Avanço importante na área da Biologia Sintética: cientistas criam organismo semissintético com código genético expandido

CG_d5SICSdNaM_Betz_etal2012Estrutura química e tridimensional dos pares de bases C-G e d5SICS-dNAM.
Crédito: NPG.

Cientistas incorporaram, pela primeira vez, um par de nucleótidos artificiais no material genético de um organismo vivo. Usando um plasmídeo contendo um par de bases azotadas sintetizadas em laboratório, a equipa liderada por Floyd Romesberg do Instituto de Investigação Scripps, nos Estados Unidos, conseguiu criar uma estirpe mutante de Escherichia coli com a capacidade de usar e replicar corretamente cadeias de ADN (ácido desoxirribonucleico) que têm na sua estrutura nucleótidos que não se encontram disponíveis na natureza. Os detalhes deste trabalho foram divulgados esta semana num artigo publicado na revista Nature.

“A vida na Terra, em toda a sua diversidade, está codificada por apenas dois pares de bases de ADN: A-T e C-G”, disse Romesberg. “O que nós fizemos foi um organismo que, além desses dois pares de bases, contém de forma estável um terceiro par artificial. Isto demonstra que são possíveis outras soluções para o armazenamento de informação e, claro, aproxima-nos de uma biologia com uma versão de ADN mais abrangente, que terá muitas aplicações emocionantes – desde novos medicamentos até novas formas de nanotecnologia.”

A equipa de Romesberg tem trabalhado nos últimos 20 anos na síntese de pares de moléculas com potencial para serem usadas como “letras” funcionais no código genético. Na última década, o grupo conseguiu criar 60 novos nucleótidos que formam ligações entre si com afinidades comparáveis às dos seus congéneres naturais. Estas novas moléculas têm, ainda, a particularidade de se alinharem com os nucleótidos naturais para formarem longas cadeias de ADN.

Das 3600 combinações possíveis, os investigadores identificaram um par de nucleótidos artificiais bastante promissor – o par d5SICS-dNAM – dois nucleótidos que emparelham entre si através de interações hidrófobas. “Estes pares de bases artificiais comportaram-se maravilhosamente in vitro, mas o grande desafio tem sido pô-los a trabalhar no ambiente muito mais complexo do interior de uma célula viva”, afirmou Denis Malyshev, membro da equipa de Romesberg, e primeiro autor deste trabalho.

Neste novo trabalho, a equipa sintetizou um plasmídeo (uma secção circular de ADN bacteriano) contendo um único par de d5SICS-dNAM, e inseriu-o no interior de células de Escherichia coli. O objetivo era verificar se a maquinaria replicativa de uma célula viva conseguia replicar com eficiência cadeias de ADN semissintético.

Como estas moléculas não se encontram naturalmente no interior das células, Rommesberg e a sua equipa tiveram de conceber um mecanismo que possibilitasse o seu transporte através da membrana celular. Após uma aturada busca em diferentes organismos, os investigadores encontraram um transportador à altura da tarefa numa diatomácea marinha da espécie Phaeodactylum tricornutum. “Essa foi para nós uma grande conquista”, disse Malyshev.

Manipuladas para expressarem o gene da diatomácea, as células de Escherichia coli conseguiram incorporar os dois nucleótidos artificiais, copiar corretamente o plasmídeo, e transmiti-lo a sucessivas gerações de novas células durante cerca de uma semana. Para surpresa da equipa, o processo decorreu a uma velocidade e eficiência razoáveis, aparentemente sem qualquer interferência dos mecanismos de reparação do ADN, e sem comprometimento significativo do crescimento celular.

Após ter sido interrompido o suprimento de nucleótidos artificiais, as células continuaram a replicar o plasmídeo, substituindo o par de bases artificiais por um par C-G. “Quando parámos o fluxo (…), verificámos que a substituição de d5SICS-dNAM por pares de bases naturais se correlacionava muito bem com a replicação celular em si”, afirmou Malyshev. “Aparentemente, não haviam outros fatores a remover os pares de bases artificiais do ADN. Um aspeto importante a sublinhar é que estas duas inovações também permitem controlo sobre o sistema. As nossas novas bases apenas entram na célula se ligarmos a proteína de transporte. Sem este transportador, ou sem o fornecimento das novas bases, a célula reverte para A, T, G e C, e os nucleótidos d5SICS e dNAM acabam por desaparecer do genoma.”

O próximo passo será verificar se a célula consegue transcrever a versão mais abrangente do ADN para sequências de ARN (ácido ribonucleico) mensageiro – a molécula que transporta a informação genética até à maquinaria celular responsável pela produção de proteínas. No futuro, a expansão do alfabeto genético poderá gerar novas proteínas com potencial aplicação no tratamento e diagnóstico de doenças, na produção de novas vacinas, ou na criação de novos nanomateriais.

Podem consultar todos os pormenores deste trabalho aqui.

4 comentários

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  1. A revista de Astrobiologia também publicou um artigo interessante sobre esta descoberta 🙂
    http://www.astrobio.net/topic/origins/origin-and-evolution-of-life/adding-letters-to-the-dna-alphabet-in-living-organisms/

  2. Em contraposição a este artigo de ciência, o jornal Folha optou por uma opinião religiosa sobre este assunto…

    Depois de um artigo deplorável sobre uma descoberta de um exoplaneta (http://www.astropt.org/2014/04/17/encontramos-uma-nova-terra-nao-mas-e-uma-descoberta-fantastica/), li num grupo de ciência/racionalidade que o opinador (que é o oposto de ciência) Salvador Nogueira no jornal brasileiro Folha tornou a publicar um deplorável artigo, desta vez sobre esta descoberta da biologia.

    O titulo sem qualquer nexo? “DNA alienígena e o design inteligente”

    Alguns dos meus comentários nesse grupo, após ler algumas das mentiras (à luz da ciência) no referido artigo opinativo:

    “Ao contrário do que pensam a maioria dos cientistas, eu não acho que a hipótese do “design inteligente” deva ser considerada anticientífica.”
    “Afinal de contas, qual é a marca mais básica de inteligência? Ela produz processos que são mais eficientes do que aqueles obtidos naturalmente num mesmo período de tempo.”

    Parece-me claramente que o lema dele é: “Se os cientistas dizem X, eu vou dizer Y para ter mais pessoas a seguirem-me”.

    Evidências: defender que o planeta Kepler-186f era uma outra Terra, negando tudo aquilo que estava no artigo científico e no artigo da NASA; insinuar que os cientistas do PHL estavam todos errados e só ele estava certo; ler um artigo de biologia e dissertar sobre extraterrestres e design inteligente.

    Parece-me claramente que ele não lê nem sabe ler os artigos científicos.
    Mas deixa-se levar pelas tretas que lê nos websites pseudos e a partir daí escreve artigos cheios de erros, conceções erradas, e mentiras sobre a ciência.

    Ou seja, as fontes dele são totalmente erradas (daí não se poder considerar jornalista mas um simples opinador, em que, como ele refere, a sua opinião é contrária ao conhecimento dos cientistas).

    Neste caso, ele vê a inteligência como a única forma de optimizar a natureza (apesar dele colocar “num mesmo período de tempo”, todo o artigo é a defender a inteligência como a única capaz num qualquer período de tempo).
    < --- esse é um dos grandes problemas do texto, porque contradiz a... natureza. Será que ele sabe porque as estrelas "queimam" hidrogénio para converter em hélio? Porque isso é uma reação nuclear das estrelas? Porque não é "queimar" silício e converter em, sei lá, ouro? Segundo ele, a "hipótese" é que só pode ter sido uma inteligência a programar as estrelas para fazerem isso. Porque nós somos feitos de carbono e não de.... prata? Quem nos fez assim? Só pode ter sido extraterrestre... Isso não é uma "hipótese científica", como ele quer passar a ideia, porque ele baseia-se na ideia de que "tudo é possível", sem entender que na própria natureza existe uma "seleção natural" em que o "mais provável" acaba por acontecer mais vezes, sem ser precisa a "otimização por parte de uma inteligência". E como sabemos, a ideia de que "tudo é possível", é totalmente pseudo, e é onde se baseiam todos os vigaristas que nos vendem homeopatias, reikis, astrologias, e afins... (http://www.astropt.org/2012/10/11/possivel-vs-provavel/)

    Os argumentos dele em suposta defesa da ciência, baseiam-se em conceções erradas da ciência. Basicamente, ele defende o mesmo que os criacionistas: “o olho humano é tão complexo que só pode ter sido feito por uma inteligência superior”. Depois analisa o argumento na natureza e diz: “afinal existem tantos olhos diferentes que até os nossos não são tão bons.” E com isso retira a conclusão que: “Se o nosso não é assim tão bom comparado com outros, então não foi feito por uma inteligência superior”.
    O problema está no que ele presumiu inicialmente, que é completamente errado à luz da natureza e à luz da ciência. Ele baseia os seus argumentos em conceções erradas da ciência… ele vê a ciência da mesma forma que os pseudos a veem.

    Neste caso, ele anda a fomentar a ideia de que a “otimização só poder ser feita por inteligências” (chame-se Deus ou ETs), num determinado período de tempo definido por ele, é totalmente correta e por isso basta analisar caso a caso (como neste caso) para saber se nesse caso a ideia permite um “deus” perfeito ou não.
    Ou seja, anda a fomentar ideias contrárias ao conhecimento científico.

    Como alguém disse nesse grupo, ele é totalmente antropocentrico.
    E, digo eu, baseia as suas conceções em ideias totalmente contrárias à ciência.
    Com base nisto, transmite ideias completamente erradas sobre a ciência aos seus leitores.

    Neste caso, a ideia totalmente errada dele foi presumir que a “otimização” (definida por ele) requer uma inteligência por trás dela, sem perceber os mecanismos evolutivos naturais que levam a essa otimização (totalmente natural).
    São conceções erradas, anti-científicas, para enganar os leigos que o lêem. São enganados a pensar que ele até está a defender a ciência, quando na verdade está a transmitir conceitos anti-científicos como se fossem verdade.

    Como outro comentador no grupo referiu: ele deve ser crente na ideia dos astronautas antigos… e depois, dá nisto.

    1. Bem completo o teu texto 🙂

  3. Excelente artigo!!! 😀

    Sublinho a última frase:
    “No futuro, a expansão do alfabeto genético poderá gerar novas proteínas com potencial aplicação no tratamento e diagnóstico de doenças, na produção de novas vacinas, ou na criação de novos nanomateriais.”

    O “futuro” está cada vez mais próximo 🙂

    😀

  1. […] Seleção Natural. Elo Perdido. Biodiversidade, ano, datas. Árvore. 1ª vida artificial. ADN expandido. Vírus Gigante. Gaia-Medea. Chaminés Negras. Lost City. Extraterrestres, Abissais. Bactérias de […]

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