Átomos de Indiferença num Universo de Possibilidades

Imagem criada por Inteligência Artificial (getimg.ai)

A Lei de Grayling, ou Lei do Autointeresse, concebida por A.C. Grayling, um notável filósofo e escritor britânico, que aponta para a inevitabilidade de acções baseadas no lucro ou vantagem, configura uma espécie de axioma social que denuncia a nossa inércia perante dilemas cruciais, tais como a crise climática, a injustiça social e a possível ameaça de desemprego massivo impulsionada pela automação e inteligência artificial:

Tudo o que PODE ser feito, SERÁ feito se trouxer vantagem ou lucro para aqueles que podem fazê-lo“, e o seu reverso, que afirma que o que puder ser evitado será, se houver custos para os que detêm o poder de o fazer.

Este princípio, implacável como as leis do cosmos, serve de lente aos dramas do nosso tempo, permitindo-nos ver com uma clareza brutal as tragédias e os triunfos da vontade humana. É uma lei que nos coloca perante um espelho escuro, reflectindo não o que deveríamos ser, mas sim o que somos; criaturas nuas impelidas por impulsos primitivos, muitas vezes vestidos de racionalidade e lógica. Mamíferos, a meio cromossoma de distância de sermos chimpanzés.

Ao examinarmos a realidade através da lente desta inquietante lei, vemos florestas a arder como tochas na incessante marcha rumo ao progresso, enquanto o planeta acelera o seu inexorável declínio. As inovações na biotecnologia, carregadas de uma mistura de fascínio e apreensão, tornam-se instrumentos que penetram as derradeiras barreiras éticas, comercializando utopias que se assemelham mais a desoladoras distopias.

Sob o olhar deste princípio rigoroso, os cenários mais negros de George Orwell ganham vida, delineados não com carvão ou tinta, mas com linhas de código, urdindo uma rede omnipresente de vigilância e controlo. Os temores mais profundos de Aldous Huxley reaparecem, agora percebidos não como mera ficção, mas como previsões de um presente alarmante.

Se a própria lógica do autointeresse deveria impelir-nos a agir de forma preventiva para assegurar a nossa sobrevivência a longo prazo, por que razão nos vemos enredados numa espécie de paralisia colectiva? A resposta jaz, em parte, na segunda parte da Lei de Grayling, que explicita a reluctância em agir quando tal acção implica custos, sejam eles económicos, sociais ou políticos.

A.C. Grayling evoca a possibilidade, embora ténue, de que o próprio senso de perigo iminente nos force a reavaliar as nossas prioridades, e agir em conformidade. Contudo, o tempo é um recurso cada vez mais escasso e a janela de oportunidade para a acção efectiva estreita-se a cada momento de hesitação.

E, no entanto, que dizer das curas não descobertas, das inovações não financiadas? Dos sorrisos que nunca foram porque nunca houve incentivo económico para o serem? Tantas vidas são deixadas à deriva, nas águas turvas da indiferença e do desinteresse, vítimas do lado mais obscuro da mesma lei que impulsiona o nosso progresso.

Não se trata apenas de criticar a realidade que a Lei de Grayling descreve, mas de sentir o seu peso, a sua inescapável gravidade. Sentir, até ao âmago do nosso ser, o apelo urgente para reformular as métricas do nosso progresso, para redesenhar os contornos da nossa humanidade. Só então, talvez, possamos olhar para o espelho obsidiano que esta lei nos apresenta e ver, ainda que fugazmente, o reflexo não de quem somos, mas de quem poderíamos vir a ser.

É um apelo ao que temos de mais nobre, uma invocação à alma colectiva para que se erga, finalmente, acima da lógica do lucro e do egoísmo, para criar um mundo que seja digno do melhor que temos para oferecer, e não apenas um espelho das nossas fraquezas. É, em última análise, uma oportunidade para a redenção numa escala global, um momento decisivo que clama pela coragem de enfrentar a verdade mais desconfortável: a de que somos os autores da nossa própria história, para o bem e para o mal.

Ergamo-nos acima das limitações do nosso próprio interesse para contemplar a totalidade do nosso potencial legado — um legado que poderia muito bem determinar o destino não apenas da nossa espécie, mas de toda a vida neste planeta.

1 comentário

  1. O porquê de isto (o teu apelo) não acontecer?

    Tu próprio dás a resposta: 😉
    “(…) mas sim o que somos; criaturas nuas impelidas por impulsos primitivos, muitas vezes vestidos de racionalidade e lógica. Mamíferos, a meio cromossoma de distância de sermos chimpanzés.”

    Não esperes que primos de macacos sejam muito diferentes do resto dos macacos 😉

    Sim, temos a mania, a ilusão, de que somos mais que meros átomos…
    Sim, temos a mania, a ilusão, de que somos muito mais evoluídos que macacos…
    Mas não.
    Ilusões são isso mesmo, ilusões: a ilusão que nos faz enganarmo-nos a nós próprios 😉


    P.S.: isto não é uma boa pep talk 😛

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