Homem da Terra

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Vi recentemente este filme.

É um filme de ficção científica.
No entanto, não esperem explosões e ação. Na verdade, todo ele é passado numa sala. Existe somente uma conversa entre pessoas.

Todo o filme é uma discussão filosófica sobre se um homem poderia presenciar toda a história da Humanidade.

Na festa de despedida do professor Oldman, ele decide contar aos seus amigos que tem 14 mil anos.
Nessa altura, começa um debate histórico, científico e religioso entre Oldman e os seus amigos.

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John Oldman é um professor de história na Universidade.
Ao fim de 10 anos como professor, como sempre faz, decide ir viver e trabalhar noutro local.
Ele organiza uma festa de despedida em sua casa, com os amigos mais chegados. Os seus amigos são professores na Universidade: um biólogo, uma artista, uma historiadora, um arqueólogo (e a sua aluna), um antropólogo, e um psiquiatra.

Inesperadamente, durante a festa, ele confessa aos seus amigos ser um ser praticamente imortal, tendo vivido os últimos 14.000 anos.
Ele diz que nasceu como um Homem das Cavernas, nomeadamente um Magdaleniano, que segundo ele se seguiu ao Cro-Magnon.
A razão para se mudar todos os 10 anos é para os seus amigos, ao longo dos milénios, não notarem que ele não envelhece.

John conta como foi a sua vida enquanto homem das cavernas, como foi ser um Sumério durante 2.000 anos, como foi ser um Babilónio sob o reinado de Hammurabi, como foi ser um discípulo de Buddha, como conheceu Colombo e Van Gogh, etc.

Os amigos dele estão naturalmente céticos e testam os seus conhecimentos nas mais diversas áreas.

A discussão, filosófica, é muito interessante.
John diz que o mais importante na sua vida, é que o tempo que teve permitiu-lhe aprender muita coisa diferente, de áreas completamente distintas. Recentemente (desde que existem Universidades), ele já tirou vários doutoramentos, por exemplo.
E, claro, a aprendizagem que ele teve ao vivo, ao presenciar os eventos e falar diretamente com as pessoas ao longo da História, deu-lhe um conhecimento que não tem preço.

No entanto, as respostas que John vai dando são muito parecidas com as que vêm nos livros. Ou seja, será que ele está a mentir aos seus amigos, com conhecimento que ele aprendeu nos livros?
John explica aos seus amigos que tem que ser assim: as suas respostas estão de acordo com o que vem nos livros, não só porque os livros de história contam eventos que se passaram na realidade, mas também porque as suas memórias do que aconteceu na realidade misturam-se agora com o que leu nos livros. Essa é a natureza do seu conhecimento atual. Daí que é normal que o que ele diz seja parecido com o que vem nos livros.
John também explica que algumas das suas memórias dos eventos não tinham contexto histórico até esse conhecimento já existir na Humanidade. As suas ideias têm sempre que acompanhar o progresso da Humanidade. Não podia ser de outra forma.
Esta foi uma forma muito interessante de falar de memórias e de como elas são influenciadas pelo que depois vamos lendo/ouvindo sobre os eventos.

Note-se que as suas respostas são todas assim: muito filosóficas e vagas, em que na generalidade temos que concordar.
Aliás, um dos amigos diz-lhe precisamente isso: que ele tem respostas para tudo, mas usando artimanhas de argumentação como loopholes, com que não se consegue argumentar contra.
Ele também usa por várias vezes a técnica de virar a questão contra quem fez a pergunta. Ou seja, a pergunta, em si, fica agora como resposta e como evidência de que ele diz a verdade.

Para mim, porventura a parte mais interessante é quando ele informa os seus amigos que ele foi… Jesus.
John informa que foi um discípulo de Buddha, que ao viajar para o Oeste, na zona do Médio Oriente, começou a tentar ensinar os ensinamentos de Buddha.
O seu nome John foi subvertido até se transformar em Jesus.
Os seus ensinamentos também foram subvertidos, de modo a incluir histórias pagãs e algumas fantasias (como andar sobre a água), que lhe deu um ar místico, mas que ele nunca pretendeu ter essas coisas ligadas a si.
John também detestou a forma como a sua mensagem foi subvertida para dar poder a alguns (com a criação de religião). E também detesta a forma criminosa como foram cometidas atrocidades supostamente no seu nome.
Sobre a sua “ressurreição”, John explica que com Buddha aprendeu a meditar ao ponto de tornar a sua respiração bastante lenta, o que lhe deu uma aparência de morto. Quando tentou fugir da “caverna” onde foi enterrado, para as pessoas pensarem que ele tinha morrido mesmo, ele foi visto e a partir daí as coisas fugiram do seu controlo.
Obviamente que, sobretudo os mais religiosos do grupo, não gostaram desta “confissão” de John, porque coloca em perigo todas as suas crenças mais profundas, e John é obrigado a retratar-se.

No final, um dos seus amigos, o psiquiatra, fica a saber que John é o seu pai (quando utilizava o pseudónimo John Thomas Partee (John T. Party), um professor de química em Harvard), tem um ataque cardíaco, e morre.

Crédito: Comic Critic

Crédito: Comic Critic

O filme é muito parado.
E é o tipo de filme que considero muito intelectual, demasiado filosófico, daí que não é o tipo de filmes que gosto.

A única exceção que me lembro é o K-PAX, que considero um filme brilhante.

Mas este filme também me parece bastante interessante. Não é um filme de entretenimento, mas levanta algumas questões interessantes e tem um diálogo que por várias vezes nos faz pensar.

Claro que a premissa – um homem com 14 mil anos – é pseudo. Essa parte devem colocar de lado.
Ou será que a premissa é horror psicológico em que um sociopata carismático atormenta emocionalmente as suas vítimas?
Ou será que ele é somente um louco que imagina coisas na sua cabeça (delusional) e deveria estar internado, tal como aqueles que imaginam ser Napoleão?
Ou será que o objetivo dele é somente ter atenção das pessoas com uma história fantástica? (tal como o psiquiatra põe como hipótese)

Os seus amigos parecem acreditar nele, mesmo que fiquem furiosos com ele.
John comporta-se assim como um palestrante carismático, um pseudo, em que mesmo as pessoas que deviam ser céticas acabam por acreditar nele por ele contar histórias fascinantes… mesmo que o que ele diga seja totalmente mentira.

Curioso que quase no final, quando John praticamente é obrigado (para não ser internado) a reconhecer que só contou uma história e que não era verdade, mesmo assim os seus argumentos justificativos dão a entender que a culpa é dos enganados: eles é que lhe deram coisas para ele formar a história e foram eles que ficaram tão fascinados com a história que ele teve que continuar a alimentá-los.
Novamente, nesta parte, ele dá a entender que é um incrível manipulador, um pseudo – alguém que não reconhece quaisquer erros da sua parte e que culpa as outras pessoas por serem levadas pelas suas mentiras.

No final, Sandy, a historiadora, que está apaixonada por John, mete-se no carro e vai com John, deixando toda a sua vida para trás. John passa a ter quem mude de vida somente para o seguir como um carneiro. John porta-se como qualquer figura pseudo-religiosa, tal como fazem todos os pseudos deste mundo.
Note-se que todos os cultos começam desta forma: um con man a enganar uma data de pessoas, algumas delas bastante instruídas.

Não gostei desta frase do psiquiatra, que deu “luz verde” a John para contar toda a história:
“There’s absolutely no way in the whole world for John to prove his story to us. Just like there’s no way for us to disprove it. No matter how outrageous we think it is, no matter how highly trained some of us think we are, there is absolutely no way to disprove it. Our friend is either a cave man, a liar or a nut.”
Não gostei desta frase porque, sem se notar, o psiquiatra ignora completamente o ónus da prova. Não são as pessoas que não acreditam no Pai Natal / Papai Noel ou em unicórnios invisíveis voadores que têm que provar que não existem; quem acredita nessas tretas é que tem que provar que existem. O ónus da prova está com eles. Da mesma forma, o ónus da prova nesta história está com John. Ninguém tem que provar que ela é mentira; John é que tem que provar que a sua história é verdadeira.

Seja como for, algumas análises ao conhecimento feitas no filme são bastante interessantes e são um bom ponto de partida para pensarmos sobre esses assuntos.

Por fim, deixem-me referir que a história foi escrita por Jerome Bixby, que escreveu episódios de Star Trek e de Twilight Zone. Provavelmente a história mais popular é o episódio Mirror Mirror.
Quem não viu o filme The Man From Earth, sabendo quem o escreveu, percebe logo que o filme deverá ter qualidade e deverá fazer as pessoas pensarem.

Podem ver todo o filme, com legendas em português, aqui:

3 comentários

  1. Pessoas que viveram muito, segundo relatos religiosos temos Matusalém e Enoch, que parece que foi levado à nave do “Chefe” para receber umas “dicas”…

    • Graciete Virgínia Rietsch Monteiro Fernanbdes on 02/10/2014 at 18:48
    • Responder

    Obrigada . vou mesmo ver.

  2. Há algum tempo que não fazia uma visita ao vosso site,e logo na primeira página esta este post.
    Eu gostei imenso deste filme,vi há uns meses atrás e passados uns 2-3 dias voltei a vê-lo. Gostei do ambiente simples do filme,da música logo de introdução,actores nada populares, o mesmo cenário(que apesar de ser o mesmo cenário a história do filme leva-nos muito além) e apesar de isto tudo gostei da diferente maneira de certos aspectos que nos deu sobre a humanidade.Também fiquei fascinada quando ele falou sobre Jesus…Eu deixei-me embalar completamente no filme
    É um filme muito interessante que vale a pena ver.Depois de ver The man from Earth,também vi o K-PAX. Também gostei,mas prefiro The man from Earth pelas razões que acima disse.

    Obrigada pela partilha 🙂

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