Meteoro jornalístico

No passado dia 18 de Maio de 2024, um enorme clarão de luz azul foi visto nos céus de Portugal.

Este intenso meteoro que atravessou os céus portugueses, causou naturalmente um enorme alarido nas televisões portuguesas.

Os diversos canais de televisão fizeram um excelente trabalho: por vezes erraram no nome do objeto (é meteoro e não meteorito) e em alguns pequenos detalhes, mas, no geral, estiveram bastante bem.

Compreendo que existam pessoas (nos vídeos gravados em direto durante o evento) que apontem o meteoro como sendo uma “estrela”.
A literacia científica das pessoas é baixa, por isso esses erros são esperados.

Já não consigo compreender ou aceitar que jornalistas, em direto, desinformem as pessoas.
A minha não-compreensão não é por achar que os jornalistas devam saber sobre tudo. Não sabem nem têm de saber. Ninguém sabe de tudo.
Mas, para mim, é incompreensível que não tenham imediatamente contactado algumas pessoas ou instituições ligadas à astronomia, para esclarecerem devidamente as pessoas.

Neste caso, estou-me a referir especificamente ao jornalista da CNN Portugal que estava a dar as notícias em direto, aquando da passagem do bólide pelos céus portugueses.
Podem ver o programa, aqui.

Vou sublinhar novamente que o que atravessou os céus portugueses foi um meteoro.
Estes meteoros brilhantes são popularmente conhecidos como “estrelas cadentes”.
Eles são apelidados de bólides, quando estes meteoros se tornam bastante brilhantes ao atravessarem o céu.
Podem esclarecer as diferenças entre os nomes do objeto, neste post.

O jornalista, em direto, durante as notícias diz dezenas de vezes que o objeto que está a ver a atravessar a atmosfera é um meteorito.
Por exemplo, às 1:37 diz que “o meteorito avança na atmosfera” e “o meteorito entra na atmosfera”.
Às 1:43 diz que este é o “momento da entrada na atmosfera deste meteorito”.
Às 1:52, diz que se está a ver “a passagem do meteorito”.
Às 2:18, diz que as imagens mostram o “momento em que o meteorito entra na atmosfera”.
Às 2:30, diz que alguém estava a filmar o concerto e “apanhou o momento quando passou o meteorito”.
E outros exemplos ao longo da emissão…
Mas não é um meteorito. É um meteoro.

Também disse muitas vezes, corretamente, que o que estamos a ver é um bólide.
O problema é que disse várias vezes que um bólide é “um meteorito mais brilhante” (0:56) ou que um bólide é “um meteorito de maiores dimensões” (2:17) ou que “um bólide é um meteorito com mais luz e mais energia” (2:02) ou que “um bólide é um meteorito com maiores dimensões, mais luz, mais energia e mais massa”, etc.
Um bólide é um meteoro mais brilhante. Não é um meteorito.

Às 0:39, o jornalista diz que o clarão brilhante (…) “não se sabe se é um meteorito ou um cometa ou mesmo algo que venha do Universo”.
Ora, não é um meteorito nem é um cometa. Mas é certamente um objeto que vem do Universo…
A questão aqui é que a forma como ele disse, parece que os cometas (e meteoritos) não vêm do Universo…

Às 1:01, o jornalista diz que o objeto é brilhante porque “o Universo carrega muita luz e energia”.
Eu nem sei o que é que isto quer dizer.
O próprio jornalista tem massa, por isso tem energia. E se atravessar a atmosfera da forma como os meteoros atravessam, também produzirá luz.
Mas isso não é por o Universo carregar isso. É só porque o objeto tem massa.

Às 1:47, diz que estes objetos são incandescentes, já que têm temperatura bastante elevada, milhares de graus. O problema é que no seguimento diz que os objetos “vão perdendo temperatura à medida que vão viajando e que chegam ao planeta Terra”.
Ora, estes objetos são bastante frios. Eles ganham é muita temperatura ao colidirem com a atmosfera terrestre.

Às 1:54, é dito que nas primeiras horas após cair no solo, o objeto terá uma temperatura muito elevada. Mas mais uma vez, isto é mentira. É verdade que ao passar pela atmosfera, o objeto aquece bastante. No entanto, a passagem pela atmosfera é demasiado rápida (alguns segundos). Assim, não existe tempo para o aquecimento chegar ao interior do objeto. A temperatura bastante quente é do ar ao redor do meteoro, quando ele atravessa a atmosfera. Aliás, o objeto deixa de brilhar na atmosfera, precisamente porque arrefece (ou se desintegra).
Assim, quando se apanha o meteorito no solo, ele está frio.

Às 1:10, quando falava de meteoritos (que não é o objeto luminoso), ele esteve muito bem e muito mal. Ele diz que “um meteorito é um fragmento de rocha espacial que atinge a superfície terrestre, que nos ajuda a perceber as origens…”. Até aqui esteve muito bem!
O problema é que ele diz que o meteorito nos ajuda a perceber as origens… “do Universo”.
Ora, não é as origens do Universo, porque o objeto não vem desse tempo. É muito mais recente.
As origens do Universo estão há 13,8 mil milhões de anos de distância temporal.
Este objeto vem das origens do Sistema Solar, que foram há 4,6 mil milhões de anos.

Às 0:38, ele transmite desinformação: ele diz que “podemos estar perante um cometa”, por causa da “cauda brilhante”.
Ora, olhando para o tamanho (proporção) dos dois objetos, isto é absurdo.
Além disso, aquilo não é uma “cauda”. A cauda de um enorme cometa é uma coisa. Uma pequena pedrita ter se queimado ao passar pela atmosfera terrestre é outra coisa totalmente diferente.
Se fosse um cometa, o jornalista não estava ali: tinha ido fazer companhia aos dinossauros. O facto dele ainda estar ali, na televisão, a falar, era porque, factualmente, o objeto não era um cometa.
Tecnicamente, dias depois, percebeu-se que este pequeno objeto poderá ser um pequeníssimo fragmento de cometa. Mas nunca é “um cometa por causa da cauda”.

Às 1:03, mais uma hipótese absurda: um OVNI (como sinónimo de nave extraterrestre).
É verdade que ele diz que “não parece que seja”, mas até nisso errou.
Tecnicamente, é um OVNI, porque o jornalista não conseguiu identificar o objeto voador. Assim, para o jornalista, até seria um Objeto Voador Não Identificado.
Mas nunca como sinónimo de nave extraterrestre.

Às 2:31, ele diz que “assistimos nas últimas horas a algo bastante ímpar e único, e que demonstra muitas vezes aquilo que efetivamente ainda desconhecemos do Universo”.
O problema é que estes eventos são totalmente conhecidos: temos toneladas de poeira a “cair” na atmosfera terrestre todos os dias. O avistamento de meteoros, estrelas cadentes, é uma coisa trivial. Sabemos perfeitamente o que são meteoros.
Assim, é algo que conhecemos!

Por fim, deixo a frase que me pareceu mais absurda: às 1:46, ele diz, e muito bem, que os meteoritos acabam por “cair aleatoriamente na superfície terrestre, noutros planetas do nosso sistema solar, na Lua e noutras luas do nosso sistema solar”. O problema é que ele continua a frase e conclui: “e noutras galáxias do nosso Sistema Solar”.
O nosso Sistema Solar é constituído pelo Sol, por alguns planetas, por muitas luas e por imensas pedras mais pequenas.
O nosso Sistema Solar não tem galáxias!
Na verdade, cada galáxia é que tem milhões de sistemas estelares. A nossa Galáxia, a Via Láctea, terá certamente mais de 100 bilhões (no Brasil e EUA) de estrelas. A maioria das estrelas (como o Sol) poderão ter um sistema de planetas ao seu redor.
Assim, os meteoritos devem cair certamente na superfície de objetos que existem noutros sistemas estelares, na nossa Galáxia e noutras galáxias que existem pelo Universo.

1 comentário

    • Jonathan 'Hamelin' Malavolta on 03/07/2024 at 19:22
    • Responder

    Ironia/zoeira mode on: Cometa, asteróide, meteoróide, meteorito, meteoro, estrela cadente (caindo pra onde, minha filha?), pouco importa o nome, são todos cubos de gelo a dançar no grande cálice de whisky escocês que os deuses bebem quando reunidos pra confabular e maquinar sobre seus planos para nós, meras formigas mochileiras das galáxias que se fixaram num planetóide aquoso-terroso (rochoso cheio de água) e que se acham o centro das atenções. Ironia/zoeira mode off.

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