Existencialismo – CC(16)

A décima sexta aula do Crash Course de Filosofia foca-se no Existencialismo, com especial destaque para as ideias de Jean-Paul Sartre:

A aula começa com a questão: o que dá sentido à tua vida? Será o significado da vida algo nato? Na Antiguidade Clássica julgava-se que sim. Platão definiu o conceito de essência, que é um conjunto de propriedades que são necessárias (ou “essenciais”) para definir uma coisa como sendo ela própria. Por exemplo, uma faca é definida pela composição de uma lâmina e uma pega. Ser uma pega metálica ou de madeira não é essencial. Removendo uma dessas propriedades a coisa passa a ser algo diferente: uma faca sem pega é só uma lâmina, não é uma faca. No caso dos humanos, Platão acreditava que cada indivíduo tinha uma essência e que esta estava atribuída ao mesmo ainda antes deste nascer. (Recordo que Platão acreditava em almas imortais.) O significado da vida era então encarado como o descobrir dessa essência intrínseca e de viver de acordo com ela.

Faço aqui um parêntesis para comentar que me parece estranha a parte em que se refere na aula a ideia de que o ser uma boa pessoa passava por seguir a essência que tínhamos. Isto por um lado parece assumir que todos teríamos uma “boa” essência e, por outro, que poderíamos optar por não seguir a essência… Ora, se assim é, parece que o significado de “essência” neste contexto é diferente daquele apresentado em cima (onde a faca tem de ser uma faca senão deixa de o ser e onde a qualidade de ser bom é aparentemente irrelevante para a essência de algo). Assim, parece-me que a aula tem aqui um pequeno lapso, pois o conceito de “essência humana” não me parece ser bem concordante com a “essência das coisas”. Isto é, há aqui dois conceitos diferentes atribuídos ao mesmo termo de “essência”.

[Voltando à aula.] Esta definição de “essência” (humana) é o que define o Essencialismo, a noção de que cada pessoa tem uma essência intrínseca, ou seja, um género de propósito “bom”, aquilo que é suposto sermos. Esta foi a visão dominante até finais do século XIX e que ainda hoje é partilhada por muita gente. Para muitos, este propósito é atribuído por Deus, mas até alguns ateístas acreditam que existe um “propósito universal”.

O filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) propôs uma visão completamente diferente: o Niilismo, a crença de que a vida não tem sentido.

O filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980) completou: nascemos sem propósito e vivemos num mundo sem propósito, pelo que nos cabe a nós encontrar o nosso propósito. Assim surge o Existencialismo segundo o qual a existência precede a essência. A nossa essência define-se pela forma como decidimos viver.

Pode-se dizer que o Existencialismo foi uma revolução filosófica e uma mudança radical na forma de pensar. Durante milhares de anos a maioria das pessoas não tinham que procurar um significado: este era algo oferecido por Deus e que a religião fazia o “favor” de definir.

Note-se que o Existencialismo não tem que necessariamente coincidir com Ateísmo. Por exemplo, o filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard (1813-1855), considerado o primeiro existencialista, acreditava em Deus. Apenas não acreditava que Deus tivesse criado o universo e/ou os humanos com um propósito.

Os existencialistas escolheram o termo “absurdo” para definir a procura de respostas num mundo sem respostas. Isto é, mesmo reconhecendo que a visão existencialista está provavelmente correcta, isso não nos impede de continuar a procurar respostas (pelo contrário!). Parece fazer parte de nós a necessidade absurda de procurar essas respostas. (É claro que de um ponto de vista biológico é fácil argumentar que a necessidade não é absurda, pois procurar respostas é uma enorme vantagem evolucionária. Por vezes há respostas a encontrar e, quando as há, convém adaptarmos as nossas atitudes consoante essas respostas.)

Note-se que uma consequência do Existencialismo é que não existem verdades morais absolutas. Não existe propósito logo não existe justiça cósmica, não existe uma ordem e não existe nenhuma lei intrínseca que defina a forma como devemos viver.

Não obstante o Existencialismo ter começado com Nietzsche e Kierkegaard no século XIX, as suas ideias só se tornaram populares após a Segunda Guerra Mundial, onde os horrores do holocausto tornaram de certa forma óbvio para muitos de que provavelmente não existia de facto uma justiça cósmica ou um propósito para tudo isto. Como é que poderia haver?!…

Para Sartre, uma das dificuldades principais no Existencialismo está no como lidar com a liberdade toda que um existencialista deve reconhecer ter. Não há regras nem directrizes, pelo que cada um é forçado a definir a sua própria moral. Não há autoridades em moral. Filósofos ou teólogos são só pessoas que procuram definir essa própria moral.

Sartre propõe viver de uma forma “autêntica”, isto é, aceitar a liberdade que temos e decidirmos por nós próprios. Isto é, devemos aceitar o “absurdo” e procurar as nossas próprias respostas neste mundo sem sentido.

Sartre dá o exemplo de um jovem que se depara com uma decisão. Por um lado pode juntar-se ao exército para ir combater na guerra, por uma causa na qual acredita. Por outro pode ficar em casa a ajudar a mãe doente e sozinha que precisa muito dele. No primeiro cenário pode dar um pequeno contributo para a vida de milhões de pessoas. No segundo pode dar um enorme contributo para o bem estar de uma pessoa. Pode-se afirmar que o jovem tem um dever tanto perante as causas em que acredita como para com a sua mãe. O que deve ele escolher? Para Sartre, só o jovem é que pode tomar a decisão certa para si próprio. Não existe uma moral universal que o possa ajudar. A decisão “autêntica” do jovem será aquela que ele escolher ser a melhor para si.

Um aspecto muito importante no Existencialismo é o facto deste apelar implicitamente à responsabilidade de cada um para fazer deste mundo um mundo melhor. Se queremos ordem, justiça, ou seja o que for, então temos que lutar por isso, pois caso contrário tal não existirá.

A minha opinião pessoal é em grande parte existencialista. Concordo com o Nietzsche: à partida não existe nenhum significado. E concordo com o Sartre que é útil procurar um significado mesmo assumindo que ele não exista. Convém aliás notar que se de facto existir um significado, então será de facto útil procurá-lo, ao invés de assumir que o conhecemos ou que nos foi facultado por uma entidade divina. Adicionaria apenas um ponto que já abordei noutros artigos: na procura de significado parece-me útil considerar ainda a hipótese de que provavelmente não existe livre-arbítrio ainda que ajamos como se existisse. Isso deve-nos permitir ser mais compreensivos e condescendentes connosco e com os outros, ainda que não devamos cair no erro de desistir de viver na ilusão de sermos livres.

“Porque é que o Homem cria? Será o propósito do Homem na Terra expressar-se e descobrir o significado da experiência? … Ou será apenas para fazer algo quando está aborrecido?”

 

 

Aproveito a temática deste artigo para tomar uma decisão em relação à minha “existência” enquanto “divulgador”… Já há muito tempo que me questionava se fazia sentido continuar a escrever… Para já não faz pelo que vou fazer uma pausa. Se voltar a fazer sentido, poderei voltar a escrever. 🙂 Até lá fico-me por aqui: 177 artigos. Um obrigado a todos os que acompanharam!

4 comentários

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  1. Perante tudo isto, sou existencialista, com laivos de niilista 😛

    Quanto a ti, como Deus (já comprovamos isso no passado 😛 ), sei que a tua essência é divulgares.
    Por isso, sei que esta pausa é momentânea 😉

    Eu também parei durante cerca de 2 anos, depois voltei… por isso entendo essa tua necessidade não-essencial de paragem 😀

    grande abraço! 🙂

    1. Vamos ver! 🙂
      Imagino que a vontade volte, resta saber se voltará também a disponibilidade… 🙂

      Abraço!

    • Jonathan Malavolta on 08/09/2023 at 19:50
    • Responder

    Vejo aí um dilema: Ou servir o país ou ficar em casa e ajudar a mãe.
    Me apegando à primeira opção: Porque servir ao Exército? Acaso só existe ESSA maneira de servir ao país? Ele não poderia por exemplo se dedicar aos estudos e servir à nação como cientista ou engenheiro? Ele não poderia se dedicar ao esporte e servir à equipa nacional de seu país? Não seriam estas formas pacíficas de servir ao país? Ele precisa MESMO ir pra guerra e matar outros seres humanos (que por um acaso também estão “servindo suas nações”) para que se considere “estar servindo ao país” (do contrário, seria um desertor)? Da moral não falo, mas me pergunto sobre a ética: Que ética há em assassinar seres humanos que estão “servindo ao seu país” só para servir ao seu país? Deixo a pergunta para reflexão.

    Pessoalmente, entre as duas opções relacionadas no artigo, servir ao país ou ajudar a mãe doente, por razões tanto éticas quanto sentimentais (Quem disse que precisa abdicar dos sentimentos para se ser racional?), eu ficaria com a segunda opção, ajudaria minha mãe.

    Abraços tupiniquins!

    1. Olá Jonathan,
      A questão de ir para a guerra pode ser um pouco mais difícil que isso se imaginar que é para proteger o país de um invasor externo… a escolha por vezes pode ser entre matar ou ser morto (ou ver a família e amigos a ser massacrados e assassinados). De qualquer forma, não é essa a questão em causa neste artigo.

      Abraço,
      Marinho

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