Como fazer uma pilha?

Neste artigo vou explicar como fazer uma pilha em casa, bem como explicar o seu funcionamento. Irei explanar alguns conceitos básicos de electricidade, como corrente eléctrica, diferença de potencial eléctrico, condutividade eléctrica e resistência.

Material necessário:

  •       3 copos (de vidro, por exemplo);
  •       3 chapas de cobre rectangulares (devem caber verticalmente dentro dos copos);
  •       3 chapas de zinco (similares às de cobre);
  •       3 rolhas de cortiça (ou algo que as substitua, ver procedimento);
  •       4 fios condutores (de cobre; se tiverem fios de jacaré, melhor), de 20 cm cada, por exemplo;
  •       1 dispositivo electrónico que funcione com uma pilha (um pequeno relógio, por exemplo);
  •      Água e sal.

Procedimento:

  • Cada copo deverá ser preparado com uma chapa de cobre e uma chapa de zinco no seu interior. As chapas não se podem tocar – tentem colocá-las paralelas, dentro de cada copo, com o auxílio de uma rolha de cortiça, ou algo semelhante. As chapas não têm que ser necessariamente destes metais, o importante é que sejam dois metais diferentes (no entanto, nem todas as combinações de metais resultam bem, podem experimentar com zinco e alumínio, que também é uma boa combinação). As chapas não podem estar oxidadas (se estiverem, basta desgastarem-nas com uma lixa).
  • Com as chapas no seu interior, encham os copos com água. Coloquem uma colher (de sopa) de sal no interior de cada copo (mexam; podem retirar as chapas para o fazer). As chapas não podem ficar completamente submersas. Deixem pelo menos 1 cm fora da água.
  • Conectem com os fios condutores a chapa de zinco de um primeiro copo à chapa de cobre do segundo copo (um fio); conectem a chapa de zinco do segundo copo à chapa de cobre do terceiro copo. Conectem a chapa de cobre do primeiro copo a um dos terminais do dispositivo electrónico (onde colocariam a pilha) e conectem a chapa de zinco do terceiro copo ao outro terminal do dispositivo. Se nada acontecer, provavelmente têm os terminais invertidos – liguem a chapa de cobre do primeiro copo ao outro terminal do dispositivo e liguem a chapa de zinco do terceiro copo ao terminal a que estava ligada a chapa de cobre. Como conectar? Se tiverem fio de jacaré, basta colocar o “jacaré a morder” as chapas e os terminais. Caso seja apenas fio condutor, têm que “descarnar”, de modo a deixar o cobre à vista, e depois liguem-no com fita-cola (por exemplo) às chapas e aos terminais (ou de outra forma, desde que os metais fiquem em contacto, para que haja passagem de corrente eléctrica).

Se não funciona, o que pode estar errado?

  • Chapas oxidadas;
  • Chapas a tocarem-se no interior de um ou mais copos;
  • Pouco sal (o sal no fundo não tem nenhuma função: mexam a água);
  • Contactos eléctricos mal feitos;
  • Ligações cobre-zinco incorrectas (cobre-cobre, ou zinco-zinco, não permite a passagem de corrente);
  • Ligação ao dispositivo invertida.

Porque não vos digo eu quais os terminais correctos? Dependerá dos metais usados, à partida com cobre e zinco, o cobre será o pólo positivo e o zinco o negativo.

Como funciona?

Primeiro, temos água com sal, porquê? O sal dissolvido na água “transforma-se” em iões livres (positivos e negativos), os quais fazem a condutividade eléctrica da água salgada consideravelmente mais elevada que a água “normal” (e muito mais que a água desionizada).  O que significa “condutividade eléctrica”? Um material é tanto mais condutor quanto menor resistência apresentar à passagem de corrente. A resistência, por sua vez, traduz-se numa dissipação de energia (calor). Uma torradeira, por exemplo, usa resistências para torrar o pão, ou seja, fios condutores que têm uma condutividade eléctrica baixa e que dissipam muita energia – a energia dissipada é a responsável pelo torrar do pão. Todos os materiais apresentam alguma resistência à passagem de corrente, exceptuando os supercondutores (ver artigo); no outro extremo estão os isoladores, com resistência extremamente elevada, idealmente infinita, que não deixam passar corrente eléctrica.

Alessandro Volta, físico italiano principalmente conhecido pela invenção da pilha. É em homenagem a ele que as tensões eléctricas (ou diferenças de potencial eléctrico) são medidas em “volt”.

Alessandro Volta descobriu que se juntar dois metais diferentes, irá haver troca de electrões entre eles: um irá receber carga (negativa) e o outro vai perdê-la (ficando carregado positivamente). Assim, ao colocarmos dois metais diferentes dentro do copo com iões positivos e negativos, um deles irá atrair os iões positivos enquanto que o outro irá atrair os iões negativos, havendo as chamadas reacções redox na superfície dos metais (reacções de redução e oxidação, em que na redução há ganho de electrões e na oxidação perda). Se ligarmos um fio a ambos os metais,  visto haver diferença de carga entre os dois metais, irá gerar-se uma corrente eléctrica. As correntes eléctricas são geralmente induzidas por diferenças de carga (colocando de parte os fenómenos electromagnéticos), porquê? Penso que a melhor analogia é considerarem a existência de duas cisternas de água iguais, a igual altura, conectadas por um tubo (na parte de baixo de cada cisterna): nestas condições, se colocarem água numa das cisternas, cada cisterna ficará com metade da água (desprezando a água contida no tubo). Esta é uma situação de equilíbrio, onde não existe água a fluir de uma cisterna para a outra. Se colocarem mais água numa cisterna, irá haver um fluir de água no tubo, em direcção à cisterna com menos água, para igualar os níveis de água (ver figura seguinte). Fazendo então a analogia para a electricidade, as cisternas são, por exemplo, dois metais; o tubo é um fio condutor; a água é carga eléctrica (electrões); e o fluir da água é a corrente eléctrica.

Dois recipientes (gobelés) conectados por um tubo junto ao fundo deles. Como têm diferente quantidade de água, haverá um fluir de água do recipiente do lado esquerdo para o do lado direito, de modo a igualar os níveis de água dos dois recipientes.

Porquê colocar em série os copos? Antes de mais, é importante perceber que não se poderia ligar o cobre ao cobre, ou o zinco ao zinco, porque nesse caso não haveria diferença de carga (diferença de potencial eléctrico), logo a corrente não conseguiria passar ali. Ao usar vários copos está-se basicamente a aumentar o “desnível” nas cisternas – aumenta o “potencial eléctrico” (contudo não a corrente eléctrica, que na analogia só poderia ser aumentada se se aumentasse o diâmetro do tubo de conexão, ou seja, na nossa experiência seria substituir a nossa solução salina por uma solução iónica com maior condutividade eléctrica). Como a corrente eléctrica não aumenta com o incremento de copos, escusam de tentar ligar a televisão com estes copos, pois a corrente nunca será suficientemente elevada!

Por fim, só para concluir a analogia, o dispositivo eléctrico que funciona devido à existência desta corrente eléctrica seria como que uma turbina colocada no tubo, a qual seria movida devido ao fluir da água. Uma pilha não pode gerar corrente eléctrica para sempre, pois tal como as cisternas igualam o seu nível de água, também aqui a diferença de carga tende para zero, à medida que as reacções de oxidação-redução deixam de ocorrer (na nossa experiência, bastará retirar as placas, lixá-las e voltar a usá-las, embora isso tenha um limite, obviamente).

Se quiserem, podem também fazer a experiência com diferentes electrólitos, isto é, em vez de usarem os copos com água salgada, podem usar limões, ou laranjas, ou batatas, por exemplo. Neste caso, basta espetarem as placas, (tendo na mesma o cuidado destas não se tocarem).

“O teu pai era capaz de manter a carga dele por muito mais tempo quando éramos mais novos.”

P.S.: Desculpem os meus photoshop skills na segunda imagem.

4 comentários

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  1. não consigo ter as placas de cobre sera que posso usar fios de cobre?

    1. Olá Elton Gomes,

      Sim, pode usar, mas tenha em atenção que a área de contacto é importante nesta experiência. Isto implica que tenha que, por exemplo, enrolar o fio a outro material, preferencialmente não condutor para não interferir. Pode arranjar umas placas de madeira, e depois enrola à volta delas o fio. Um problema que irá ter será na parte de “lixar” as placas, já que lixar o fio poderá ser mais complicado.

      Cumprimentos,
      Marinho

  2. Na falta de agua e sal pode usar urina..

    1. Sim, vómito também serve.

  1. […] a uma pequena bobina (enrolamento de fio). Como já expliquei noutros artigos (ver, por exemplo, como fazer um motor homopolar), quando passa uma corrente eléctrica por um fio, este cria um campo magnético; por outro lado, […]

  2. […] A sigla significa light-emitting diode, o que traduzido para português é díodo emissor de luz. Um díodo é também chamado de junção P-N, porque trata-se da junção de dois materiais semicondutores, um de tipo p, outro de tipo n. Um semicondutor, como o nome indica, é um material que tem uma condutividade eléctrica (que é o inverso da resistência eléctrica) intermédia – entre um isolador e um condutor. Um isolador é um material cuja resistência eléctrica é tão alta que normalmente não permite a passagem de corrente (por exemplo a borracha), enquanto um condutor é um material com baixa resistência eléctrica (e portanto alta condutividade) e que por isso permite a passagem de corrente (por exemplo o cobre, que é usado nos fios condutores da electricidade das vossas casas). Não querendo entrar em demasiados pormenores, um semicondutor de tipo p é um semicondutor ao qual foi misturada uma substância (“dopagem”) que alterou as suas propriedades eléctricas de tal forma que este ficou com transportadores de carga livre chamados de “lacuna”, que são basicamente a ausência de electrões (o que é equivalente a dizer que a lacuna tem carga positiva, visto que o electrão tem carga negativa). Nos semicondutores de tipo n tem-se o oposto, ou seja, a dopagem faz com que o material fique com electrões livres. Assim, se juntarmos estes dois materiais, sendo um aceitador de electrões, e o outro dador de electrões, haverá necessariamente uma zona de contacto onde se cria um isolador, devido à recombinação de electrões livres com lacunas, isto porque sem electrões ou lacunas, não há transportadores de carga e sem estes, não passa corrente eléctrica. O interesse desta junção é que se se fizer passar uma corrente eléctrica pela junção, esta só consegue passar num sentido – aquele que faz diminuir a área de recombinação, ou seja, a área onde se cria um isolador. Que sentido é esse? Trata-se de ligar o pólo negativo ao semicondutor do tipo n, porque isso faz repelir os electrões livres em direcção à área de contacto, e o pólo positivo ao do tipo p, para “empurrar” as lacunas positivas também para a área de contacto – assim a área de recombinação é diminuída e se a tensão eléctrica aplicada for suficientemente elevada para fazer a corrente passar a zona isolante, então haverá efectivamente condução eléctrica – diz-se que o díodo está polarizado directamente. (Como poderão imaginar, se ligarmos os terminais ao contrário, haverá também uma tensão eléctrica capaz de fazer passar corrente, simplesmente terá que ser muito maior que no caso antes referido, visto que a área isolante é muito maior. Maior tensão irá fazer com que haja maior calor gerado, o que acaba por estragar a junção, a menos que esta tenha uma forma de dissipar essa energia, que é o caso do chamado díodo de Zener, que foi especialmente desenhado para funcionar com polarização inversa.) Os díodos são muito importantes em electrónica, porque permitem, como vêem, controlar o sentido da corrente – esta só passa se vier num sentido, dentro de uma dada banda de tensões eléctricas de funcionamento. (Poderão recordar alguns detalhes sobre tensões eléctricas no artigo de como fazer uma pilha.) […]

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