Pelos Anéis de Saturno! (ficção)

Você é um Astronauta, nos anéis de Saturno. Sua missão é apenas uma análise química mais precisa que a das sondas, por saber escolher melhor que as máquinas um objeto de interesse.

Mas quando sai da nave, o que vê diante de si é uma profusão colossal de bólidos de gelo de água, de tamanhos que variam de grãos de poeira a edifícios, a perder de vista na direção do espaço de um lado, e do disco gigantesco de Saturno, do outro. Você já tinha visto tal cenário em fotos e hologramas, mas nada se compara ao real.

Tudo que há de mais moderno em tecnologia de exploração espacial está em seu traje, mas mesmo assim, tome cuidado: a estática pode em pouco tempo abafar seu visor atraindo as micropartículas de neve que estão por toda a parte. No mais, os pedregulhos gelados parecem executar uma lenta dança, muitas vezes notando-se ao longe alguns colidindo entre si, emitindo um brilho esbranquiçado e se fragmentando em mais e mais pequeninas luas; uma miríade incontável de trilhões de pequenas luas bailarinas, sob o jogo de sombras e luzes projetado pelo magnífico planeta dos anéis.

saturn

Pode não parecer, mas cada um desses fragmentos está viajando em sua órbita ao redor de Saturno numa velocidade alucinante, da ordem de dezenas de milhares de quilômetros por hora. No entanto, como está dentro dos anéis, também está capturado pela gravidade do Planeta e em sua órbita, à mesma velocidade. É como estar de carro numa estrada em paralelo a outros carros que correm na mesma velocidade: os vê movendo-se lentamente em relação a você. Ao pegar um desses blocos flutuantes (do tamanho duma pedra comum) dos anéis na mão, é notável sua leve consistência rochosa, envolta por uma camada macia quase indistinguível da neve que vemos na Terra, suja com grãos minúsculos de poeira.

Cena do Documentário/Ficção Científica "Odisséia Espacial -- Viagem aos Planetas", da BBC

Cena do Documentário/Ficção Científica “Odisséia Espacial — Viagem aos Planetas”, da BBC

Por mais tranquilo, psicodélico e poético que pareça o ambiente, e a agradável sensação de poder se projetar saltando entre os icebergs flutuantes nesse “leito” de três dimensões, usando-os como plataformas, seria perigoso, pois não há uma superfície sólida para voltar em segurança, e a gravidade, mesmo dos maiores icebergs, é desprezível. A força ambiente é literalmente toda proveniente de Saturno, sincronizando e equilibrando a estrutura dos anéis. Na prática, cada um dos icebergs está numa queda infinita em sua órbita, e você, visitante, também. Não ia querer estar perto quando dois pedregulhos grandes colidem, pois corre-se o risco de ser atingindo por alguns fragmentos, comprometendo seu traje protetor e/ou arremessando-o para longe, sem condições de voltar para a segurança de sua nave. Poderia ser capturado para uma queda balística na direção da atmosfera de Saturno, e sendo incinerado em alguns segundos pelo atrito com a atmosfera.

Seu traje é equipado com uma jetpack (dispositivo individual de propulsão a jato) para se percorrer o ambiente. Cada jato de gás da jetpack o propele para mais adiante na direção que escolhe, desviando dos icebergs ou concentrações intransponíveis deles. Algumas dessas concentrações se erguem da superfície levemente plana dos anéis como ondas nesse mar de entulhos gelados flutuantes, chegando a uns quatro quilômetros de altura. É como uma suave e gigantesca montanha, e sua causa está logo à frente: não é mais um grande iceberg, mas uma lua de fato, com alguns quilômetros de diâmetro, cuja gravidade passante causou a elevação na harmoniosa dança dos icebergs.

Satélite Pan, lua pastora entre os anéis de Saturno

Satélite Pan, lua pastora entre os anéis de Saturno

A lua é estranha, pequena demais, porém com uma forma relativamente regular, sendo como uma esfera muito achatada nos polos, com protuberâncias no equador, parecendo um disco voador colossal. É uma das muitas luas pastoras, assim designadas por orbitar no meio das divisões dos anéis de Saturno, ajudando a orquestrar sua forma.

Agora você está sobre o plano dos anéis, e se deixou enfeitiçar pela visão deslumbrante a sua frente: um mar de icebergs de gelo se estendendo até aonde a vista alcança. Saturno é enorme completando o horizonte: como um sol imenso e amarelado, cortado por suas nuvens castanhas em forma de cinturões, nascendo ao fundo desse exótico mar alienígena no espaço estrelado.

Quando sai de sua contemplação, percebe que a jetpack não funciona mais. A beleza desse lugar do Universo entorpeceu seu juízo, seu treinamento de Astronauta? Esqueceu-se da nebulosidade, das micropartículas de gelo que agora obstruem as saídas de sua jetpack.

Você sabe que, uma vez perdido, irá definhar para sempre como mais um bólido dos anéis de Saturno, sepultado nesse magnífico reino de gelo. Sabendo que o sistema clássico de anéis se estende por mais de 120.000 km além de Saturno, a área virtual para alguma equipe de resgate te procurar seria algo em torno de quatro quatrilhões de quilômetros quadrados. Lembrando, a área da superfície da Terra inteira é de pouco mais de 500 milhões de quilômetros quadrados.newrings_cassini_big

Quanto tempo ainda tem de oxigênio? Sua vida depende do rastreador, para que a nave o encontre e o resgate. No fundo, sabe que está no futuro, e que os sistemas de rastreamento resolvem isso com facilidade. Logo você é resgatado, está a salvo na nave espacial e a única sequela será a bronca do comandante por não ter completado sua missão. No entanto, preservará o pânico que passou à deriva nos anéis de Saturno.

Agradecimento: Núrya Ramos, pelo apoio e revisão gramatical

11 comentários

Passar directamente para o formulário dos comentários,

  1. Uauuu….lindo

    • Eduardo Rodrigues on 30/08/2015 at 02:15
    • Responder

    Diga a verdade… você esteve lá! 😀 II

  2. Diga a verdade… você esteve lá! 😀

    1. Hhehe, em nossas mentes somos livres para viajar pelo Universo, como já disse Hawking 🙂

  3. Gostei !! 🙂 fiquei com esta imagem em (first person) https://www.youtube.com/watch?v=emK7H6zRbcY

    1. E faz sentido as estrelas aparentemente correrem no céu, porque esses icebergs dos anéis estão em altíssima velocidade orbital. 🙂

    • Dinis Ribeiro on 22/08/2015 at 01:56
    • Responder

    Gostei.

    …em particular desta frase: “um mar de icebergs de gelo se estendendo até aonde a vista alcança”

    Sugestão:

    http://kraivudkomiks.blogspot.pt/2014/03/valerian-and-laureline-by-christin-and.html

    https://en.wikipedia.org/wiki/Welcome_to_Alflolol

    • Manel Rosa Martins on 20/08/2015 at 12:22
    • Responder

    alô Astronauta nos anéis de Saturno, bip bip, aqui Terra, recebemos texto maravilhoso, bip bip, continuação de boa viagem, bip bip, encheu de sorrisos a sala de controlo de Missão, bip bip.

    Obrigado 🙂

    1. WOOOW 🙂

  4. Que bom que voltou a escrever, querido, e a nos brindar com as estórias frutos da sua imaginação. Parabéns pelo artigo! Bjs,,, 😉

    1. Obrigado minha Querida.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado.

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.