inserida)
    E, como tu dizes, isso acarreta uma enorme quantidade de perigos.

    Termino com um dos meus argumentos: esta é uma discussão inútil, já que um Deus criador do Universo não precisa que simples primos de macacos a viver na superfície de um pedacito de pó espacial acreditem nele. 😉

    abraço!

    • Jonathan Malavolta on 19/08/2023 at 22:10
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