Na primeira parte falei-vos dos números naturais, inteiros, racionais, irracionais, transcendentais e reais. Na segunda parte abordei os números imaginários, os complexos, os transfinitos, e os primos (mais as suas “sub-famílias”).
Será que os matemáticos se ficaram por aqui? É claro que não!
Não querendo fazer uma enumeração exaustiva de todos os “tipos” de números, apresento-vos aqueles que creio também merecerem ser referidos:
- Números perfeitos são números (inteiros) cuja soma dos seus divisores (excluindo o próprio número) é igual ao próprio número. Por exemplo, 6 é divisível por 1, 2 e 3, e 1+2+3=6, pelo que 6 é um número perfeito. O número perfeito seguinte é o 28, como podem comprovar. Acrescento que Euclides definiu uma fórmula para obter números perfeitos, e Euler provou que essa fórmula gerava todos os números perfeitos pares (antes da demonstração de Euler não era claro se poderia haver outros números perfeitos pares que não fossem criados pela fórmula). Ainda não se conseguiu provar se existem números perfeitos ímpares, ou não. (Naturalmente, com a ajuda de computadores já se tentou encontrá-los sondando imensos números, no entanto nada se encontrou até hoje, o que indicia que não existam, porém é necessária uma prova matemática para o poder afirmar com certeza.)
- Números amigos são pares de números (naturais) em que a soma dos divisores de um deles, dá o outro (a relação é mútua). O par de números amigos mais reduzido é o 220 e o 284. Como é fácil de verificar, os divisores do 220 (excluindo o próprio) são o 1, 2, 4, 5, 10, 11, 20, 22, 44, 55, e 110, os quais somados dão 284. Por sua vez, os divisores de 284 são o 1, 2, 4, 71, e 142, que somados dão 220.
Em 850, Thabit ibn Qurra (826-901), matemático e astrónomo árabe, inventou uma fórmula a partir da qual se podem obter pares de números amigáveis. Contudo, a fórmula de Thabit não gera todos os números amigáveis, e sem outros métodos, trata-se de um processo difícil encontrá-los. Hoje conhecemos mais de 10 milhões de números amigáveis, mas apenas cerca de 5000 desses pares são constituídos por números inferiores a 30 mil milhões. Todos os pares de números amigáveis encontrados correspondem a dois números pares, ou a dois números ímpares. Nunca foi encontrado um par de números amigáveis que contenha um número par e um ímpar, sendo uma questão em aberto se tais números amigáveis existem.
- Números normais – Para compreender o que são estes números, é preciso primeiro entender o que significa “normal” em Matemática. Remeto o leitor para o artigo A Estatística das Sondagens, onde explico o que é a distribuição Normal (também conhecida por distribuição de Gauss). Um número normal corresponde necessariamente a um número com infinitos dígitos (como uma dízima infinita). Para que este número seja considerado um número normal, é necessário que a frequência com que aparece cada um dos algarismos (de 0 a 9) seja a mesma. Isto é, nenhum algarismo pode aparecer mais que os outros.
Este conceito foi proposto em 1909 por Émile Borel (1871-1956), matemático e político francês, que mostrou que quase todos os números reais são normais! Além disso, propôs a conjectura de que a constante pi (razão do perímetro pelo diâmetro de uma circunferência) é um número normal. Tem-se também conjecturado que a raiz quadrada de 2, o número de Euler (e), e o logaritmo de 2 são também números normais, mas os matemáticos ainda não conseguiram provar nada disto (ainda que, mais uma vez, cálculos computacionais mostrem indícios de que as conjecturas podem/ devem ser verdadeiras). Uma ideia apelativa é que se o pi é de facto um número normal, então é garantido que no meio da sua infinita sequência de algarismos aleatórios seja possível encontrar qualquer tipo de informação codificada, incluindo todos os códigos genéticos, a história da humanidade, todos os universos paralelos possíveis, tudo… (O problema seria naturalmente encontrar esses padrões no “meio” de uma sequência infinita de números: uma tarefa seguramente inviável.) (Basicamente, este tipo de ideia trata-se de uma aplicação do Teorema do Macaco Infinito, do qual já falei no artigo Paradoxos da Razão III.)
Note-se que estamos a representar os números na base 10 (ver parte I). Será que se mudássemos de base, representando os números com um número diferente de algarismos, os novos algarismos apareceriam também com igual frequência? Não necessariamente. Se para um dado número normal isso acontecer, então chamamos-lhe “absolutamente normal”. Provou-se em 2002 que a existência de números absolutamente normais é possível, falta, porém, conseguir definir um destes números. Em relação aos números “simplesmente normais”, ou seja, que são normais apenas numa base, são conhecidos alguns exemplos.
Dou por concluída a exposição dos diferentes conjuntos e “tipos” de números. Antes de passar a exibir as constantes “especiais” da Matemática, que ficará para a próxima parte, por uma questão de completude, ainda que um pouco fora de contexto, acrescento aqui a notação científica. Esta foi uma notação criada para lidar com números particularmente grandes ou pequenos, sem que tenhamos que escrever imensos algarismos redundantes que poderiam simplesmente tornar uma dada análise maçuda, aborrecida e pouco clara.
Por exemplo, se procurarem a distância da Terra ao Sol no Google, encontram: 149.600.000 km. Como é evidente, esta não é a distância exacta entre a Terra e o Sol, que de resto varia ao longo do tempo, visto que a órbita não é circular. Trata-se de um número arredondado, e que em notação científica se representa como:
Ou seja, fazemos “desaparecer” os zeros ao usarmos a multiplicação por uma potência de 10 (recordo que 10 com o expoente 8 é equivalente a escrever 10x10x …x10 com 8 “dezes” na multiplicação; a imagem de cima poderá ajudar, caso não estejam familiarizados com a notação).
A precisão (número de algarismos) exigida depende do contexto. Se quiserem comprar uma mesa vão-se preocupar com uma precisão até à escala do centímetro, em contraste se forem a conduzir irão encontrar informações com escalas de precisão da ordem do quilómetro.
Se repararem, estes próprios nomes, “centímetro” e “quilómetro” são como que uma notação científica linguística (conhecida por notação de engenharia). Um quilómetro são 1000 metros, enquanto que um centímetro é um centésimo de um metro. Como já devem ter reparado, existem prefixos gerais que podem ser aplicados a outras grandezas físicas para lá das distâncias. A cada prefixo podemos associar a potência de 10 respectiva (muitos serão vossos conhecidos da informática):
exa- (trilião)
peta- (milhar de bilião)
tera- (bilião)
giga- (milhar de milhão)
mega- (milhão)
quilo- (milhar)
hecto- (centena)
deca- (dezena)
deci- (décimo)
centi- (centésimo)
mili- (milésimo)
micro- (milionésimo)
nano-
pico-
A título de curiosidade acrescento que na verdade o caso da informática é excepcional, pois, por exemplo, 1 kB (quilobyte) = 1024 bytes e não 1000 bytes, isto porque os computadores usam um sistema binário. Ou seja, a base é 2, e por isso a potência usada é de 2 e não de 10. Assim, a correspondência com as potências de cima não se verifica na informática, onde, por exemplo, o quilo- corresponde a , em vez de .
Tradução: “Estou tão chateada!!” – “O que se passa?” – “Preciso de escrever 120000000000000000000000, mas o número é demasiado grande!” – “Whoa! Ah, já sei! Podes escrevê-lo usando notação científica! Fica apenas !” – “Wow! Isso é tão conveniente! Muito obrigada!” – “De nada! :)”
2 comentários
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Um epílogo fabuloso numa série fantástica. Na obra de ficção “Contacto” de Carl Sagan se me lembro bem as instruções para a construção da nave que levava a Jodie Foster para a estrela de Vega estavam contidas numa sequência de números normais no Pi.
Abraço e parabéns, adorei esta série. 🙂
Author
Sim, se bem me lembro, era isso (também já vi o filme há muitos anos).
(Não é o epílogo, ainda haverá mais duas partes. 😉 )
Muito obrigado. 🙂
Abraço.
[…] em metros como em polegadas. Não confundamos, porém, diferentes sistemas de unidades com os múltiplos de unidades. Por exemplo, o quilómetro não é uma unidade diferente do metro, simplesmente trata-se de uma […]
[…] de energia, o leitor poderá lembrar-se que uma lâmpada de 40 watt emite 40 joule por segundo e 1 “giga” corresponde a mil milhões… Voltando às bombas, a Greenhouse Item gerou uma explosão equivalente a 45.5 mil […]
[…] três partes deste artigo falei-vos de vários conjuntos diferentes de números (parte I, parte II, parte III), e na quarta parte foquei-me em alguns números em particular, nomeadamente o zero, o pi, e o […]
[…] imaginários, complexos, transfinitos, primos (segunda parte), perfeitos, amigos, e normais (terceira parte). Não esgotei o tema sobre conjuntos de números, mas opto agora dirigir a vossa atenção para […]