Impacto de asteróide na Terra levou a vida para Europa e Titã?

Um novo estudo sugere a possibilidade de transferência de vida entre a Terra e as luas habitáveis de Júpiter e Saturno. Possível, mas altamente improvável. Da mesma forma que é possível atravessarmos uma parede de cimento, mas é altamente improvável que isso aconteça mesmo que dêmos com a cabeça na parede durante biliões de anos.

Basicamente, esta ideia baseia-se na hipótese da panspermia, dizendo neste caso que:
(1) o impacto de enormes asteróides com a Terra leva à expulsão de algumas rochas para o espaço;
(2) microorganismos existentes na Terra apanham boleia/carona nessas rochas;
(3) enquanto viajam pelo espaço durante milhões de anos, os microorganismos continuariam vivos, hibernando;
(4) se essas rochas terrestres, ao fim de milhões de anos, colidem com outros planetas ou luas do sistemas solar, levarão os microorganismos terrestres para esses locais;
(5) esses locais precisam ter condições para a vida se desenvolver;
(6) a vida precisa de ser bastante resistente no espaço e adaptável às condições existentes na chegada.

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É verdade que encontramos na Terra mais de 100 meteoritos provenientes de Marte. Por isso, rochas serem expulsas do planeta devido a violentas colisões de asteróides é perfeitamente plausível. (No passado, alguns investigadores até já sugeriram que a vida na Terra terá vindo precisamente de rochas expulsas de Marte. Seríamos todos marcianos…)

No entanto, o conhecimento acaba aqui.
Tudo o resto, respeitante à vida, é pura especulação.

A única coisa que sabemos é que “rochas são trocadas entre planetas/luas”. Nada mais sabemos. Tudo o resto é especulação.
Será que a vida pode apanhar boleia nessas rochas? Não sabemos.
Será que a vida pode sobreviver milhões de anos enquanto a rocha anda a deambular pelo cosmos? Improvável.
Será que essas rochas, após milhões de anos a deambular pelo espaço, levarão a vida para um planeta/lua? Improvável.
Será que essas rochas teriam a “sorte” de colidir com locais propícios para a vida? Supondo que as rochas colidiriam com um planeta/lua, é diferente colidir com Mercúrio ou Titã. Em Mercúrio, a vida não sobreviveria, enquanto em Titã poderia ter condições para quiçá prosperar.
Como é que as rochas “fugiriam” aos planetas gigantes Júpiter e Saturno (e a quase todas as suas luas), mas acertariam precisamente nas pequeníssimas luas “ideais” Europa e Titã?

Como se percebe, é altamente improvável que isto aconteça.
É demasiada improbabilidade em cima de várias outras improbabilidades.

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O estudo em si foi feito através de simulações de computador.
Os investigadores simularam colisões de asteróides com a Terra e com Marte e seguiram as trajectórias de 100.000 fragmentos que foram ejectados dos planetas. A maioria deles voltou aos mesmos planetas. Muitos fragmentos colidiram com o Sol e outros saíram do sistema solar. Vários impactaram Vénus e Mercúrio. Alguns viajaram para o sistema solar exterior (Júpiter, Saturno, Urano e Neptuno).
Ao longo de 3.500 milhões de anos, os investigadores calcularam que talvez 200 milhões de fragmentos foram expulsos da Terra e 800 milhões foram expulsos de Marte (número maior devido à gravidade menor).
Os cientistas calcularam que 83.000 fragmentos terrestres e 320.000 fragmentos marcianos poderiam ter colidido com Júpiter após andarem 10 milhões de anos a vaguear no espaço. 14.000 poderiam ter colidido com Saturno.
Como as maiores luas desses planetas estão relativamente próximas do planeta, então poderão ter apanhado com alguns fragmentos terrestres e marcianos (Europa e Titã poderão ter recebido 5 fragmentos terrestres).
Devido a isto, os investigadores não podem dizer com toda a certeza que a hipótese da vida ter sido transferida entre os locais está totalmente errada.

Perceberam? O estudo não diz que isso aconteceu, nem sequer diz que é provável que isso tenha acontecido. Simplesmente diz que a hipótese não pode ser completamente descartada. É só isso.
Da mesma forma que não se pode dizer com toda a certeza que eu não posso atravessar uma parede de cimento ou que a gravidade não será uma força repulsiva amanhã. É altamente improvável, mas não podemos dar 100% de certeza que não acontecerá.
O mesmo se passa com a transferência de vida entre a Terra e outros locais do sistema solar.

Leiam a notícia em inglês, aqui, e o artigo científico, aqui.

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Agora comparem o estudo com algumas parvoíces que se leram na comunicação social sobre esse mesmo estudo.
Exemplo: “Asteróide que extinguiu dinossauros (…) poderá ter levado vida para o planeta Marte e para os satélites de Júpiter.”
Puro sensacionalismo, que subverte o estudo em causa.

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7 comentários

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  1. concordo com você, Jaculina, também acho que a vida em Titã e Europa possa ter nascido de forma independente, mas também acho que possa ter nascido de colisões com Júpiter, Saturno e até mesmo com os satélites galileanos de quem estamos falando, mas, é mais provável que Europa tenha mais vida que Titã, devido a maior quantidade de água em sua crosta abaixo do gelo, apesar de não ter atmosfera, como Titã, mas, ainda acho que Europa, também devido a estar a uns 7.000.000 mais próxima do Sol e ser uns 15 graus mais quente que Titã. É isso que eu acho Jaculina.

  2. Olá Carlos,

    Agradeço-te mais uma vez trazeres temas tão interessantes para discussão. Não sei quais as probabilidades para que a vida possa ter viajado entre planetas/luas do nosso sistema solar, mas confesso que ignoro igualmente quais as probabilidades para que a vida surja de outra forma. Talvez não me tenha explicado convenientemente. Apesar de não estarmos a falar na origem na vida, visto ela ter tido origem nalgum sitio, acredito que as probabilidades de surgir vida espontaneamente (entenda-se sem a participação de inteligência exterior) devam de ser tão pequenas quanto à possibilidade da panspermia. De uma forma ou de outra o universo, o nosso deus absoluto, lá arranja maneira das coisas acontecerem. Quanto ao facto da radiação existente ou não nos locais de destino é irrelevante, visto que durante o período da suposta “viagem” que como informaste pode-se estender por milhões de anos estará sujeita a constante radiação. Se a micro-vida sobreviver à radiação durante a viagem sobreviverá à existente no destino.

    Grande abraço para toda a equipa

    António

    • Ricardo Correia on 19/12/2013 at 10:26
    • Responder

    Olá Carlos

    Vi este documentário ( http://youtu.be/lG7WsTZeKwY ) no Discovery, que me parece bastante realista/de caracter científico. Dizem que apenas Callisto está suficientemente distante de Jupiter para não ser “bombardeado” com radiação – ou seja, bactérias terrestres em Europa pereceriam.
    Em relação a Titan nunca ouvi nada semelhante. Pergunto: Saturno não é radioactivo, ou Titan está longe demais?

    Abraço

    1. Eu não vi o documentário, mas penso que deverá falar do campo magnético de Júpiter.
      Pessoalmente, não coloco a radiação como o factor crucial para a vida não prosperar. Afinal, a radiação pode também ser utilizada como fonte de energia. Além de existirem bactérias resistentes a muita radiação.
      http://en.wikipedia.org/wiki/Deinococcus_radiodurans

      abraços!

  3. Poe esses números, e por aquilo que sabemos da resistência da vida, parece bastante provável que microorganismos vivos tenham sido exportados da Terra.
    O problema é mesmo sobreviverem milhões de anos no espaço, terem a incrível sorte de acertar em Titã ou Europa, sobreviverem ao embate e depois prosperarem.
    Mas não há problema. Daqui a uns (laaargos) anos, quando nos estabelecermos lá, poderemos tirar a prova dos nove.

    1. Bastante provável? Eu diria que é altamente improvável.
      Repare que essas rochas que são ejectadas da Terra resultam de matéria que é sujeito a enormes pressões e temperaturas.
      Esses altos valores de pressão e temperatura resultam não apenas da colisão do asteróide que provoca a ejeção de matéria, mas também da circunstância de essa matéria atravessar a atmosfera terrestre a altíssima velocidade.
      Repare que nem me refiro a rochas serem ejectadas, mas sim a “matéria” porque provavelmente esses materiais estariam em fusão e assemelhar-se-iam a lava…

        • Jaculina on 20/12/2013 at 14:15

        Quando referi “bastante provável” estava a pensar na comparação com a probabilidade de as rochas irem acertar mesmo em Europa ou Titã e a vida existente nessas rochas prosperar por lá.
        No geral, parece-me até que é mais provável que a vida tenha surgido em Europa de forma independente. Concorda?

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